Acórdão nº 01361/21.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 01-03-2024

Data de Julgamento01 Março 2024
Ano2024
Número Acordão01361/21.3BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
I - RELATÓRIO

ENTIDADE NACIONAL PARA O SECTOR ENERGÉTICO, EPE (ENSE) [devidamente identificada nos autos] Ré na acção administrativa que contra si foi intentada por [SCom01...], Ld.ª [também devidamente identificada nos autos], vem reclamar para a Conferência [Cfr. artigo 652.º, n.º 3 do CPC, ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA], da Decisão sumária proferida pelo Relator em 29 de janeiro de 2024 [constante a fls. 454 e seguintes dos autos - SITAF], e pela qual, tendo subjacente o disposto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea i) e 94.º, n.º 5, ambos do CPTA e artigo 656.º do CPC, foi negado provimento ao recurso interposto por si, confirmando assim a Sentença recorrida.

*

Para esse efeito, referiu a final do articulado por si apresentado, que a Reclamação apresentada deve ser julgada procedente, por provada, e sobre a mesma recair Acórdão que revogue a decisão sumária proferida, confirmando-se a sentença recorrida e, em consequência, o acto administrativo impugnado, tendo assentado as conclusões que para aqui se extraem como segue:

“[...]
- O ato administrativo impugnado não é ilegal, porquanto foi praticado ao abrigo de um diploma legal que à data se encontrava em vigor e que, atualmente, só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022;
- A ora Reclamante, sob pena de violação do princípio da legalidade, encontrava-se vinculada a proferir o ato administrativo impugnado;



- Não estamos perante um problema de ilegalidade do ato administrativo, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função legislativa.
- Assim sendo, a decisão ora reclamada padece de um erro de julgamento, porquanto o ato administrativo não padece de um vício gerador de anulabilidade, por violação do Direito da União Europeia.
[...]“

**

A Reclamada exerceu o direito ao contraditório, tendo a final apresentado as respectivas conclusões, que para aqui se extraem como segue:

“[...]
D- CONCLUSÕES:
1- De acordo com a decisão proferida pelo T.J.U.E. em 09.03.2023, as metas de incorporação fixadas no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 são inoponíveis aos seus destinatários, desde logo porque não foram cumpridas as obrigações do Estado Português de comunicação prévia desta norma técnica à Comissão Europeia, o que retira a base legal à norma em questão, esvaziando-a do ordenamento jurídico.
2- Ao pronunciar-se pela invalidade da norma técnica constante do artigo 11.º da Lei 2010/17 de 25-10, decorrente da violação do artigo 8.º n.º 1 da Diretiva 98/34 da U.E. que impunha a sua comunicação prévia à Comissão, antes da sua aprovação e aplicação no Estado membro, neste caso, Portugal, bem andou o Tribunal A Quo, que cumpriu expressamente o que a Lei Processual Administrativa lhe impõe.
3- O ato administrativo impugnado foi praticado ao abrigo de uma norma técnica- artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10- que foi declarada ilegal, de acordo não só com o juízo do TJUE, mas também do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta da decisão proferida no processo 02739/17.2BEBRG-A, por Acórdão de 06-07-2023 da 1.ª Secção, (processo em que o Recorrente era de resto parte, e cuja decisão não ignora).

4- De acordo com a decisão do TJUE, a ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional ilegal, aplicada aos destinatários particulares (como o é a aqui Autora- recorrida) torna esse ato inválido e contenciosamente impugnável por violação da lei, por erro nos pressupostos de direito – falta de base legal e no mesmo sentido se pronunciou já o STA no acórdão supra mencionado.
5- O Tribunal deve poder conhecer de todos os vícios que estando presentes num determinado ato sejam suscetíveis de atacar a sua validade enquanto ele não se tornar definitivo do ponto de vista da sua imposição ao particular.
6- Como se refere no Acórdão do STA já citado, o ato em crise é inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de direito- falta de base legal.
7- Esta decisão superior conclui, no mesmo sentido, que o julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele Tribunal Europeu, quanto à interpretação fixada no direito da EU, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatória quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado, quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. (Negrito e sublinhados nossos)
8- Além do Tribunal Nacional destinatário, ficar vinculado pela interpretação dada, o Acórdão do TJUE vincula também os outros órgãos jurisdicionais a quem seja submetida questão idêntica.(Negrito e sublinhados nossos)
9- Os tribunais nacionais (Tribunais comuns do direito da União Europeia), tem o dever de desaplicar a legislação nacional que julguem contrária ao direito da União Europeia, em obediência ao Princípio do Primado do Direito da U.E., acautelando a garantia de proteção jurídica aos particulares decorrente do efeito direto das normas de direito comunitário.
10-Também a defesa do interesse geral da legalidade não é contrariada pelo facto de o Tribunal fazer uso do seu direito/dever de sancionar os atos inválidos.
11-Na decisão sumária reclamada é feita uma correta interpretação das normas do Direito Comunitário, cuja direta aplicação no âmbito nacional foi assegurada, sem que tal represente a violação, por qualquer forma, do Princípio da Tutela Jurisdicional ou da separação dos Poderes constitucionalmente consagrados, nem de qualquer outro normativo constante do Diploma Fundamental.
12-A falta de base legal do ato administrativo que aplicou as compensações com base na norma ilegal contida no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 impõe a sua inaplicabilidade em geral, a todos os seus destinatários, o que o Tribunal A Quo reconheceu ao declarar procedente a ação, resultado da correta interpretação e aplicação do Direito da União, expresso no Acórdão do TJUE, decisão sufragada pelo Venerando Juiz Desembargador Relator.
13-O Acórdão do TJUE referido, pronunciou-se sobre a matéria em discussão nos presentes autos na medida em que versou matéria que torna inoponível a norma do artigo 11.º do DL 110/17 de 25-10 a todos os destinatários particulares que possam ser abrangidos por aquela disposição ilegal, como é o caso da recorrida que aquela norma ilegal afetou obrigando-a enquanto destinatário registado, a apresentar os TdB calculados de acordo com as percentagens estabelecidas, para cada ano, naquele normativo, impossíveis de obter, de resto, e a condenou nas compensações correspondentes à sua não apresentação, decisão que o STA no Acórdão citado de 06.07.2023, sufragou ao referir na sua Conclusão II: “… em face daquele seu Acórdão (do TJUE) de 9.3.2023, resulta, por si, incontornável a procedência da impugnação contenciosa, aqui em apreciação, da ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional tida como inoponível aos destinatários particulares, sendo pois tal ato impugnado inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da Lei por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).”
14-A obediência à lei, por parte da Administração Publica não pode significar que se exima às suas obrigações de legalidade só porque dispõe de uma norma vigente num determinado momento, mas cuja ilegalidade vem entretanto a ser declarada, antes lhe impondo dar cumprimento à obrigação de revogação administrativa dos atos ilegais perante a constatação da invalidade da norma que sustentou a sua decisão como impõe o artigo 165.º do CPA, designadamente enquanto os mesmos não se mostrem contenciosamente anulados.
15-O ato administrativo em crise não se consolidou ainda no ordenamento jurídico pois a sua impugnação atempada impediu que se tornasse definitivo quanto aos seus efeitos, na esfera jurídica da recorrida.
16-A decisão reclamada não padece de qualquer erro de julgamento, é o ato impugnado que padece efetivamente de vício de violação da lei – é ilegal - por erro nos pressupostos de direito - falta de base legal, que é contemporânea do Diploma Legal que continha a norma do artigo 11.º, que violou, sempre, a Diretiva 98/34 CE ao não respeitar as regras para a sua aprovação.
17- A decisão sumária não viola qualquer dispositivo legal ou Princípio fundamental do direito, designadamente os pretendidos e citados pela reclamante, pelo que deve ser confirmada, com as legais consequências.
TERMOS EM QUE, Com o sempre douto entendimento de V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, que assim decidindo farão a habitual e costumada Justiça, deve a reclamação para a Conferência ser julgada improcedente, concluindo-se como na decisão sumária.
[...]“

**

Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito sido obtida a concordância dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÃO A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Reclamante, e que em suma se cinge à invocação da ocorrência de erro de julgamento na Decisão sumária proferida, pugnando, a final e em suma, como já assim havia sustentado em sede das Alegações do recurso de Apelação que havia apresentado nos autos, no sentido de que o acto administrativo sob impugnação não padece de qualquer invalidade que seja determinante da sua anulabilidade.



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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO


Para efeitos da prolacção da Decisão sumária, foi julgado pelo Relator ser suficiente a remessa para o probatório constante da Sentença recorrida, o que assim agora também decidimos.

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Reclamação deduzida pela Recorrente ENSE, EPE, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 3.º do CPC, ex vi artigo 140.º,...

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