Acórdão nº 01834/21.8BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23-03-2023

Data de Julgamento23 Março 2023
Ano2023
Número Acordão01834/21.8BELSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO


I. Relatório

1. A..., S.A. – identificadas nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 17 de novembro de 2022, que concedeu provimento parcial ao recurso que interpôs da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) de Lisboa, de 21 de janeiro de 2022, que julgou improcedente a ação por si proposta contra o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA, I. P., na qual requer a anulação das deliberações do R. de exclusão da sua proposta, a revogação da decisão de contratar, a admissão dessa proposta e a condenação da R. na adjudicação à mesma proposta e na outorga do correspondente contrato de prestação de serviços.

O acórdão recorrido foi proferido na sequência do Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de outubro de 2022, que declarou nulo, por falta de exercício do contraditório, o Acórdão do TCAS, de 5 de maio de 2022.

2. Nas suas alegações, a Recorrente formulou, quanto ao mérito do recurso, as seguintes conclusões:

«1. DA ADMISSÃO DA PROPOSTA E DO DEVER DE ADJUDICAÇÃOACTO VINCULADO

V. É um facto incontroverso que as deliberações tomadas, pela Recorrida, de exclusão da proposta da Recorrente, de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar foram anuladas pelo Acórdão recorrido que, nessa parte, não é objeto do presente recurso, nem foi objeto de recurso pela Recorrida. Pelo que, nessa parte, o primeiro Acórdão do TCAS que decidiu esta matéria transitou em julgado.

W. Temos, assim, por lógico e forçoso que a consequência do Acórdão que anulou a deliberação de exclusão da proposta, de não adjudicação e de revogação da decisão de contratar, é a necessária admissão da proposta da Recorrente, o que quer dizer que a obrigação da Recorrida é de adjudicar, por via do disposto no n.º 1 do art. 73.º e nº 1 do art. 76.º do CPP. Na verdade, perante a existência de uma única proposta válida, impunha-se a sua adjudicação à Recorrente, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 76.ºdo CCP. A este respeito, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do TCAN de 31-01-2020 no processo n.º 00231/19.0BEMDL

(http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/ad83572a4f402a148025 850c005d7681?OpenDocument)

X. Assim, o legislador optou por consagrar no artigo 76.º, n.º 1, do CCP, um dever de adjudicação que apenas é ressalvado nas situações previstas no artigo 79.º, n.º 1, do CCP, sendo certo que não existe, no caso dos autos e por referência a tal normativo, qualquer causa de não adjudicação, tanto que a decisão de não adjudicação foi anulada no Acórdão recorrido.


Y. Estamos, assim, perante uma única solução legal possível a de que o contrato deveria ter sido adjudicado à Recorrente, pelo que em tal caso o Tribunal deve determinar, à luz do disposto no artigo 71º nº 1 e n.º do CPTA, como conteúdo do ato a praticar, precisamente, a adjudicação do contrato à Recorrente (a tal respeito, entre outros, vide o acórdão do TCA Sul de 19/10/2017, Proc. nº 2473/14.5BESNT, in, www.dgsi.pt), existindo, concomitantemente, um dever de adjudicar, mas também um direito à adjudicação. Vide a este respeito, o acórdão deste TCA Norte de 28/06/2019, 0744/18.0BECBR. O Acórdão do STA de 3-12-2015, no processo 913/2015, fixa uma orientação jurisprudencial inequívoca neste sentido indicado (Acordão do Supremo Tribunal Administrativo (dgsi.pt). Veja-se também o Acórdão do STA de 8-9-2016 no processo 568/16 cuja parte relevante do sumário nos permitimos transcrever:

I - Tendo sido invalidado o acto de exclusão da proposta a qual teve como fundamento uma única causa, afastado tal fundamento, a Administração apenas pode tomar a decisão contrária – a da admissão da proposta (cfr. arts. 70º, nºs 1 e 2, 122º, nºs 1 e 2, 124º, 146º, nºs 1, 2 e 3 e 148º, nº 1, todos do CCP).

II - E admitida a proposta, ficando a Recorrente graduada em primeiro lugar, uma vez que o critério estabelecido no concurso é o do mais baixo preço (sendo o por ela apresentado o mais baixo), o acto de adjudicação constitui-se como um acto legalmente devido, já que a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cfr. arts. 36º e 76º do CCP), salvo as excepções previstas no art. 79º do CCP, que aqui não estão em causa.

III - Considerando que os actos a praticar pela entidade adjudicante corresponderão ao pedido condenatório, que foi julgado inteiramente procedente, está a Administração concretamente vinculada a praticar os actos referidos com o conteúdo pretendido, estão reunidos todos os pressupostos necessários para a condenação nos precisos termos do pedido, sem necessidade de formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (art. 95º, nº 3 do CPTA).

IV - Seria, pois, de condenar a Administração a adjudicar os serviços, sem prejuízo do disposto no art. 77º, nº 2 do CCP, e a celebrar o contrato respectivo.

