Acórdão nº 01670/22.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 10-02-2023

Data de Julgamento10 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão01670/22.4BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:

I. RELATÓRIO
1.1. Os Autores, MUNICÍPIO 1 ..., com sede no Largo ..., ..., ...; - MUNICÍPIO 2 ..., com sede na Praça ..., ...; MUNICÍPIO 3 ..., com sede na Praça ..., ..., ...; MUNICÍPIO 4 ..., com sede na Praça ..., ..., ...; MUNICÍPIO 5 ..., com sede no Largo ..., ..., ..., vêm, previamente à propositura de ação administrativa de impugnação de ato administrativo e no exercício do direito de ação popular requerer a presente providência cautelar para suspensão da eficácia do ato administrativo consubstanciado na decisão de 01/07/2022 relativa à emissão da “Declaração de Impacte Ambiental favorável e o Título Único Ambiental “ para o projeto de construção da linha de alta tensão denominada Linha Dupla ...-..., Troço Português, a 400Kv, contra: AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE I.P., com sede na Rua da Murgueira, n.º 9, Zambujal, Alfragide, 2610-124, Amadora e MINISTÉRIO DO AMBIENTE E AÇÃO CLIMÁTICA, com sede na Rua de “o Século”, n.º 51, 1220-433 Lisboa.
Para tanto, alegam, em síntese, que intervêm nos presentes autos no uso da competência que lhe é própria para salvaguarda dos interesses difusos do património, saúde, ambiente, qualidade de vida e desenvolvimento das populações dos respetivos concelhos, que serão afetadas pela implantação da linha de transporte de eletricidade em alta tensão.
Referem que, em dezembro de 2017 a REN submeteu à entidade demandada A.P.A.,IP., proposta de estudo de impacte ambiental de linha de transporte de eletricidade denominada Linha Dupla ... - ..., troço português a 400KV, que se desenvolve entre a Subestação de ... e o ponto de travessia da fronteira com Espanha, para ligação à rede elétrica espanhola, na povoação de ..., concelho ..., atravessando os concelhos ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
Nessa sequência, foi desencadeado o procedimento de avaliação de impacto ambiental que culminou com a emissão, por parte da entidade demandada A.P.A, I.P., de Declaração de Impacto Ambiental (DIA) e emissão do Título Único Ambiental (TUA), em abril de 2022 não obstante, em sede de consulta pública, a quase totalidade dos concelhos afetados pela passagem da linha de transporte de eletricidade ter-se oposto à execução da mesma pela seguinte ordem de razões: i)riscos para a saúde pública pela exposição permanente a radiações eletromagnéticas e ao ruído; ii)impacte na ecologia, particularmente na afetação do habitat do lobo ibérico e das aves que nidificam em zonas protegidas, na área protegida da rede Natura do Sítio do Rio Lima, do Sítio de Importância Comunitária Rio Minho, da zona protegida do Corno do Bico e da Rede Natura 2000;iii)impactes no património histórico, arqueológico e paisagístico; iv) impactes na economia local, particularmente na produção de vinho e no turismo; v)impactes na captação e águas.
Entendem que estão reunidos os pressupostos do artigo 120.º do CPTA para o decretamento da providência cautelar requerida.
Verifica-se o requisito do fumus bonis iuris, porquanto a DIA é um verdadeiro ato administrativo, praticado no âmbito de um processo de decisão faseado, que produz efeitos externos lesivos, constituindo, quanto às questões que aprecia, decisão prévia e final suscetível de impugnação nos termos do artigo 268.º, n.º 4 da CRP e 51.º do CPTA.
A seu ver, a DIA em questão padece de ilegalidade por violação de vários princípios e normas de direito, a saber: i)as normas dos artigos 64.º e 66.º da CRP que consagram o direito fundamental à saúde, ao ambiente e à qualidade de vida; ii) os princípios da legalidade, da prevenção e da precaução pois o planeamento da linha não foi objeto do plano setorial a que alude o n.º 6 do artigo 3.º da Lei 30/2010 de 2 de setembro nem teve em conta a preservação do habitat do lobo ibérico; iii)o princípio da proporcionalidade, enquanto parâmetro de controlo da decisão sobre o risco do projeto, pois a decisão não identifica, não descreve nem avalia os impactes ambientais nos 16 troços opcionais para a passagem da linha o que não permite aferir se o troço escolhido pela decisão é, de facto, o menos lesivo para os interesse envolvidos e se as vantagens que emergem do projeto são, de facto, superiores aos sacrifícios que impõe; iv) a norma do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, na medida em que converteu o procedimento de avaliação de impacte ambiental numa mera formalidade não identificando, descrevendo ou avaliando os concretos impactes ambientais negativos de cada um dos 16 troços opcionais, de acordo com as características físicas, ambientais, e sociais da área, atendo-se a uma solução pré-selecionada e limitando-se a proferir conclusão genérica no sentido de ser esta a alternativa menos desfavorável sem que a entidade requerida tenha, efetivamente, procedido à ponderação e valoração de todas as opções relativamente à alternativa escolhida. Acrescentam que a DIA sequer analisou os concretos impactes ambientais da opção escolhida limitando-se a proferir conclusão genérica sobre a previsibilidade de impactes negativos neste tipo de implantação e sem ponderar em concreto a existência de soluções menos gravosas para os interesses envolvidos designadamente através da instalação de rede no subsolo nas áreas mais sensíveis; v) vícios de forma, designadamente falta de audiência prévia dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afetados pelo traçado do projeto nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei 83/95, de 31 de agosto, bem ainda de falta de fundamentação em violação do n.º 3 do artigo 268.º da constituição e dos artigos 152.º e seguintes do CPA limitando-se, o ato administrativo, a formular a conclusão que um traçado é melhor do que os outros sem oferecer as razões de tal conclusão.
Quanto ao requisito do periculum in mora asseveram que no caso de a tutela cautelar não ser assegurada, o projeto de execução da linha de alta tensão prosseguirá e conduzirá à implantação da referida linha ao longo do troço escolhido causando todos os impactes ambientais negativos reconhecidos pela própria DIA, designadamente a afetação do habitat do lobo ibérico, ameaça à sobrevivência das aves que nidificam nas zonas protegidas da rede Natura, afetação da paisagem, património histórico e arqueológico, do turismo e da produção de vinhos, exposição da população das áreas abrangidas pelo troço percorrido pela linha de transporte às radiações magnéticas e ao ruído, tudo efeitos que estarão já consumados na eventualidade de a ação principal vir a ser julgada procedente e que são de impossíveis de reparar in natura tendo em conta a consolidação da situação pelo decurso do tempo.
No que concerne ao requisito da ponderação dos interesses envolvidos aduzem que o interesse do desenvolvimento económico subjacente à implantação de uma linha de alta tensão não se poderá sobrepor aos interesses da saúde, da ecologia, do ambiente e do património devendo, o direito à saúde e ao ambiente, funcionar, neste caso, como um travão ao progresso social, especialmente tendo em conta que não está provada a essencialidade da referida linha de alta tensão nem a necessidade da sua implantação na área concreta projetada.
Concluem, pedindo a suspensão da eficácia da DIA com as legais consequências e a intimação do segundo requerido, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, para se abster, por qualquer forma, de licenciar ou autorizar o projeto de execução da linha dupla ... – ..., Troço Português, a 400KV.
1.2. Em 04/10/2022, proferiu-se despacho liminar com o seguinte teor:

« Não havendo motivos para rejeição liminar, nos termos do 116.º 2 do CPTA, admito o requerimento de providência cautelar.
Cite as entidade requeridas para, querendo, deduzirem oposição no prazo de 10 (dez) dias, sob cominação de se presumirem verdadeiros os factos invocados pelos requerentes e ainda com a advertência de que não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução do ato nos termos dos artigo 117.º n.º 1, 118.º n.º 2 e 128.º n.º 1 , todos do CPTA.
Notifique.»
1.3.Citada, a entidade demandada, A.P.A, I.P, apresentou oposição defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção, invocou a sua ilegitimidade passiva por falta de indicação de contrainteressados, designadamente da Rede Elétrica Nacional – REN, que considera ter interesse contraposto ao dos requerentes, na qualidade de proponente do projeto subjacente à emissão da DIA.
No mais, contrariou os factos alegados pelos Requerentes.
Concluiu, pedindo a procedência da exceção e, subsidiariamente, o não decretamento da providência cautelar.
1.4. Citada, a entidade requerida MINISTÉRIO DO AMBIENTE E DA AÇÃO CLIMÁTICA apresentou oposição defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção invocou a sua ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, por falta de indicação da contrainteressada Rede Elétrica Nacional – REN, entendendo que esta tem interesse contraposto aos dos requerentes na qualidade de proponente do projeto subjacente à emissão da DIA. Suscitou ainda a sua ilegitimidade passiva, relativamente ao primeiro pedido dos requerentes, alegando para o efeito que o mesmo não foi emitido por si, nem por qualquer dos seus órgãos, mas antes pela APA, IP, instituto público pertencente à administração indireta do Estado.
Quanto ao segundo pedido dos requerentes, invocou a exceção da falta de interesse em agir, alegando, para tanto, que o procedimento de avaliação de impacte ambiental ainda se encontra em fase de estudo prévio, não tendo sido, sequer, elaborado o projeto de execução para submissão a licenciamento, sendo este pedido inútil caso o primeiro venha a proceder.
Na defesa por impugnação, contrariou os factos invocados pelas Requerentes.
Conclui, pugnando pela procedência das exceções invocadas, com a...

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