Acórdão nº 01880/21.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-02-25

Data de Julgamento25 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão01880/21.1BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . O CENTRO HOSPITALAR e UNIVERSITÁRIO do PORTO (CHUP), EPE, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, de 22//10/2021, que, julgando procedente a acção de INTIMAÇÃO para PROTECÇÃO de DIREITOS, LIBERDADES e GARANTIAS – art.º 109.º do CPTA – intentada pela A./recorrida A., solteira, maior, técnica superior de saúde – ramo nutrição - e residente na Rua (…), decidiu do seguinte modo:
- reconhece-se o direito da A. a exercer funções em teletrabalho, ao abrigo do artigo 5.º-B do Decreto-Lei n.º 79-A/2020, de 1 de outubro;
- condena-se o Réu a aceitar que a A. exerça funções em teletrabalho enquanto vigorar o artigo 5.º-B do Decreto-Lei n.º 79-A/2020, de 1 de outubro;
- condena-se o Réu a anular a marcação de faltas nos dias em que a A. exerceu funções em teletrabalho;
- condena-se o Réu a pagar os valores indevidamente descontados relativos à remuneração de 14 dias do mês de junho, bem como os valores relativos a dias de prestação de teletrabalho, indevidamente classificados como faltas, relativas às retribuições entretanto vencidas;
- condena-se o Réu a não mais descontar quaisquer valores relativos a dias de prestação de teletrabalho, indevidamente classificados como faltas, e pagar na íntegra as retribuições mensais vincendas".
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2 . Nas epílogo das suas alegações, o recorrente CHUP, EPE formulou as seguintes conclusões:
"1.º Em consequência da situação epidemiológica que se tem verificado em Portugal, em resultado da pandemia da doença COVID-19, justificou-se, por parte do legislador, a adopção de várias medidas com o intuito de prevenção, contenção e mitigação da transmissão da infecção;
2.º- Tal contexto implicou, muitas vezes, uma ténue fronteira entre a “salvação” das empresas e dos seus trabalhadores, com a necessidade de encerrar estabelecimentos e empresas como forma de impedir a propagação do vírus;
3.º- De entre as várias medidas que foram sendo tomadas, com vista a assegurar, por um lado, o funcionamento das empresas, por outro, a necessidade imperiosa dos trabalhadores não terem necessidade de se deslocarem dos seus lares, é previsto um regime especial de teletrabalho, e alguns contextos, obrigatório;
4.º- Em simultâneo com a necessidade de conter e mitigar a transmissão da infecção, foram reforçados os quadros e recursos humanos do serviço nacional de saúde, aprovada legislação que, se por um lado, permitia a contratação de todos os profissionais necessários, por outro, proibiu, inclusivamente a cessação dos vínculos existentes;
5.º- Esta necessidade de reforço dos recursos humanos implicou ainda que, o legislador tivesse excepcionado como obrigatório a prestação de trabalho em regime de teletrabalho para os profissionais de saúde, onde se inclui a recorrida, enquanto nutricionista;
6.º- Pelo que se deverá considerar que o art.º 5.º-B do D.L. 79-A/2020, de 1 de Outubro, não é aplicável à recorrida;
7.º- Mas, ainda que assim não se entenda, ainda assim deverá considerar-se que a obrigatoriedade de teletrabalho só existe na medida em que o mesmo é compatível com as funções exercidas e o trabalhador disponha dos meios para o realizar;
8.º- Considerando aqui o manual de funções da recorrida, é perceptível à saciedade que, de entre as tarefas que lhe cumpre executar, há tarefas compatíveis com o teletrabalho, mas há tarefas que são incompatíveis com o teletrabalho;
9.º- Subsistindo, em simultâneo, tarefas que podem ser executadas em regime de teletrabalho e tarefas que não podem ser executadas em regime de teletrabalho, poderá a entidade empregadora, prever e impor um regime em que o trabalho é prestado, alternadamente, em regime de teletrabalho e em regime de trabalho presencial;
10.º- Condicionada a regra da adopção obrigatória do regime de teletrabalho apenas às situações em que as funções em causa o permitam e o trabalhador disponha de condições para as exercer, está a recorrida, ao recusar a prestação de trabalho em regime presencial de tarefas que não podem ser executadas de outra forma, a faltar injustificadamente ao trabalho;
11.º- Ao assim não decidir, está o Tribunal recorrido a viola o disposto nos art.ºs 5.º-A e 5.ºB do D.L. 79-A/2020 de 1 de Outubro, art.º 9.º do Decreto n.º 3-A/2021, de 3 de Janeiro, art.º 5.º do Decreto n.º 7/2021, de 17 de Abril, art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, Art.º 25.º-A do D. L. 20/2020, de 01/05 e o despacho 3301/2020 de 15 de Março;
12.º- Se Vossas Excelências, em face das conclusões atrás enunciadas revogarem a sentença da primeira instância e, em sua substituição proferirem acórdão que julgue a presente acção improcedente por não provada, dando provimento ao presente recurso, farão uma vez mais serena, sã e objectiva JUSTIÇA".

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3 . Notificadas as alegações apresentadas, a A./Recorrida Ana Paula Pereira não apresentou contra alegações.
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4 . O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, nada disse.
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5 . Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO

São os seguintes os factos fixados na decisão recorrida:
1 . Em 5/07/2010, a A. foi contratada pelo Centro Hospitalar do Porto, E.P.E., por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado para o exercício das funções inerentes à categoria de Assessor - Ramo de Nutrição –– cf. documento n.º 1 junto à contestação.
2. O Manual de Funções aplicável à A., em virtude da sua categoria, tem o seguinte teor – cf. documento n.º 2 junto à contestação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

3. Em 5/3/2021, o Serviço de Saúde no Trabalho do Hospital de Santo António considerou a A. apta condicionalmente para o exercício da sua função com as seguintes recomendações principais:
"- uso de equipamento de proteção individual (uso de EPI’s adequados para a função e ao período pandémico (uso preferencial de FFP2);
- proposta de organização de trabalho (adaptação progressiva às suas funções; evitar funções em serviços de risco biológico ou pandémico; ponderar funções em teletrabalho)” – cf. documento n.º 1 junto à petição inicial.
4. A 14/04/2021 o Diretor do Serviço de Nutrição do Réu endereçou um e-mail à A., com o seguinte teor:
Sim o Plano está correto. O objetivo é que haja dias presenciais e dias de teletrabalho. Tu em função da tua situação estarás 3 dias em teletrabalho.
Este plano está de acordo com as diretrizes do Serviço e são as aprovadas pelo CA” – cf. documento n.º 2 junto à petição inicial.
5. A 14/04/2021 o Diretor do Serviço de Nutrição do Réu endereçou um e-mail à A., com o seguinte teor:
A situação epidemiológica do País e do CHUPorto alterou-se. No CHUPorto houve uma diminuição significativa do número de internados com diagnóstico de COVID 19. Sabemos, pela experiência adquirida em mais de ano de atividade em situação de pandemia, que a nossa atividade é maximizada com a nossa presença. Considerando a tua “Ficha de Aptidão para o Trabalho” que diz “Adaptação progressiva às suas funções. Evitar funções em serviços de risco biológico ou pandémico. Ponderar funções de Teletrabalho”, e termos todas as condições que garantem a nossa segurança, o plano de cumpre este requisitos de segurança para o trabalho presencial.
Relembro que a tua situação, a nível de ficha de aptidão para o trabalho é idêntica a outros colegas e que o Conselho de Administração aprovou este plano de contingência do Serviço de Nutrição” – cf. documento n.º 2 junto à petição inicial.
6. A A. de imediato respondeu ao seu superior hierárquico, relembrando, desde logo, o acordo anterior de que seria adoptado, quanto à A., o regime de teletrabalho; mais relembrou que a decisão de adopção de teletrabalho não dependia da decisão do superior hierárquico, sendo antes obrigatória, nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 55-A/2020, de 31 de julho – cf. documento n.º 2 junto à petição inicial.
7. De imediato o Diretor de Serviço de Nutrição do Réu respondeu, dizendo que fazia uma análise diferente, mas que se esse era o entendimento da A., exporia a situação no Conselho de Administração – cf. documento n.º 2 junto à petição inicial.
8. Volvidos mais de 15 dias desde que o superior hierárquico dissera que iria expor o caso ao Conselho de Administração, sem qualquer retorno, a A. acabou por interpelar o próprio Conselho de Administração, por intermédio da sua mandatária, invocando que, tendo um grau de incapacidade de 60%, encontra-se num dos casos excecionais de teletrabalho obrigatório previstos no art. 5º B do Dec. Lei n.º 79-A/2020, de 1 de outubro – cf. documentos n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial.
9. A A. é portadora de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60% - cf. documento n.º 4 junto à petição inicial.
10. Em 5/5/2021 foi enviado à A. email pelo Diretor de Nutrição do Réu, no qual se afirma que as funções atribuídas à A. são as mesmas do passado e a que a sua inclusão na escala rotativa está de acordo com as suas atribuições, fazendo a A. parte da escala de rotatividade e devendo ver os doentes de acordo com a mesma – cf. fls. 163 do SITAF.
11. A escala rotativa de profissionais de saúde para apoio de nutrição...

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