Acórdão nº 0143/23.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24-01-2024

Data de Julgamento24 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão0143/23.2BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações

I. Missionários ..., Corporação Missionária, inconformado com a decisão arbitral proferida no processo nº 374/2022-T, datada de 27 de junho de 2023 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela ora recorrente visando a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) respeitante ao ano de 2021, constante das notas de cobrança n.ºs ...03 e ...05, no valor de € 33.837,22, vem dela interpor recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Supremo Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do nº 2, do artigo 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) por considerar que a referida decisão arbitral colide com a decisão arbitral proferida em 02/01/2021, pelo mesmo CAAD, no âmbito do processo 384 /2020-T.

II. O recorrente, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 22 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
a) A Recorrente é, nos termos dos artigos terceiro e quarto da Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, uma pessoa jurídica religiosa, moral e canonicamente erecta, devidamente registada em Portugal, tal como consta da Certidão de cinco de maio de 2005 passada pelo Governo Civil de Lisboa.
b) Nos termos dos respectivos estatutos a Recorrente é uma Congregação Missionária que se dedica à missionação da fé católica e a ajuda aos mais carenciados, possuindo em Portugal os bens móveis e imóveis necessários à prossecução dos seus fins religiosos e caritativos.
c) As actividades prosseguidas pela Recorrente, enquadram-se, claramente, nas alíneas a), c) e f) do n.º 1 do art.º 1º do Dec. Lei 119/83, de 25/2, alterado pelo Dec Lei n.º 172-A/2014 de 14/11, pelo que, apesar de não ter, formalmente, o estatuto de IPSS, prossegue materialmente os fins destas entidades, encontrando-se o prédio objecto do presente litigio afecto directamente à realização dos seus fins de assistência e solidariedade.
d) Este mesmo entendimento foi sancionado por sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, através do despacho n.º 283/2005, de 9/3, exarado na sequência do relatório elaborado pelo grupo de trabalho constituído por despacho do Sr. Ministro das Finanças e da Administração Pública, com vista à análise “das
e) implicações tributárias decorrentes da aplicação da nova Concordata e do restante quadro jurídico tributário aplicável à Conferência Episcopal Portuguesa, às Dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como às demais pessoas jurídicas canonicamente erectas”, no seu ponto 3.9, segundo o qual “podem as pessoas jurídicas canónicas que preencham a hipótese normativa 12º e 26º n.º 5 da Concordata de 2004, independentemente de não possuírem outro estatuto jurídico, requerer (se elas não forem automáticas) as isenções que o direito interno estatui para (…) as pessoas colectivas de pera
f) utilidade pública (…) e para as IPSS e entidades anexas.” E ainda pela circular 10/2005 de 2/11.
g) Sendo equiparada a IPSS e sendo a recorrente, como conforma a decisão fundamento, por força da lei uma Instituição Particular de Utilidade Pública a isenção de IMI sobre os bens afectos imediata ou mediatamente à prossecução dos seus fins é automática.
h) Isenção que de resto vigorou até 2015, não tendo a recorrente de resto sido notificada de acto administrativo definitivo e impugnável que fundamentasse a cessação dessa isenção.
i) A questão de Direito a que, no entender da Recorrente, importa aqui dar resposta é a de saber qual o sentido e o alcance da expressão “afecto directamente à realização dos seus fins”
j) Se deve prevalecer o entendimento postulado na decisão fundamento, de que os fins prosseguidos são os fins da instituição, ou são os fins da utilização do imóvel, como sustenta a decisão recorrida.
k) anterior proferida pelo mesmo CAAD no processo 384/2020-T Designadamente:



l) Considerando que as únicas actividades que a requerente pode licitamente prosseguir são as de natureza religiosa e as de natureza social atenta a sua natureza canónica, pelo que tal facto decorrendo da lei não carece de outra prova que não seja a da natureza canónica da instituição.
m) Pugnando a Recorrente pelo entendimento de que são os fins imediatos decorrentes da utilização de um imóvel que determinam a isenção de IMI mas antes a sua afectação aos fins da instituição como reconhece a decisão fundamento.
n) Enferma por isso, no entender da recorrente e com o devido respeito, que a decisão proferida no processo 374/2022-T de erro na aplicação do Direito, quanto ao carácter automático da isenção de IMI, como decorrência do seu estatuto e do carácter vinculativo para a administração tributária do artigo 12º do tratado (concordata) internacional celebrado entre Portugal e a Santa Sé, estando em oposição com o entendimento sufragado na decisão anterior proferida pelo mesmo CAAD no processo 384/2020-T quanto a esta mesma questão de direito.
o) O reconhecimento automático da isenção nos termos supra alegados traduz-se na prática de um acto administrativo tributário de conteúdo vinculado, pelo que a conduta da AT viola os princípios da legalidade e ainda da neutralidade fiscal que devem nortear a actuação da administração tributária.
p) A questão suscitada é relevante para uma melhor aplicação do Direito.

II. Por despacho a fls. 213 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto parecer do Ministério Público a fls. 218 a 222 do SITAF
“1-Objecto do recurso
A recorrente interpôs, ao abrigo do art. 25º, nº 2, do RJAT, aprovado pelo Dec. Lei nº 10/2011, de 20/1, o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, pugnando pela revogação da decisão arbitral, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) proferida nos autos n.º 374/2022 - T e pela correcção da interpretação perfilhada na decisão arbitral, do CAAD, proferida no âmbito do proc. nº 384/2022 - T, convocada como decisão fundamento.
Vem recorrida a decisão arbitral que julgou improcedente o pedido de anulação de IMI, ano de 2021.
Aquela decisão encontra-se sumariada nos seguintes termos:
“I. As isenções de IMI previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais exigem, além da componente subjectiva conexa com a natureza jurídica das entidades proprietárias, que os prédios estejam directamente afetos à prossecução dos seus fins estatutários.
II. Verificado o exercício de uma atividade lucrativa, paralelo ao exercício da atividade assistencial, por parte de uma corporação missionária, e não tendo sido feita prova de que essa sua atividade é exercida no âmbito de uma atividade mais abrangente de assistência e de solidariedade aos mais desfavorecido, as partes do prédio de que a mesma é titular que não estejam diretamente destinadas à realização dos fins de assistência e solidariedade não beneficiam da isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF”.
Por sua vez, a decisão fundamento julgou procedente o pedido de anulação de IMI, ano de 2019.
Esta decisão encontra-se sumariada nos seguintes termos:



A recorrente identifica a questão de direito a ser solucionada nos termos das conclusões i) e j), das alegações de recurso, as quais são do seguinte teor:
“i) A questão de Direito a que, no entender da Recorrente, importa aqui dar resposta é a de saber qual o sentido e o alcance da expressão “afecto directamente à realização dos seus fins.
j) Se deve prevalecer o entendimento postulado na decisão fundamento, de que os fins prosseguidos são os fins da instituição, ou são os fins da utilização do imóvel, como sustenta a decisão recorrida”.
Assim, segundo a recorrente, existe contradição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, quanto à mesma questão fundamental de direito.
2-Da admissibilidade do recurso
São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:
- contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais;
- trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento; - existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito:
- deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição,
-que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto;
- a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
- não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
- as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
3-Sem quebra do muito devido respeito por posição contrária, afigura-se-nos que não se encontram reunidos todos os pressupostos que permitam o prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
A recorrente é uma pessoa colectiva religiosa (católica), moral e canonicamente ereta, registada em Portugal, reconhecida como corporação missionária, por despacho de 22 de Janeiro de 1944 do então Director Geral da...

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