Acórdão nº 01372/08.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-11-03

Data de Julgamento03 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão01372/08.4BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. A Fazenda Pública (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 13 de setembro de 20016, pela qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto, bem como a liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 1998, no valor global de €67.759,85, e absolvida a Administração tributária do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.

Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico interposto do indeferimento da reclamação graciosa contra a liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao exercício de 1998, no montante a pagar de € 67 759,85, originada pela não aceitação como custo fiscal do exercício do valor contabilizado como comissões pagas a não residentes.

B. Fundamenta-se a decisão em que, no caso dos autos não era aplicável o art. 59.º do CIRC, mas o art. 57.º-A do CIRC, de acordo com os requisitos aí elencados, mas nunca com recurso à listagem da Portaria n.º 377-B/94, pelo que não tendo a AT cumprido o ónus do n.º 2 do do art. 57.º-A do CIRC, não se pode considerar preenchido o requisito do n.º 1 do mesmo artigo, e “não poderiam os custos em causa ser desconsiderados com base no art. 57.º-A do CIRC, na redacção em vigor até 27 de Novembro de 1998”, incorrendo e decisão impugnada em violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal.

C. Discorda a Fazenda Pública, pelo que, como se verá a AT limitou-se a aplicar um regime, o do art. 57.º-A do CIRC, qua já vigorava à data dos factos – exercício de 1998.

D. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro na análise da matéria de facto e na aplicação do direito.

Vejamos,

E. A matéria controvertida, prende-se com correcções meramente aritméticas efectuadas ao lucro declarado pelo sujeito passivo, no exercício de 1998, relativamente aos montantes pagos a título de comissões a entidades não residentes, uma sedeada nas Ilhas de Guernesey e a outra na Ilha de Man, na sequência de acção de inspecção com o objectivo de analisar as comissões pagas pela impugnante a não residentes, nos termos e para os efeitos do consignado nos n.ºs 1 e 4 do art. 59.º do CIRC (anterior art. 57.º-A, n.º 1 e 3).

F. Na base da correcção está a falta de comprovação de que as comissões pagas correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, e que o sujeito passivo não fez prova da taxa efectiva de tributação a que estão sujeitas tais importâncias no território das entidades não residentes a quem foram pagas, indispensável, no que respeita à dedução de custos, para aplicação ou afastamento do regime especial do art. 59.º do CIRC, anterior n.º 1 e 3 do art. 57.º-A.

G. O regime do art. 57.º-A do CIRC (na redacção vigente ao tempo), consagra a não aceitação, em princípio, como encargos dedutíveis de certos rendimentos pagos a entidades instaladas em países com um regime fiscal mais favorável que o nacional, a menos que o contribuinte efectue a prova de três factos - que tais encargos correspondem a operações verdadeiras, que não apresentam um carácter anormal, ou exagerado.

H. O DL 37/95, de 14.02, que aditou aquela norma, que a final visa disciplinar os pagamentos a entidades residentes em territórios com regime fiscal claramente mais favorável, surge inserido num contexto de combate a práticas de evasão e fraude fiscais, acolhendo medidas designadas de anti-abuso ou defensivas, com vista a restringir a deslocalização de rendimentos para territórios que lhes assegurem um regime fiscal privilegiado.

I. Levando a que o nosso ordenamento, por via do art. 57.º-A do CIRC, acolhesse a inversão do ónus da prova, quando, com no caso dos autos, uma empresa portuguesa suporta encargos que se traduzem em pagamentos a entidades instaladas nesses territórios, pretendendo que essas importâncias sejam consideradas dedutíveis para efeitos de determinação do seu lucro tributável.

J. Tais custos apenas poderão ser aceites como custo fiscal, se o sujeito passivo provar que os mesmos correspondem a operações efectivamente realizadas, não revestem um carácter anormal ou são de montante exagerado, e paralelamente, aquele fornecer os elementos comprovativos da taxa efectiva de tributação no “paraíso fiscal”, visto que, à data, vigorava o critério de comparação da taxa efectiva de tributação da entidade não residente com a taxa de referência do IRC, conforme comando do n.º 3 do art. 57.º-A.

K. Na situação sub judice, nem aquando da inspecção, nem em sede de impugnação, a impugnante logrou fazer prova da taxa efectiva de tributação dos rendimentos no território da residência, no que concerne ao montante das comissões pagas às entidades com sede nas Ilhas de Guernsey e Ilha de Man, e da realização das operações e demais requisitos necessários à sua dedutibilidade.

L. Destarte, deveria levar-se ao probatório que não se deram como provados, os requisitos impostos pelo disposto no art. 59.º n.º 1 do CIRC, os mesmos que impunha o n.º 1 do art. 57.º-A do CIRC, em vigor à data, para serem aceites fiscalmente como custos do exercício, os encargos com comissões pagas às entidades com sede nas Ilhas Guernsey e outra na Ilha de Man.

M. A utilização de paraísos fiscais, como forma de propiciar a evasão e fraude fiscal claramente mais favorável, conduziu a que alguns países adoptassem listas de territórios com regimes de tributação privilegiada, sendo que entre nós, ao abrigo da autorização legislativa (Lei 75/93, de 20.12), foi aprovado o DL 88/94, de 02.04, na sequência do qual veio a ser aprovada a Portaria n.º 377-B/94, de 15.06, que através da enumeração taxativa dos territórios que se encontravam nessas condições, delimita o conceito de regime fiscal claramente mais favorável, diploma onde surgem incluídos os territórios em causa.

N. Por isso, e salvo melhor opinião, a AT não tinha que indagar sobre o regime fiscal de tributação dos rendimentos vigente naqueles territórios, uma vez que já haviam sido como estando abrangidos por regimes fiscais claramente mais favoráveis.

O. Os interesses económicos em questão e a inclusão daqueles territórios nas listas referidas, justificam que se invoque o preenchimento dos pressupostos do regime fiscal claramente mais favorável aplicável, face a uma exigência de interpretação extensiva, exigência que, segundo cremos, deverá assumir a forma de extensão teleológica, na medida em que a razão de ser dos diplomas versados postulam a aplicação à situação sub judicie.

P. Afigurando-se, assim, que o acto de liquidação não incorre no vício de violação de lei, a douta sentença sob recurso violou as disposições legais supracitadas, designadamente o disposto no art. 57.º-A do CIRC, bem como a Portaria n.º 377-B/94, de 15.06.

Q. Destarte, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.»

1.2. A Recorrida (M..., Lda.), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 336 SITAF, no sentido da improcedência do recurso.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de facto por errada selecção e valoração da prova produzida;
Se a sentença incorre em erro de julgamento da matéria de direito por violação do disposto no artigo 57º-A, do CIRC e na Portaria nº 377-B/94, de 15 de junho.;

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos provados:

1. A liquidação ora impugnada resultou de uma acção inspectiva interna relativa ao exercício de 2008, levada a cabo pela Administração Tributária em 2002;

2. A ora Impugnante contabilizou, no ano de 2008, na conta designada “622283 – comissões pagas a não residentes” o valor global de ESC 33.757.871$00;

3. Tais comissões foram calculadas com base nas vendas efectuadas;

4. No ano de 1998, a Impugnante pagou à sociedade “F.....Limited”, com sede na Ilha de Guernsey, a quantia de € 145.323,06 a título de comissões de vendas pelas facturas emitidas para o cliente alemão com a designação “SO...”;

5. No mesmo ano, a Impugnante pagou à sociedade “S..., Limited”, com sede na Ilha de Man, a quantia de € 3.161,95, cujas facturas referem comissões devidas pela facturação efectuada em nome do cliente dinamarquês com a designação “CG...”;

6. A sociedade “F.....Limited” enviou uma missiva à ora Impugnante com o seguinte conteúdo: “Declaramos que, a partir de 5 de Dezembro de 1995, o Sr. AA deixa de representar o grupo SO... em Portugal, passando a responsabilidade técnica de todas as encomendas feitas em Portugal a ser de JP..., Lda.. Mais a informamos que as relações comerciais pré-existentes entre ambos serão mantidas sem quaisquer alterações.”;

7. Ao longo do ano...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT