Acórdão nº 01032/17.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 13-05-2022

Data de Julgamento13 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão01032/17.5BEAVR
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Aveiro)
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

RM... (R. (…)), em acção administrativa intentada contra Instituto da Segurança Social, IP, interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF do Porto, que absolveu o réu da instância.

Conclui:

1. À questão o que temos de mais prestacional nas nossas vidas não há, não pode haver, quem não diga que são os subsídios, as subvenções e as aposentações, não existindo razões para que o Estado faça uso do poder de autoridade nesta matéria na sua relação com o cidadão que em si materialmente confiou as suas poupanças para as colher no futuro.
2. Como todos sabemos, o que está subjacente a esta realidade é uma relação jurídica substancialmente de cariz paritário, em que o particular dá de si alguma coisa para no futuro a vir a receber.
3. Aliás, cremos bem que utilizar a técnica do acto administrativo, e justificámos dogmática e comparadamente no texto com recurso à visão alemã destas questões, que não estamos nestes casos face a actos administrativos, com a caducidade por cá de 3 meses, viola não só o princípio da subsidiariedade da intervenção do Estado como grande princípio da organização administrativa europeia (o Estado intervém quando é devido e necessário, valendo de resto a liberdade), como os princípios da proporcionalidade, vertentes da necessidade e adequação incluídas, e da razoabilidade entre nós acolhidos quer no plano constitucional, quer também no plano procedimental geral administrativo.
4. Isto, claro está, não falando na imoralidade (não temos medo da palavra) que é o Estado ficar com dinheiros de um Particular, porque este não agiu com a celeridade (curta) convencionada, recusando-se a dizer o que é justo em função do decurso desse mesmo prazo.
5. O que concluímos assim é que não só o estatuído no art. 37.º n.º 1 al. j) do CPTA é, em erro de julgamento, violado, como, se dúvidas existissem, sempre seria assim (no sentido da admissão da ação) que este normativo deveria ser interpretado (em função da principiologia constitucional referida), como, em último termo, não interpretando com este alcance e conteúdo o estatuído no normativo citado do nosso CPTA e antes vendo um ato de autoridade nesta verdadeira relação jurídica entre o Estado e os seus trabalhadores ou cidadãos (no caso, a prestação de serviço para entidade privada é larguissimamente prevalecente) estamos a violar a Constituição da República por afronta ao estatuído nos arts. 13.º e 266.º, n.º 2.
6. Está fora de causa, ao que cremos, que é notório que o Recorrente se não conforma com esta privação de quantias, que são suas, que a administração leva a efeito através do ato - reclamou diversas vezes e está mesmo em juízo a discutir esta malvadeza administrativa.
7. Em primeiro, cremos ser indubitável que é nulo um ato em que um qualquer cidadão pede algo à administração e esta lhe dá ou decide coisa distinta do que aquele pediu… pediu a aposentação por inteiro e por velhice e foi-lhe dada a aposentação antecipada.
8. A ordem jurídica, qualifique-se o vício no elenco das nossas nulidades como se pretenda (e sabemos que o art. 161.º do CPA não é, como dissemos, taxativo), mormente ao abrigo da alínea g) daquele normativo, não suporta este tipo de decisões, sendo perfeitamente absurdo (até por natureza) que a um ato deste jaez se possa conferir algum efeito concreto e prático.
9. Ou seja, erra flagrantemente a decisão judicial de que se recorre por violação de lei, ao entender que se trata de uma mera anulabilidade e, como tal, a técnica da caducidade não se aplica ao caso vertente, devendo a ação continuar os seus termos para se conhecer do mérito da pretensão.
10. E, talvez mais relevante que esta abordagem, temos outra, que se consubstancia no facto de a participação poder redundar na, ou ter até como finalidade permitir a, desistência do pedido que se referirá a outro respeito de seguida - cfr. art. 21.º n.º 4 do DL. 187/2007.
11. Ora, como é pacífico na jurisprudência e na dogmática, desistir ou não do pedido é um direito potestativo.
12. Destarte, tendo ficado o Recorrente privado de tomar esta potestativa decisão, o que com frequência sucede e é desejável que suceda atenta a complexidade das operações de cálculo da pensão de aposentação, não temos dúvidas em afirmar a nulidade do ato de que cuidamos, aqui claramente por natureza, assacando, pois, à sentença recorrida erro de julgamento, com os efeitos que já se mencionaram.
13. Numa outra abordagem possível estamos também face à preterição de uma formalidade (vício de forma que, se bem lemos a sentença, o Tribunal recorrido transmuta erradamente em violação de lei) no plano da participação do cidadão no procedimento que se enquadra também, salvaguardando a dimensão da natureza do vício, na alínea g) do citado normativo do CPA.
14. Com efeito, a razão desta participação, qualificada no plano constitucional (cfr. o art. 267.º, n.º 1, da CRP), atentos os efeitos de perenidade essencial a que, ainda que por acto administrativo, tende (o resto da vida é modelado por este tipo de acto numa dimensão essencial da vida dos cidadãos, que é a patrimonial) é permitir também que o particular possa intervir na fixação da sua pensão e, sobretudo, que possa desistir do seu pedido se convencido for do mal fundado da sua pretensão.
15. Foi precisamente disto - desta dimensão e escolha muito relevante das nossas existências, das nossas vidas individuais - de que o Recorrente também foi indevidamente privado!
16. Isto é, considerando o impacto e a repercussão prática do ato de aposentação, definição das condições patrimoniais de vida em quase 1/3 da existência provável e estatística de vida, considerando o estatuído no normativo violado, no direito de participação tal como o mesmo vem consagrado na Lei Fundamental (cfr. o art. 267.º, n.º 1), no direito à segurança social (cfr. o art. 63.º, n.ºs 1 e 4 ) também aqui previsto, no princípio da segurança e da boa fé (cfr. os arts. 18.º e 266.º, n.º 2) e o princípio da dignidade humana, bem como do Estado de Direito Democrático (cfr. os arts. 1.º e 2.º), posto que o Recorrente descontou no tempo que lhe não foi contabilizado e o Estado lhe fica com esse dinheiro sem qualquer razão séria), pensamos poder concluir que, apesar do mínimo de existência não estar em causa, se verifica a violação de direitos fundamentais, com a consequência da nulidade.
16. Na ordem de valores que nos rege coletivamente, não podemos perceber como, numa simples multa aplicada em processo disciplinar, se pode sustentar que a falta de audição gera nulidade e, num caso deste jaez, com este impacto na existência, temos de nos contentar com a anulabilidade…
17. A decisão recorrida padece, pois e a vários passos, de erro de julgamento, tendo o Recorrente sido vítima de uma injustiça que urge ser reparada!

