Acórdão nº 01413/12.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2024-02-08

Data de Julgamento08 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão01413/12.0BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – [SCom01...], S.A. (Recorrente), melhor identificada nos autos, veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou parcialmente procedente a impugnação que deduziu contra a taxa incidente sobre a comercialização de produtos cosméticos emitida pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P..

No presente recurso, a Apelante apresenta as seguintes conclusões:
i. Como resulta documentalmente provado nos autos, as notificações para liquidação da taxa em causa foram subscritas por um vogal do Conselho Directivo do Infarmed (Cfr. ponto C) da matéria assente).
ii. Nem o D.L. 312/2002, de 20.12, invocado pelo próprio vogal, nem o D.L. 46/2012, de 24.02, lhe conferem competência orgânica para proceder a essas notificações, pelo que as mesmas são nulas 17 - e, portanto, não produziram qualquer efeito jurídico, o que pode ser declarado por qualquer órgão administrativo ou Tribunal 18.
17 Nos termos do disposto nos arts. 39.º, n.º 11, do CPPT e 133.º, n.º 1, do CPA - aplicável por força do disposto no art. 2.º, al. d), CPPT.
18 Nos termos do art. 134.º, n.ºs 1 e 2 do CPA, aplicáveis por remissão do art. 2.º, al. d), do CPPT.
iii. Em consequência, os sequentes actos do procedimento são anuláveis – onde se incluem as liquidações impugnadas 19.
19 Art. 135.º CPA.
iv. Sendo certo que o artigo 5.º n.º 4 do D.L. 46/2012, de 24.02, estabelece que «O conselho directivo pode delegar em qualquer dos seus membros as competências que lhe são cometidas.», é igualmente certo que, no caso dos autos, não se encontra provada qualquer efectiva delegação de competências no seu Vogal.
v. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu pela competência do referido Vogal sem qualquer suporte probatório, sendo que dos elementos documentais juntos aos autos não consta, sequer, a invocação de qualquer delegação de competências – nos termos previstos na norma supra referida.
vi. Nos moldes em que foi dada a sentença recorrida, são imperscrutáveis os motivos factuais concretos pelos quais o Tribunal decidiu pela competência do Vogal do Conselho directivo, na medida em que, como referido, não está provada qualquer delegação de competências no mesmo (cfr. pontos C) e F) da matéria assente).
vii. Daí que, salvo o devido respeito, além de ter incorrido em erro de julgamento, o Tribunal a quo incorreu ainda em vício de fundamentação - a implicar a anulação da sentença.
viii. Nos termos do artigo 58.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29.1220, foi conferida autorização ao Governo para estabelecer o regime da taxa de comercialização dos produtos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 72.º da Lei n.º 3-B/2000.
ix. Tal autorização legislativa não chegou a ser usada – pelo que, através do artigo 55.º da Lei n.º 109-B/2001, de 27.1221 voltou a ser conferida autorização legislativa com o mesmo objecto.
x. Ora, a Lei 16-A/2002, de 31.05, veio proceder a diversas alterações da Lei n.º 109-B/2001, sendo que, mais precisamente no seu artigo 17.º, não figura qualquer referência ao sobredito artigo 55.º - mormente no sentido de renovar a respectiva autorização legislativa.
xi. Tal significa que a autorização legislativa concedida pelo artigo 55.º da Lei n.º 109-B/2001, já não existia no momento em que foi utilizada porque, entretanto, já havia caducado.
xii. Deste modo, o Decreto-Lei n.º 312/2002, ao abrigo da qual foram liquidadas as taxas impugnadas, encontra-se ferido de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que a autorização legislativa concedida pelo artigo 55.º da Lei n.º 109-B/2001 caducou com a demissão do Governo em Maio de 2002.
xiii. Ora, o Tribunal a quo omitiu pronúncia expressa quanto a esta relevante questão – mormente no sentido de aferir o efeito da demissão do Governo na autorização que lhe havia sido concedida – o que determina a nulidade da sentença.
xiv. No que respeita à incidência da “taxa”, o legislador limitou-se a indicar no artigo 55.º n.º 1, a) da lei de autorização, como objecto, o «volume das vendas dos mesmos produtos das entidades responsáveis pela sua colocação no mercado, nos termos da legislação em vigor».
xv. Deste modo, na lei de autorização nada se diz sobre o sentido - ou seja, sobre o critério de definição do montante aprovado como objecto, o que infringe o disposto no regime das autorizações legislativas.
xvi. Não é possível estabelecer o regime respeitante à base de incidência das “taxas”, sem conhecer o critério de determinação dos montantes das vendas dos respectivos produtos - sendo que o critério que veio a constar do artigo 1.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 312/2002, foi estabelecido pelo Governo sem qualquer indicação da Assembleia da República, nesse sentido, na lei autorização legislativa.