Z. Julga-se assim que deveria ter sido dado provimento ao recurso de Apelação, condenando-se a Recorrida na prática do ato devido, a saber: adjudicação da proposta da Recorrente e celebração do contrato, conforme princípios e normas invocadas que foram violadas no Acórdão Recorrido.


1. DA REPETIÇÃO DO PROCEDIMENTO/CORREÇÃO DAS PEÇAS DO PROCEDIMENTO VS. DA DESEJADA INTERPRETAÇÃO DAS PEÇAS DO PROCEDIMENTO CONFORME A LEI, OS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS E AS REGRAS DE CONCURSO, COM CONSEQUENTE ADJUDICAÇÃO

AA. No Acórdão Recorrido considerou-se haver uma ilegalidade de normas concursais relativas à exigência, em fase de proposta, de apresentação de Engenheiros inscritos na Ordem dos Engenheiros, em detrimento dos Engenheiros Técnicos inscritos na Ordem dos Engenheiros Técnicos, em consequência da qual se condenou a Recorrida a reformular as peças concursais para as expurgar de tal ilegalidade.

BB. A Recorrente não concorda com este entendimento, pois considera que a interpretação feita pela Recorrida de tais normas é que é ilegal, não as normas, mas a forma como esta as interpretou e, assim sendo, não há necessidade de reformular as normas em causa, nem de reiniciar todo o procedimento concursal, apenas de as interpretar em conformidade com aos princípios e regras aplicáveis e proceder à adjudicação.

CC. O contexto de tal entendimento da Recorrente é fundado na seguinte realidade que emerge dos autos:

1) Um concurso limitado por prévia qualificação regulado nos seus art.ºs 162º a 192.º do CCP que, pela sua natureza, afasta potenciais interessados ao concurso em face de requisitos técnicos e financeiros que nem todos os interessados cumprirão;
2) Na fase de qualificação, não ocorreu qualquer discriminação entre a classe de engenheiros e engenheiros técnicos e/ou a sua inscrição na respetiva ordem profissional, pois que ambos eram admitidos para efeitos de qualificação (art. 17.º do Programa de Concurso e seu Anexo III). Quer isto dizer que, na fase de qualificação, não houve qualquer violação do princípio da igualdade no que respeita a requisitos técnicos, tal como não houve qualquer restrição da concorrência, designadamente preterição de uma classe de engenheiros em benefício de outra. Esta realidade condiciona naturalmente a fase da proposta.
3) Duas das três candidaturas foram excluídas na fase de qualificação em virtude de não possuírem credenciação do Gabinete Nacional de Segurança exigida, por lei por se tratar do projeto de uma prisão, e também no art.º 10.º do programa de concurso. Tal exclusão não ocorreu, portanto, por qualquer requisito relativo à capacidade técnica ou falta dela por parte dos candidatos excluídos;A decisão da Recorrida de excluir as restantes 2 candidaturas e de qualificar apenas a candidatura da Recorrente não foi impugnada, tendo-se tornado definitiva e vinculativa.
4) Por outro lado, as regras do procedimento também não foram impugnadas por qualquer terceiro, nem por qualquer dos aludidos candidatos não qualificados, nem nos presentes autos.
5) O Anexo I do caderno de encargos refere engenheiros inscritos na ordem dos Engenheiros, mas não proíbe a apresentação de engenheiros técnicos inscritos na Ordem dos Engenheiro Técnicos;
6) Tal como as peças do procedimento concursal não derrogam a lei sobre a equiparação profissional entre engenheiros e engenheiros técnicos (Lei n.º 31/2009, de 3 de julho) que é de aplicação geral e obrigatória
7) Inexiste no Caderno de Encargos e no CCP qualquer norma expressa que estabeleça como causa de exclusão da proposta a apresentação de engenheiros técnicos inscritos na Ordem dos Engenheiro Técnicos;
8) A Lei n.º 31/2009, de 3 de julho (relativa à qualificação profissional dos engenheiros e engenheiros técnicos) reconhece uma equiparação profissional ao nível da qualificação dos engenheiros e dos engenheiros técnicos, o que é confirmado de forma clara no Acórdão Recorrido, que nessa parte não merece censura, sendo tal regime legal de aplicação direta, geral e era omnes (arts. 6º a 8º do C. Civil), e do conhecimento geral dos profissionais do foro.
9) Aparentando tal regime ser desconhecido da Recorrida, porque no programa de concurso admitiu, para efeitos de qualificação, engenheiros técnicos e engenheiros inscritos nas respetivas ordens profissionais, mas no caderno de encargos, incluindo para as mesmas funções, limitou-se a referir engenheiros inscritos na Ordem dos Engenheiros, olvidando de também manter a referência alternativa a Engenheiros Técnicos inscritos na Ordem dos Engenheiros Técnicos conforme constava do Programa de Concurso (art. 17º e seu Anexo III).

DD. Citando Pedro Costa Gonçalves:
“O encerramento da fase de qualificação dá-se com a tomada de uma decisão administrativa autónoma que resolve, em termos finais, todos os assuntos apreciados até esse momento, desde que relacionados com a...

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