Acórdão nº 0176/11.1BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10-04-2024

Data de Julgamento10 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão0176/11.1BEFUN
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. B..., S.A. (SUCURSAL EM PORTUGAL), atualmente denominada A..., S.A., com o número de identificação de pessoa coletiva ...66, com sede no Edifício ..., ... do ..., ..., ..., recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de imposto especial sobre o consumo de tabaco a que alude o impresso de liquidação n.º ...62, de 15 de junho de 2011, no valor de € 4.607,69.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações, que condensou nas seguintes conclusões: «(…)

A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, com data de 24 de junho de 2016, que veio julgar improcedente, por não provada, a impugnação da liquidação adicional de imposto especial sobre o consumo de tabaco (IT), no valor de € 4.607,69 acrescida de € 1,80 do impresso de liquidação, determinada ao abrigo do art. 106º nº 1, 2 e 7 do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação em vigor entre 21 de Julho de 2010 e 31 de Dezembro de 2013.

B. A Recorrente entende que a decisão em causa, salvo o devido respeito, padece de erro na interpretação e aplicação de normas constantes da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, da Diretiva 2011/64/UE, de 21 de junho e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (em particular as referentes à liberdade de circulação de mercadorias), propugnando uma interpretação do artigo 106º CIEC em clara violação de normas do Direito da União Europeia citadas.

C. A legislação Portuguesa em matéria de imposto sobre o tabaco impõe a operadores económicos como a Recorrente um duplo limite à comercialização de tabaco: o “período de condicionamento” previsto no artigo 106º do CIEC e a proibição de comercialização do tabaco (“proibição de comercialização”), constante da Portaria 1295/2007, de 1 de outubro e do disposto no artigo 110º do CIEC.

D. O sistema descrito no parágrafo precedente leva a que seja imposta, por via administrativa, uma autêntica planificação e programação da atividade económica do operador, ao impor limites máximos à quantidade de tabaco que pode ser introduzida no consumo num determinado período e um limite com um prazo artificial de validade para comercialização do produto no mercado (através da aposição de uma estampilha fiscal), transformando o que o direito comunitário representa como uma decisão livre dos operadores económicos num ato subordinado à programação financeira do Estado Português.

E. A Diretiva 2008/118/CE do Conselho, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo estabelece, entre outros objetivos, o de “garantir o estabelecimento e funcionamento do mercado interno”, motivo pelo qual dispõe que “importa manter harmonizadas as condições de exigibilidade dos impostos especiais de consumo” (cf. Considerando 2º do Preâmbulo da Diretiva).

F. É entendimento pacífico da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que dentro de um sistema harmonizado de impostos, os Estados-Membros não podem impor mais restrições do que aquelas permitidas pelas Diretivas.

G. À luz dos princípios constantes da Diretiva 2008/118/CE e da jurisprudência do TJUE, é evidente que a limitação imposta pelo artigo 106º do CIEC e as medidas tomadas ao abrigo do regime descrito nos parágrafos precedentes - das quais constitui um exemplo claro a decisão impugnada - são contrárias ao regime da Diretiva 2008/118/CE, por criarem condições de diferenciação entre o mercado dos produtos de tabaco manufaturado português e dos restantes países comunitários.

H. Ao impor quantidades máximas de introdução no consumo a legislação portuguesa viola o disposto nos artigos e da Diretiva 2008/118/CE na medida em que impede o agente de introduzir no consumo, quando entender, as quantidades que pretende vender, o que determina que o pagamento do imposto não seja feito quando o agente decide introduzir no consumo o produto, mas sim quando, por força das restrições quantitativas, o produto é efetivamente colocado no consumo ou ainda, quando exista ultrapassagem dos limites, lhe seja imposto o pagamento do adicional de imposto, como no caso dos presentes autos.