xvii. Tal acarreta a inconstitucionalidade, por manifesta e clara deficiência da norma de autorização, o que se traduz na violação do normativo constitucional que integra o regime das autorizações legislativas – e que inquina a norma de incidência.
xviii. Uma vez mais, o Tribunal a quo omitiu pronúncia sobre esta relevante questão – o que novamente determina a nulidade da sentença.
xix. Não se argumente que a caducidade da lei de autorização não tem aplicação ao caso em apreço, por se tratar de autorização legislativa que devesse manter-se até ao termo do período orçamental, porquanto apenas será assim tratando-se de “matéria fiscal” - o que não é o caso tal como resulta expresso do Acórdão n.º 135/2012 do Tribunal Constitucional.
xx. Conclui-se que a autorização legislativa em causa padece de inconstitucionalidade, o que inquina com o mesmo vício o Decreto-Lei autorizado, nos termos expostos.
xxi. Como resulta do artigo 1.º n.º 1 do D.L. n.º 312/2002, encontram-se estabelecidos dois tipos de taxas, consoante o produto a que se aplicam: quanto a produtos cosméticos e de higiene corporal é aplicado 2%; quanto a produtos farmacêuticos homeopáticos e dispositivos médicos é aplicado 0,4%.
xxii. O preâmbulo do D.L. n.º 312/2002 contextualiza a finalidade da “taxa” em causa, e onde não se vislumbra que a sobredita “contrapartida”, ou mesmo a actividade do Infarmed, possa justificar uma enorme diferença de quantitativo da “taxa” em função dos produtos em causa e, portanto, em função da actividade das entidades responsáveis pela sua colocação no mercado.
xxiii. A menos que se entenda que tal diferença se justifica com um tratamento preferencial dado à indústria farmacêutica, e não aos retalhistas de produtos cosméticos e de higiene – como é o caso da Impugnante – o que seria completamente inaceitável.
xxiv. De igual modo, não se vislumbra que exista uma diferença nas “contrapartidas” obtidas em cada caso com a actividade do Infamed, ou que esta seja mais trabalhosa ou onerosa, para o Infarmed, no caso de produtos de higiene do que no caso de medicamentos – muito pelo contrário.
xxv. Afigura-se que a liquidação em causa, baseando-se numa legislação que apela à existência de uma contrapartida em relação à qual estabelece taxas acriticamente diferenciadas, viola o princípio da igualdade, na medida em que para contrapartidas iguais 23 - sempre deveria corresponder uma tributação igual.
23 Sic, art. 1.º n.º 2 do D.L. 312/2002.
xxvi. Com efeito, não se afigura que o controlo laboratorial, as acções inspectivas, ou as acções de formação e informação sejam mais onerosas no caso de uns produtos, relativamente a outros, tampouco que os benefícios resultantes da actividade do Infarmed, para os cosméticos e produtos de higiene, sejam quase três vezes (!) superiores aos que resultam para os produtos farmacêuticos – o que tampouco se afigura plausível e não tem qualquer sustentação material.
xxvii. Ficou devida e expressamente invocado que, entre empresas farmacêuticas e empresas de venda a retalho, a tributação é feita em moldes díspares para a mesma contrapartida - sem qualquer fundamento material bastante.
xxviii. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre este relevante aspecto do tributo em causa - mormente as regras constantes do n.º 1 e 2 do artigo 1.º do DL 312/2002 - determinante da sua inconstitucionalidade, o que acarreta a nulidade da sentença.
Termina a Recorrente pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, com anulação da sentença recorrida e sua substituição por uma decisão que julgue pela procedência da impugnação.
O Recorrido INFARMED apesar de regularmente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.
*
Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo este emitido parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 327 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

-/-



II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
A. A impugnante é uma sociedade comercial cujo objecto é o comércio a retalho em supermercados e hipermercados – acordo.
B. Com data de 15.12.2011, o Infarmed remeteu ao impugnante ofício com o seguinte teor – cfr. doc. 1 junto com a p.i.

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

C. O ofício que antecede foi subscrito por «AA», na qualidade de vogal do conselho directivo do Infarmed – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
D. Relativamente ao ofício que antecede, a impugnante solicitou ao Infarmed prorrogação do prazo para resposta – cfr. doc. 2 junto com a p.i.
E. Com data de 15.02.2012, o Infarmed remeteu à impugnante ofício com o seguinte teor – cfr. doc. 3 junto com a p.i.:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

F. O ofício que antecede foi subscrito...

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