Acórdão nº 01543/11.6BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-02-10

Ano2022
Número Acordão01543/11.6BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – RELATÓRIO

1. O “Centro Hospitalar do Porto, EPE” interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) em 15/5/2020 (cfr. fls. 1351 e segs. SITAF), que negou provimento ao recurso de apelação que o mesmo interpusera da sentença (saneador-sentença) do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF/Porto), de 18/9/2017 (cfr. fls. 1236 e segs. SITAF), a qual julgara parcialmente procedente a ação administrativa contra si proposta por A……….. e outros 73 Autores.

2. Efetivamente, os 74 Autores, assistentes operacionais da Entidade Ré, integrando a carreira de ação médica, com a categoria de auxiliar de ação médica, candidataram-se, e foram admitidos, a um concurso aberto em Outubro de 2008 para o preenchimento de 89 lugares da categoria imediata (auxiliar de ação médica principal), a que concorreram 337 candidatos (tendo sido admitidos 334). O júri do concurso dispensou, por urgência, nos termos do então art. 103º nº 1 a) do CPA, a audiência prévia — pois a Lei nº 12-A/2008, de 27/2, viera determinar a caducidade de todos os concursos de pessoal que, iniciados após 1/3/2008, não se concluíssem até ao fim do ano. Em 31/12/2008, o Conselho de Administração do Réu homologou a lista de classificação final do concurso — onde os Autores obtiveram posicionamentos que lhes permitiam a promoção. Mas, na sequência de impugnações administrativas, decidiu-se que o concurso padecia do vício formal de preterição daquela audiência prévia, o qual já não era sanável porque o concurso entretanto caducara “ex vi legis”.

Vendo assim goradas as suas promoções, os autores acionaram o Réu Centro Hospitalar pedindo a condenação deste a pagar-lhes, “vitaliciamente”, as diferenças remuneratórias entre os vencimentos da categoria em que permaneceram e os da categoria a que ascenderiam se tivessem sido promovidos.

3. O TAF/Porto denegou esse pedido dos Autores, mas condenou o Réu a indemnizar cada um dos 74 Autores em 3.000,00€ pela perda de “chance”, pois entendeu que aquele vício de forma consubstanciava a ilicitude causal da caducidade do concurso e da consequente impossibilidade de promoção dos Autores.

4. O Réu, inconformado, apelou, alegando que o TAF/Porto decidira fora da “causa petendi” e que a falta de audiência prévia não constituíra uma omissão ilícita — para efeitos indemnizatórios — ou não fora, pelo menos, causa adequada da perda de “chance”, já que o cumprimento da formalidade tornaria sempre impossível findar o concurso antes de 31/12/2008.

5. O TCAN negou provimento à apelação.

Por um lado, disse que a condenação fundada na perda de “chance” não integrava qualquer nulidade nem afrontava o “princípio” inserto no art. 260° do CPC, pois simplesmente correspondia a um “minus” relativamente ao pedido inicial formulado. E este entendimento não vem, agora, questionado na presente revista.

Por outro lado, o aresto recorrido reafirmou o nexo causal entre a preterição da audiência prévia e a insubsistência do concurso. E, porque os “quanta” indemnizatórios não foram atacados pelo apelante, o TCAN confirmou integralmente a decisão da 1ª instância.

6. Mantendo-se inconformado com este julgamento do TCAN, veio o Réu “CHP” interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, tendo terminado as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1402 e segs. SITAF):

«Dirigidas à admissibilidade da revista, em apreciação preliminar sumária:

1.ª A questão em apreço, acima melhor especificada, apresenta, pela sua projeção jurídica, no quadro do regime de responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública, a importância de estabelecer em que condições opera a constituição do pressuposto ‘ilicitude’ para que se julgue consubstanciada a responsabilidade, quando está em causa a inobservância de uma formalidade procedimental, adjetiva, ainda que com a importância do dever de «audiência prévia» no âmbito de um procedimento de recrutamento de pessoal;

2.ª Em confronto com as situações em que a ilicitude emana da violação de normas substantivas onde se tutela um interesse material direto dos interessados;

3.ª E associada, a questão de saber em que condições opera a quantificação e reparabilidade do dano sofrido pelos interessados sendo o vício procedimental verificado no ato administrativo de homologação da lista de classificação final, suscetível de aproveitamento, e ainda passível de sanação procedimental posterior,

4ª. Bem como, no plano da causalidade, saber se é idónea a causar dano quando ocorre em concausalidade real de uma outra concausa a qual seria fonte última e certa de danos a terceiros;

5.ª Mostra-se assim necessária, em ordem a uma mais profícua, completa e aprofundada aplicação do Direito, para se estabelecer se ao pressuposto da ilicitude na responsabilidade civil extracontratual da administração;

6.ª Com efeito, só a prolação de um Acórdão do STA poderá conferir ao direito a estabelecer a profundidade, proficuidade e vinculação doutrinária que se ajuste à importância que a matéria apresenta atualmente e projeta para o futuro.

