Acórdão nº 01267/16.8BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20-10-2022

Data de Julgamento20 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão01267/16.8BEPRT
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CA)
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


I - RELATÓRIO

1 – O Município de Vila Nova de Gaia, com os sinais dos autos, não se conformando com o teor do acórdão proferido pelo TCA Norte em 25 de Fevereiro de 2022, no âmbito do litígio em que é A. A…………., S.A., vem dele interpor recurso para uniformização de jurisprudência para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art.º 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocando, como fundamento, a sua oposição com o acórdão proferido em 19 de Março de 2021, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 00103/15.7BEVIS, a respeito da interpretação e aplicação do artigo 5.º, n.º 4 da Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro (lei dos compromissos), e remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

«[…]

A. O Acórdão fundamento decidiu que era necessário alegar e demonstrar a existência de circunstâncias específicas, que não apenas o facto de ter sido realizado um fornecimento ou prestado um serviço, para que fosse possível sanar a nulidade decorrente do incumprimento da Lei dos Compromissos;

B. O Acórdão recorrido, em situação factual idêntica, entendeu que o simples facto de o serviço ter sido prestado era bastante para que a nulidade fosse afastada, por essa prestação ser suficiente para demonstrar a existência de boa fé da entidade privada;

C. A questão é de grande acuidade e relevância jurídica, que está em discussão em inúmeros processos judiciais e que urge clarificar, para salvaguardar a aplicação uniforme da Lei e a posição das partes em conflito;

D. Existe uma clara contradição entre dois Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte no que concerne à mesma questão fundamental de direito, o que determina a admissibilidade do presente recurso;

E. A melhor doutrina é a exarada no Acórdão fundamento, por corresponder a uma correcta aplicação do direito aos factos;

F. O douto Acórdão sob recurso alicerça a decisão na boa fé da recorrida, que permitiria afastar a nulidade das obrigações assumidas pela Gaianima, baseando-se apenas na circunstância de o serviço ter sido prestado;

G. É unanimemente aceite que a obrigação de pagamento à recorrida é nula, por violação da Lei dos Compromissos;

H. No âmbito do processo de liquidação da Gaianima o recorrente assumiu todos os compromissos que haviam sido legalmente contraídos e não poderia nunca assumir compromissos nulos;

I. A falta de número de compromisso é um requisito de validade do contrato;

J. Nos termos do art. 9.º, n.º 2, da Lei dos Compromissos a recorrida tinha também obrigação de fiscalizar o cumprimento desta obrigação legal, o que não fez;

L. Esta obrigação não era de difícil cumprimento;

M. Não foi produzida prova sobre a boa ou má fé das partes quando negociaram o contrato nem sobre a existência de alguma circunstância específica que permita concluir que a invocação da nulidade é desproporcional e violadora da boa fé;

N. O recorrente sempre agiu de boa fé perante a recorrida, só não pagando a obrigação existente porque a lei o impede e não por vontade própria;

O. Não houve um comportamento do recorrente - ou da Gaianima - visando induzir a recorrida em erro quanto ao cumprimento da Lei dos Compromissos;

P. A recorrida pode demandar os responsáveis pela violação da lei, pelo que não fica desprotegida;

Q. Não foram alegados nem provados factos ou fundamentos que permitam ao Tribunal concluir que existem razões para afastar o efeito anulatório;

R. Não pode bastar a mera constatação da prestação do serviço ou fornecimento, pois sem isso não poderia sequer ser reclamado o preço;

S. E se bastasse alegar o cumprimento do contrato por parte do privado ficaria sem qualquer efeito prático o disposto no n.º 3 do art. 5.º da Lei dos Compromissos, numa situação em que a Lei determina que seja “para todos os efeitos” e que impede “o respectivo pagamento ou quaisquer direitos ao ressarcimento, sob qualquer forma” - art. 9.º, n.º 2 da Lei dos Compromissos;

T. Pelo que deverá ser uniformizada a jurisprudência nos seguintes termos: Só perante circunstâncias específicas, que não se bastam com o facto de se estar perante um fornecimento realizado ou serviço prestado, e de que a entidade pública tenha beneficiado, é que o Tribunal poderá decidir pela eventual sanação da nulidade decorrente do incumprimento da Lei n.º 8/2012, de 21.02, por aplicação do n.º 4 do art. 5.º da norma citada.

U. Com a consequente revogação do Acórdão recorrido, que deverá ser reformulado de acordo com a jurisprudência uniformizada;

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e fixada jurisprudência nos moldes propugnados, com as legais consequências, com o que farão Vᵃˢ Exᵃˢ, como habitualmente, inteira e sã

Justiça.

[…]».


2 – Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre apreciar a decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. De facto

1.1. O acórdão recorrido deu como provado o seguinte:

«[…]
1. A A. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de radiodifusão sonora e à organização e promoção de eventos.
2) No exercício da sua atividade, a A. prestou, em agosto de 2011, serviços a G., Equipamentos Municipais, EEM, que tinha sede na Rua (…) NIPC (…).
3) Serviços esses que consistiram na organização e divulgação de um Festival de Fado em (...) a 21 de agosto de 2011, e que foram realizados a pedido da G. EEM.
4) A prestação de tais serviços foi adjudicada à A. pela G., após procedimento de ajuste direto n.º 36/2011 e conforme caderno de encargos respetivo pelo preço de €12 350,00.
5) A A. cumpriu integralmente o acordado prestando todos os serviços a que se obrigara.
6) Estes serviços importaram a quantia de € 15.340,00 correspondente à soma que consta da factura 204/2011: €12 500,00 + IVA a €2 840,00.
7) A A....

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