Acórdão nº 0163/23.7BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2024-02-21

Ano2024
Número Acordão0163/23.7BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


Z…, S.A., Requerente na arbitragem tributária à margem identificada (adiante, abreviadamente designada por “Recorrente”), matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Setúbal sob o número único de matrícula e identificação fiscal …, com sede em …, Apartado…55, …, Sado, Setúbal, com capital social de € 500.000.000 (quinhentos milhões de euros), TENDO SIDO NOTIFICADA, em 21 de Agosto de 2023, da decisão arbitral proferida em 18 de Agosto de 2023, no processo n.º 756/2022-T (Decisão Arbitral Recorrida), que se encontra em contradição sobre mesma questão fundamental de direito com a Decisão arbitral, já transitada em julgado, emitida no processo n.º 7/2022-T (Decisão Arbitral Fundamento), vem, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, maxime o n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), apresentar RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, o que faz nos termos e com os fundamentos elencados nas alegações que, para o efeito, junta, e requerendo, desde já, que V. Exas. admitam o presente recurso, por estar em tempo e ter a Recorrente legitimidade, com as devidas consequências legais.

Alegou, tendo concluído:
§ 1. A Decisão Arbitral Recorrida pronunciou-se sobre o mérito da pretensão deduzida pela Recorrente no seu PPA, considerando-a improcedente, e pôs termo ao processo arbitral.
§ 2. A Decisão Arbitral Recorrida encontra-se em contradição sobre mesma questão fundamental de direito, e de facto, com a douta Decisão Arbitral Fundamento emitida no processo n.º 7/2022-T, sendo o presente recurso admissível, e encontrando-se em prazo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT.
§ 3. Verificam-se os pressupostos de admissibilidade do recurso; a saber: (i) o mesmo fundamento de direito, (ii) a não alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável ao caso, e (iii) a adopção solução oposta nos dois arestos arbitrais.
§ 4. Com efeito, a Decisão Arbitral Recorrida e a Decisão Arbitral Fundamento consagraram soluções jurídicas opostas relativamente à mesma questão fundamental de direito, num quadro de identidade substancial quer quanto a aspetos factuais, quer quanto às disposições legais aplicáveis.
§ 5. Em ambos os processos arbitrais relevantes as liquidações de IRC contestadas concretizaram correcção ao CIDTJI declarado pelo Grupo Z… e à sua dedução ou aproveitamento no Grupo, crédito respeitante à actividade da Recorrente a título individual nos EUA, sendo díspar tão-somente o exercício em causa.
§ 6. A identidade da questão fundamental de direito em discussão é evidente e absoluta, decorrendo do facto de ambas as decisões se terem pronunciado sobre o modo de cálculo da dedução à colecta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a) do Código do IRC e da norma vertente do artigo 25.º, n.º 3, alínea a), da CDT PT-EUA e sobre a aplicação do limite constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 91.º do Código do IRC.
§ 7. Na Decisão Arbitral Fundamento, julgou o Tribunal Arbitral que “A dedução à coleta de IRC por dupla tributação internacional, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea a), do Código do IRC, que tenha por base o imposto pago nos Estados Unidos da América por entidade residente em território nacional, incide sobre os rendimentos brutos que sejam qualificados como royalties, nos termos dos artigos 13.º, n.º 2, e 25.º, n.º 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América, disposições que prevalecem sobre a norma do artigo 91.º, n.º 1, daquele Código.”
§ 8. Já na Decisão Arbitral Recorrida foi entendido que “A aplicação a royalties do disposto nos artigos 13.º, n.º 2, e 25.°, n.° 3, alínea a), da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e Estados Unidos da América está sujeita à aplicação do disposto na norma do artigo 91.º, n.º 1, do Código do IRC.”
§ 9. Por isso, na Decisão Arbitral Fundamento foi decidido anular a liquidação adicional de IRC de 2016 contestada pela Recorrente e na Decisão Arbitral Recorrida foi decidido manter a liquidação adicional de IRC de 2017.
§ 10. O quadro legal relevante é exactamente o mesmo e não sofreu qualquer alteração.
§ 11. As decisões em causa são expressas e a solução oposta evidente.
§ 12. Acresce que, não existe jurisprudência recentemente consolidada do STA sobre a questão de direito aplicável à factualidade provada no processo n.º 756/2022-T, o que, aliás, se torna evidente pela decisão deste douto Tribunal sobre a inexistência de oposição entre a Decisão Arbitral Fundamento e a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal (cf. acórdão emitido no processo n.º 142/22.1BALSB em 24 de Maio de 2023).
§ 13. Após o acórdão proferido no processo n.º 142/22.1BALSBA deste Supremo Tribunal que se recusou a conhecer o recurso, para uniformização de jurisprudência, submetido pela Administração Tributária, a Decisão Arbitral Fundamento, proferida no processo n.º 7/2022-T, transitou em julgado, por não ter sido utilizado qualquer outro meio de reacção, o que ocorreu com o trânsito do acórdão deste Supremo Tribunal em 9 de Junho de 2023 (cf. certidão do CAAD emitida quanto ao aludido processo arbitral que acompanha estas alegações).
§ 14. A Recorrente não tem dúvidas de que a Decisão Arbitral Fundamento foi a que adoptou a posição legalmente mais acertada, em rigor, a única posição legalmente possível no que concerne à relevante questão.
§ 15. A Decisão Arbitral Recorrida funda-se essencial e repetidamente nos comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE que são, a miúde, citados no voto vencido emitido no processo n.º 7/2022-T, que o Tribunal Arbitral no processo n.º 756/2022-T cita, faz seu e usa como único fundamento da posição adoptada.
§ 16. Tais comentários são invocados não obstante não se ignorar que a CDT Portugal-EUA não se limita a seguir a Convenção Modelo da OCDE, afastando-se, ao invés, do que por esta é afirmado.
§ 17. O que, nos termos da Decisão Arbitral Recorrida, não seria suficiente para a desconsideração daqueles comentários, essencialmente por a norma do artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA ser semelhante àquela da Convenção Modelo da OCDE.
§ 18. Simplesmente, como subjaz à Decisão Arbitral Fundamento, o artigo 25.º, n.º 3, alínea a) da CDT Portugal-EUA não pode ser interpretado isoladamente, sendo forçoso ter em conta o disposto quanto ao tipo de rendimento em causa e a repartição da tributação prevista.
§ 19. Com efeito, a natureza dos rendimentos em causa e o seu tratamento na CDT Portugal-EUA são ponderados e considerados factor relevante na tomada de decisão no processo n.º 7/2022-T.
§ 20. O que este mesmo Supremo Tribunal entendeu, conforme aflorado acima, ser pertinente e fazer distinguir esta das demais questões já por este tratadas (cf. acórdão emitido no processo n.º 142/22.1BALSB, em 24 de Maio de 2023).
§ 21. Neste ponto, aliás, a posição adoptada por este Supremo Tribunal no processo n.º 142/22.1BALSB, põe imediatamente em causa o argumento constante da Decisão Arbitral Recorrida segundo o qual o Supremo Tribunal Administrativo teria já emitido decisões, em situações substancialmente idênticas, em sentido oposto àquele adoptado na Decisão Arbitral Fundamento.
§ 22. Se a norma vertente do artigo 13.º da CDT Portugal-EUA se afasta diametralmente da Convenção Modelo da OCDE, permitindo a tributação por ambos os estados, então os comentários constantes daquela Convenção Modelo não se podem ter como aplicáveis e, muito menos, determinantes na determinação do conteúdo e sentido do tratamento dos royalties na CDT Portugal-EUA.
§ 23. Note-se ainda que, no que tange aos comentários aos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, como escreve o Professor ALBERTO XAVIER não existem dúvidas de que os Comentários são uma “séria «referência interpretativa»”.
§ 24. Porém, tal importância não é suficiente para que se possa considerar a existência de efeitos vinculativos.
§ 25. Não estamos perante um qualquer cherry picking de quais os comentários que devem ou não ser considerados, estamos, ao invés, face à natural ponderação do caso concreto na análise da pertinência daqueles comentários.
§ 26. Comentários que não podem, em qualquer circunstância, ser tidos como vinculativos e que devem mesmo ser totalmente afastados tendo em conta os factos do caso em apreço.
§ 27. Avancemos: não existem quaisquer dúvidas, tal não está em causa, nem é contestado na Decisão Arbitral Recorrida que, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
§ 28. Deste modo, os preceitos das CDTs prevalecem sobre todas as normas de direito interno infraconstitucional português — como é o caso das constantes do Código do IRC.
§ 29. Neste contexto, assente que está a aplicação, in casu, da CDT Portugal-EUA — e não do Código do IRC —, importaria verificar, como fez o Tribunal Arbitral no processo n.º 7/2022-T, qual o método de cálculo do crédito de imposto por dupla tributação internacional estabelecido pela mesma.
§ 30. No que respeita à qualificação dos rendimentos em causa e atinentes ao contrato de locação de equipamentos celebrado com a … os mesmos devem qualificar-se como royalties, o que é tido por assente na Decisão Arbitral Recorrida e na Decisão Arbitral Fundamento.
§ 31. Para uma correcta interpretação do artigo 25.º da CDT Portugal-EUA, que estabelece as regras sobre a eliminação da dupla...

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