Acórdão nº 0176/22.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-03-30

Ano2023
Número Acordão0176/22.6BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A Associação ... (doravante A…) e AA (doravante AA, intentaram processo cautelar contra o Conselho de Ministros (doravante CM) e em que é contra-interessada a Fundação Centro Cultural de Belém (doravante FCCB), pedindo a suspensão de eficácia do Decreto-Lei n.° 90-D/2022 que determinara a extinção da Fundação ...-… (doravante F…).
Para tanto, alegaram, em síntese, o seguinte:
Em 3/4/2006, celebraram, com o Estado Português, um protocolo, visando que a colecção de arte moderna e contemporânea, denominada de “...” fosse exposta ao público no CCB.
Por força da cláusula 1.a desse protocolo, o Estado obrigou-se a constituir, mediante decreto-lei, a F… como instituição de direito privado e de utilidade pública e, de acordo com a cláusula 2.a, a A… daria, em comodato por 10 anos, a ... a esta fundação, logo que estivesse pronto para abrir, no módulo 3 do CCB, o Museu ...
Esse módulo 3 seria cedido em usufruto pela FCCB à F…, enquanto se mantivessem os pressupostos que haviam conduzido à celebração do protocolo.
Em 9/8/2006, foi publicado o DL n.° 164/2006 que procedeu à criação da F… e à publicação dos respectivos estatutos, vindo o referido museu a ser inaugurado em 25/6/2007.
Em 23/11/2016, foi assinado uma “Adenda ao Protocolo”, nos termos da qual o aludido comodato era renovado por 6 anos, contados desde 1/1/2017, e seria automaticamente renovado por iguais períodos se qualquer das partes não denunciasse o acordo com a antecedência mínima de 6 meses em relação à data do termo inicial ou de qualquer das suas renovações.
Em 6/6/2019, a Banco 1..., o Banco 2... e o Banco 3... intentaram, contra AA, a ..., a “A... SGPS, SA” e a “B..., SA”, acção executiva para pagamento, entre capital e juros, da quantia de quase mil milhões de euros que ainda se encontra pendente.
Esses bancos também intentaram, contra a A…, uma acção declarativa, onde pedem o pagamento de uma indemnização pela desvalorização de garantias prestadas, no âmbito da qual obtiveram, por decisão de 25/6/2019, do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, o arresto de todas as obras de arte integrantes da ..., aí se determinando que o arresto não prejudicava a exposição das obras e que seria realizado sem a remoção destas do CCB.
Em 26/5/2022, o Sr. Ministro da Cultura, em representação do Estado, dirigiu uma carta ao Presidente da A…, onde denunciava o “acordo de comodato” em termos que impediam a sua renovação em 1/1/2023.
O acto que procedeu à extinção da F… é ilegal por a denúncia do comodato não ter produzido quaisquer efeitos visto não ter sido efectuada pelas partes contraentes, e, de qualquer modo, a circunstância de as obras estarem arrestadas e à ordem de um fiel depositário que é o presidente da FCCB demonstra que elas podiam continuar em exposição e que a F… podia continuar a existir e a desempenhar os seus fins, referidos no art.° 3.°, do DL n.° 164/2006, que não estavam dependentes da vigência do comodato.
Tal acto também enferma do vício de desvio de poder, viola o disposto no n.° 2 do art.° 35.° da Lei Quadro das Fundações, por não se verificar nenhuma das situações aí previstas, conforme foi, aliás, reconhecido pelo parecer do Conselho Consultivo das Fundações e infringe ainda o preceituado no n.° 1 do art.° 60.° do mesmo diploma legal por não ter sido precedido da audiência prévia dos instituidores da F….
Verifica-se, pois, o requisito de procedência das providências cautelares do “fumus boni iuris”, por se mostrar provável a procedência da acção principal que irão intentar.
E também ocorre o requisito do “periculum in mora”, quer na vertente da verificação de uma situação de facto consumado - por, face à extinção da F…, esta não ter a possibilidade de retomar a sua existência jurídica como se nada tivesse acontecido - quer na vertente de verificação de prejuízos de difícil reparação para os requerentes, seus instituidores, dado que a diluição da ... num museu sem o nome …, convivendo com obras de outras proveniências e sem o mesmo valor artístico gera a desvalorização tanto da colecção como das obras individualmente consideradas.
A não concessão da requerida suspensão impedirá a F… de prosseguir as suas finalidades estatutárias, significando para ela uma “sentença de morte” e determina a desvalorização das obras da colecção, enquanto o seu deferimento não causa qualquer prejuízo ao interesse público.
Na sua oposição, a entidade requerida sustentou que os fundamentos alegados no requerimento inicial são manifestamente insusceptíveis de preencher qualquer um dos requisitos de procedência dos processos cautelares, constantes dos n°s. 1 e 2 do art.° 120.° do CPTA, concluindo, assim, pelo indeferimento da providência cautelar pedida.
Por sua vez, a contra-interessada, na sua oposição, invocou a excepção da incompetência dos tribunais administrativos em razão da matéria, com o fundamento que o acto suspendendo não era materialmente administrativo, mas legislativo e referiu que não estava demonstrado qualquer dos requisitos de procedência dos processos cautelares, pelo que deveria ser proferida decisão de absolvição da instância ou, se assim se não entender, de indeferimento do pedido.
Pronunciando-se sobre a suscitada excepção, os requerentes concluíram pela sua improcedência em virtude de o acto suspendendo ser substancialmente administrativo, não traduzindo qualquer opção política relativa à consciência ético-social vigente na comunidade e pediram a condenação, em multa e em indemnização a determinar a final, como litigante de má fé, da FCCB por esta distorcer conscientemente a verdade dos factos.
A contra-interessada respondeu a este pedido, concluindo pela sua improcedência por não se...

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