I. Nos termos do disposto no preâmbulo da Diretiva n.º 2011/64/UE do Conselho, relativa à estrutura e taxas dos impostos especiais sobre o consumo de tabacos manufaturados, os objetivos fundamentais deste diploma são Estabelecer uma União Económica em que “exista uma concorrência sã” e que “apresente características análogas às de um mercado interno”; que, no entanto, “no que se refere ao setor dos tabacos manufaturados, a realização deste objetivo pressupõe que a aplicação, nos Estados-membros, dos impostos que incidem sobre o consumo dos produtos deste setor não falseie as condições de concorrência e não crie obstáculos à livre circulação na União” (considerando 3º do Preâmbulo) e garantir que a concorrência das diferentes categorias de tabacos manufaturados pertencentes a um mesmo grupo não seja falseada em consequência da tributação e que, concomitantemente, se concretize a abertura dos mercados nacionais dos Estados-membros (considerando 9º do Preâmbulo).

J. O CIEC estabelece limites legais às introduções no consumo de produtos de tabaco manufaturado, apenas permitindo que, em situações justificadas, a Administração Tributária autorize os operadores económicos a ultrapassarem tais limites, o que não sucedeu no caso vertente (apesar do pedido efetuado nesse sentido). Se a isto se somar o limite temporal à venda dos produtos no mercado (“proibição de comercialização”) temos implementado em Portugal um sistema que cria artificialmente, quer a montante, quer a jusante, condicionalismos à liberdade de circulação de mercadorias, em violação do disposto no artigo 34º do TFUE (sendo o mesmo insuscetível de justificação ao abrigo do art. 36.º TFUE e/ou da jurisprudência comunitária que resulta da sua interpretação).

K. Os motivos invocados pela República Portuguesa para justificar as limitações legais criadas (combate ao comércio ilícito de tabaco e garantia de receita fiscal) não são aptos para fundamentar o entorse criado, o que implicaria sempre uma violação do princípio da proporcionalidade, como bem nota a Comissão Europeia na ação intentada em 12 de março de 2015 contra a República Portuguesa (Processo C-126/15).

L. O artigo 267.º TFUE cumpre a função necessária para a harmonização comunitária ao permitir (e em certos casos impor) que se leve ao TJUE questões relativas à interpretação dos atos de direito europeu. Tal reenvio deve sempre acontecer quando um tribunal nacional se vê confrontado com uma situação de interpretação de uma norma comunitária cuja resolução se torne necessária para o julgamento do caso sub judicio – como sucede no caso dos presentes autos, tal como resulta de toda a alegação precedente – devendo ainda ter natureza obrigatória sempre que o tribunal nacional seja a última instância de recurso ordinário.

M. Na medida em que nos presentes autos apenas estão em causa questões contraditórias relativas à aplicação do direito comunitário, o presente Tribunal deverá utilizar o mecanismo do reenvio prejudicial para que o TJUE possa clarificar se, como a aqui Recorrente defende, normas como as constantes do artigo 106º CIEC, números 1, 2 e 7 com a redação em vigor à data dos factos violam ou não o disposto nos artigos e , da Diretiva n.º 2008/118/CE do Conselho, nos Considerandos (3) e (9) da Diretiva n.º 2011/64/UE do Conselho, no art. 28º e 34º do TFUE e o princípio da proporcionalidade, o que desde já se requer com caráter obrigatório, uma vez que o TCAS é a última instância de recurso no presente caso.

N. As normas contidas no artigo 106º, n.º 1, 2 e 7 do CIEC são, pois, ilegais e inconstitucionais (inconstitucionalidade indireta), pois violam o disposto nos artigos e , da Diretiva n.º 2008/118/CE do Conselho, nos Considerandos (3) e (9) da Diretiva n.º 2011/64/UE do Conselho, nos arts. 28º e 34º do TFUE e nos artigos 8.º, n.º 2 a 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

O. Os Tribunais nacionais não poderão aplicar in casu o disposto no artigo 106º, n.ºs 1, 2 e 7 do CIEC, nem tão-pouco qualquer norma punitiva associada a estas normas, atendendo ao facto de lhes estar vedado - como dispõem os artigos 204.º da CRP e 1.º, n.º 2 do ETAF - a aplicação de normas direta ou indiretamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT