Acórdão nº 01757/09.9BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-04-13

Ano2023
Número Acordão01757/09.9BEBRG
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)

REC. Nº1757/09.9BEBRG

A sociedade A... Lda., doravante A..., e o Município de Guimarães, notificados por via electrónica de 06.03.2023 (fls. 460 e 461/sitaf) do acórdão desta Secção do Contencioso Administrativo de 02.03.2023 (fls. 457/sitaf) vêm ao abrigo do disposto nos artºs. 615º nº 4, 616º nºs 1 e 2 a), 666º nº 1 e 685º CPC, aplicáveis ex vi artº 1º CPTA, arguir nulidades e requerer a reforma em matéria de custas e de alteração da decisão da causa.

Para tanto a A... por requerimento a fls. 465/sitaf de 07.03.2023 invoca a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia em matéria de juros de mora vencidos desde a citação conforme peticionado e constante das conclusões de recurso de revista.

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Por seu turno o Município de Guimarães no seu requerimento a fls. 471/sitaf de 20.03.2023 conclui que o acórdão proferido incorre em nulidade por omissão de pronúncia (artº 615º nº 1 d) CPC) porque, e citando, “(..) não se pronunciou sobre o aludido segmento decisório do acórdão do TCAN que expressamente afastou o regime do enriquecimento sem causa... (..)”.

Subsidiáriamente, caso se entenda que ocorreu uma revogação implícita, conclui que o “(..) acórdão ora proferido omitiu os fundamentos de tal revogação, o que também acarreta o respectiva nulidade por falta de fundamentação (artº 615º nº 1 b) CPC) …(..).

Não se considerando as referidas nulidades (..) deverá haver a reforma do acórdão (artº 616º nº 2 a) CPC) porque …

a) a pretensão indemnizatória formulada na acção fundava-se no incumprimento contratual do réu Município …

b) assim é extemporânea a referência feita em sede de recurso ao enriquecimento do réu Município a custas da Autora …

c) nos termos do nº 8 da cláusula segunda do acordo de 2005 a não concretização da alteração do PDM … implicaria a negociação da aquisição do terreno usado na ampliação do cemitério …(..)

Se assim se não entender “(..) na cláusula 2ª nº 8 .. as partes acordaram que “Caso não se concretize a alteração do PDM … terá a Câmara Municipal de negociar a aquisição para esta Edilidade o terreno de ampliação do cemitério … pelo que ... eram estes os efeitos que o tribunal deveria ter considerado … (..) para ampliação do cemitério .. ocupou uma área de 435 m2 … sendo o preço por m2 .. no ano de 2000 de 51,58€ , pelo que o valor a restituir seria apenas de 22.437,30€ (..).

Deverá o acórdão ser reformado quanto a custas … no sentido de condenar o Réu no pagamento de não mais do que 1/6 das custas (..)”.

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Respondendo ao requerimento da A..., o Município sustenta que os juros de mora são devidos a contar do trânsito do acórdão, conforme artº 805º nº 3 C. Civil.

***

Entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

DO DIREITO


Dispõe o artº 615º nº 4 CPC, aplicável ex vi artº 1º CPTA, que nos casos em que não seja admissível recurso ordinário, as nulidades de sentença podem ser arguidas perante o tribunal que a proferiu, regime em que se inserem os presentes autos na medida em que o acórdão de revista ora reclamado e proferido ao abrigo do artº 150º CPTA não admite recurso ordinário.

Também no caso de inadmissibilidade de interposição de recurso ordinário da decisão a lei prevê a reforma de sentença junto do tribunal que a proferiu, tanto sobre custas e multa como por erro de julgamento por manifesto lapso fundado “em erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” ou com fundamento em “documentos ou outro meio de prova plena [constantes do processo] que, por si só, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”, conforme artº 616º nºs 1 e 2 a) b) CPC aplicável ex vi artº 1º CPTA.

Vejamos a reclamação deduzida pela A....

a. omissão de pronúncia - cedências – obrigação ilíquida - mora debitória;

A omissão de pronúncia (artº 615º/1/d) CPC) consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer por força do disposto no artº 608º nº 2 CPC, situação em que incorre o acórdão de 02.03.2023 desta Secção do Contencioso Administrativo, posto que, por efeito da decisão revogatória do acórdão do TCAN que julgou improcedente a decisão de 1ª Instância, em sede de revista dever-se-ia ter decidido sobre os juros de mora peticionados no articulado inicial, matéria com referência concretizadora expressa nos itens 41 e 52 das conclusões de revista, o que não se fez e constitui causa de nulidade, ora arguida e a que cumpre atender.

Pelas razões de direito expostas a fls. 44-47 do acórdão reclamado sob as epígrafes g. cedência de terrenos para o domínio municipal – enriquecimento sem causa – impossibilidade de restituição em espécieeh. indemnização - medida do locupletamento, não sendo possível a restituição em espécie das parcelas de terreno objecto das cedências efectivadas em favor do domínio público municipal pela A... na cláusula “Primeira” do contrato para planeamento de 05.09.2005, restituição devida com fundamento no enriquecimento sem causa em razão da extinção dos efeitos contratuais (condições suspensiva e resolutiva implícita), deve o Município proceder à entrega do correspondente valor das parcelas cedidas (artº 479º nº 1 CC).

Valor que, como se fundamenta no acórdão, é calculado por referência ao momento em que a Câmara Municipal de Guimarães tomou conhecimento (enriquecimento actual) da falta de causa do enriquecimento obtido (artº 480º al. b) ex vi 479º nº 2 CC) que, no caso, é dado pela data da entrada em vigor em 22.06.2015 do PDM revisto que não concretizou a alteração da qualificação dos solos de rural para urbano com faculdades construtivas, como contratualizado pelas partes, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 119 de 22.06.2015 pelo aviso nº 6936/2015 do Município de Guimarães.

Da fundamentação do acórdão deriva o conhecimento preciso levado ao probatório quanto às parcelas cedidas nos termos da cláusula “Primeira” do contrato de 05.09.2005, sendo, pois, certa a existência da obrigação de restituir; todavia, a impossibilidade de restituição em espécie e consequente substituição pelo valor correspondente aos terrenos cedidos torna a obrigação ilíquida por não se mostrar apurado o quantum indemnizatório imposto ao devedor. ( Mário Almeida Costa, Direito das obrigações, Coimbra Editora/1984, pág. 739.)

Apuramento obtido por prova pericial constituída no decurso do processo quanto ao valor de m2 das áreas de cedência, valores levados ao probatório nos itens 39 a 42 (21,59 €), 44-45 (51,58 €), 47 a 49 (81,12 €) e 51 a 53 (146,346 €), de que resultou o valor global a indemnizar de € 555.809,15.

Consequentemente, não se verifica, pois, a mora debitória por interpelação judicial nos termos determinados pelo artº 805º nºs 1 e 2 CC dado que, conforme fundamentação constante a fls. 39-42 do acórdão sob a epígrafe “e. antecipação da discricionariedade dos poderes de planeamento – obrigação de meios”, a obrigação indemnizatória não provém de facto ilícito do devedor nem lhe é imputável, sendo a situação do caso concreto enquadrável no regime do artº 805º nº 3, 1ª parte, CC na redacção do DL 262/83, 16.06.

Em função de terem sido peticionados e como já referido supra foi omitido e ora é objecto de reforma, assiste razão à Reclamante, quanto a serem devidos juros moratórios à taxa legal de 4% sobre o capital de 555.809,15 € (artº 806º nº 2, 1ª parte CC e Portaria 291/2003, 08.04, ex vi artº 559º nº 1 CC na redacção do DL 200-C/80, 24.06).

Tais juros de mora vencem-se a partir da notificação via electrónica em 06.03.2023 (fls. 460 e 461/sitaf) do acórdão deste STA de 02.03.2023 que determinou a indemnização, até efectivo pagamento, nos termos do artº 806º nºs. 1 e 2, 1ª parte CC e acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) do STJ nº 4/2002 de 09.05, publicado no DR, I Série-A, nº 146 de 27.06.2002, aqui aplicável analogicamente, de contagem dos juros de mora legais a partir da notificação da decisão actualizadora que determina o pagamento da indemnização.

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Cabe passar à reclamação por reforma deduzida pelo Município de Guimarães.

b. omissão de pronúncia – falta de fundamentação;

Em primeiro lugar sustenta o Município de Guimarães que o acórdão se mostra incurso em omissão de pronúncia (artº 615º nº 1 d) CPC) porque “… não se pronunciou sobre o aludido segmento decisório do acórdão do TCAN que expressamente afastou o regime do enriquecimento sem causa. Revogou-o ? Com que fundamento ? …”.

Subsidiariamente, refere o Município que “… se se entender que ocorreu uma revogação implícita do referido segmento decisório do acórdão do TCAN, há que concluir que o acórdão ora proferido omitiu os fundamentos de tal revogação o que também acarreta a respectiva nulidade por falta de fundamentação …”, (artº 615º nº 1 b) CPC).

O afirmado pelo Município de Guimarães supra transcrito em nada corresponde à realidade evidenciada pelo próprio texto do acórdão sob reclamação, constituindo uma forma de equívoco como outra qualquer.

Do sumário do acórdão em causa, ambos publicados in http://www.dgsi.pt/, consta como segue:

CONTRATO PARA PLANEAMENTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
I. O contrato para planeamento configura uma relação jurídica consensualizada sobre a definição futura do uso dos solos em áreas concretas do território municipal, o que significa que o compromisso assumido pela entidade pública sob a forma de obrigação de meios de “envidar todos os esforços” a que o futuro plano incorpore uma solução favorável às pretensões urbanísticas do sujeito privado, envolve uma antecipação da discricionariedade dos poderes de planeamento, relativa ao...

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