7.ª Tudo subsumível àquela norma que exige à admissibilidade do recurso de revista que «seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito» estando- se perante matérias dotadas de virtual expansão doutrinária;

Conclusões do recurso de revista:

1.ª O fundamento da responsabilidade civil extracontratual da Administração traduzido no cometimento de um vício de forma, ainda que inerente à não observância do dever de audiência prévia, constitui um pressuposto de ilicitude que apresenta uma particular modelação da responsabilidade civil;

2.ª Com efeito, o vício consistente na preterição da audiência prévia em causa nos autos é, por um lado, um vício de procedimento sanável e, por outro lado, um vício coberto pelo princípio normativo - após a reforma do CPA de 2014, como norma jurídica - consistente no aproveitamento do ato administrativo;

3.ª E, como nos mostra CA FERNANDES CADILHA «Fora do conceito de ilicitude ficam as ilegalidades sanáveis e, designadamente, a preterição ou inobservância de trâmites procedimentais que se degradam em formalidades não essenciais e, bem assim, todas as ilegalidades não invalidantes, como é o caso dos vícios que não implicam a anulação contenciosa por efeito da aplicação, pelo Tribunal, do princípio do aproveitamento do acto administrativo»;

4.ª E ainda «Em qualquer caso, a natureza (substantiva ou procedimental) da posição jurídica subjectiva do particular ... se estiver em causa uma ilegalidade decorrente de um vício de forma ou de procedimento que tenha afectado o interesse legítimo do interveniente no processo ou do destinatário do acto nele proferido, o dano indemnizável, encontrando-se necessariamente delimitado pela relação de causa efeito, apenas poderá consistir em efeitos negativos colaterais que não se encontrem cobertos pela possibilidade de renovação do acto ilegalmente praticado». (Idem).

5.ª O douto acórdão sob revista desconsiderou que o vício de forma consistente na preterição do dever de audiência prévia dos candidatos, sendo um vício sanável, não pode constituir, por si só, intrinsecamente, a ilicitude de que carece demonstrar-se para que possamos estar perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual da Administração, nos termos do regime constante da Lei n° 67/2007, de 31-12, por se tratar, precisamente, de um vício procedimental sanável no contexto do procedimento em que ocorra, sem definitividade procedimental, portanto;

6.ª É um facto que não fora a existência de norma jurídica determinando a caducidade dos procedimentos não concluídos até ao final do ano de 2008 (norma essa imperativa, oponível ao empregador público promotor do procedimento mas também aos candidatos ao procedimento) e i) o ato seria repetido sem vício gerador da anulabilidade administrativa (como parecer ser seguro concluir-se);

7.ª Uma ilegalidade procedimental consistente na preterição do dever de audiência prévia, de sua natureza intrínseca, i) por estar abrangida pela viabilidade de aproveitamento do ato administrativo e ii) por ser sanável sem prejuízo dos interessados, administrativa e contenciosamente, não constitui só por si um ilícito apto a erigir-se em pressuposto de ilicitude para efeitos de responsabilidade civil extracontratual da Administração.

8.ª E, como sucede no caso em apreço, se apenas o for em associação com outro facto, normativo, importa retirar daí os consequentes efeitos, desconsiderados pelo Acórdão sob revista;

9.ª Com efeito, o Acórdão sob revista desconsidera que o procedimento não pôde ser retomado a partir dessa fase da anulação administrativa por efeito do disposto no artigo 110° n° 3 da Lei n° 12°-A/2008 e não por qualquer causa imputável à Administração;

10.ª A causa constituída pela preterição do dever de audiência prévia, enquanto causa do invocado dano, para além apresentar as características de uma ilegalidade/ilicitude sanável, passível de aproveitamento, não podia autónoma e adequadamente, só por si, em condições normais de idoneidade de sua natureza, conduzir a qualquer dano abstrato; o que apenas sucedeu por efeito daquela causa real e efetiva decorrente da imposição da norma excecional da LVCR;

11.ª Pelo que «É expresso frequentemente, por uma linha jurisprudência! do STA que “as ilegalidades inerentes aos vícios formais, permitindo a emissão de um novo acto administrativo de sentido decisório idêntico mas agora expurgado das referidas ilegalidades” não constituem “índice seguro de violação de um interesse ou direito de natureza substantiva do administrado, justificativa da sua ressarcibilidade» (op cit)

12.ª Ao ter decidido como o fez, não obstante o seu...

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