Sem contra-alegações.
*
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
***
Os factos, fixados na decisão recorrida:
A. No dia 17.12.2015, o Autor requereu junto do R. a pensão por velhice, com início em 14.03.2016 - cfr. doc. n.° 1 da p.i..
B. Por ofício do R., datado de 20.07.2016, com a referência 2.2.4, foi o Autor notificado do teor constante dos documentos n.ºs 2 e 3 da p.i., que se dão por integralmente reproduzidos, mediante os quais se comunicou entre o mais o seguinte que ora se transcreve na parte que releva:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

C. Notificado do ofício referido no ponto anterior, o Autor remeteu ofício datado de 01.08.2016, dirigido ao Instituto da Segurança Social, I.P. Centro Nacional de Pensões, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
“(…)
V/. Ref.ª: 2.2.4.=2016-07-20
(…)
Acuso a. receção do V/. oficio com a referência acima e respeitante ao assunto em epígrafe, cujo conteúdo mereceu a m/. melhor atenção e atenta análise.
Deste modo e porque não estou de acordo com a V/. explanação, permitam-me V. Exas. que, educada e pertinentemente, exponha a sustentabilidade da m/. discordância.
Assim e para os efeitos convenientes, cumpre-me:
1. anexar fotocópia do VA oficio para melhor e mais rápida referência;
2. agradecer, desde já, toda a V/. atenção e colaboração dispensadas e a dispensar ao m/. processo;
3. confirmar que, ao abrigo da lei vigente no corrente ano e pelo facto de possuir 44 anos contributivos aos 65 anos de idade, requeri a m/. pensão de reforma por velhice e não pensão antecipada, pelo que não me deveria ser aplicado fator de redução, nem fator da sustentabilidade.
4. discordar da V/. contagem do n.° de anos civis à data da reforma, ou seja, 41 anos, uma vez que no regime geral possuo 39 anos que corresponde aos períodos de 1972/01 a 1975/01 e de 1981/09 a 2016/03, os quais, adicionados aos 5 anos que contribuí pela Caixa Geral de Aposentações no período de 1976/12 a 1981/09, perfaz 44 anos no total e me confere o direito à pensão de reforma por velhice aos 65 anos de idade;
Nestas circunstâncias e face à veracidade de tudo o acima transmitido e confirmado, solicito a justa e legal revisão do m/. processo com a consequente fixação do valor mensal m/.pensão” – doc. n.º 4 da p.i.
D. Nessa sequência, o Réu respondeu ao aqui Autor mediante o ofício com a referência UPPIV – NPPIV, com o teor constante do doc. n.º 5 da p.i., que se dá por integralmente reproduzido, constando na parte que releva o seguinte que ora se transcreve:
“Acusamos a recepção da carta enviada por V a Exa., a qual mereceu a nossa melhor atenção.
Reportando ao assunto em epígrafe, cumpre, ainda assim, prestar os seguintes esclarecimentos:
Para o cálculo da sua pensão antecipada por velhice atribuída ao abrigo Decreto-Lei n° 187/2007 e Decreto-Lei n° 361/98, foi tido, em consideração o seguinte:
Uma vez que V a Ex. a se encontrava inscrito na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT