Acórdão nº 00956/21.0BEBRG-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 20-12-2022

Data de Julgamento20 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão00956/21.0BEBRG-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autora AA e Réu o Hospital de ..., EPE, ambos neles melhor identificados, foi proferido, pelo TAF de Braga, Despacho que ostenta este discurso fundamentador:
Por requerimento de 01.09.2021 o Réu veio invocar justo impedimento alegando, em súmula, o seguinte:
- Fora celebrado um contrato de avença, acordando-se o envio de todas as comunicações através de email;
- O Réu foi citado no âmbito da presente acção a 01.06.2021, tendo remetido em 11.06.2021 os documentos para o email acordado (“gmail”), mas o mesmo foi considerado automaticamente spam pelo sistema informático do correio eletrónico;
- Em reunião de 01.09.2021, entre o Réu e o mandatário, é que verificara a existência da presente acção.
Para prova do alegado o Réu juntou documentos e arrolou testemunhas.
O Autor invocou que o motivo apresentado não é fundamento de justo impedimento porquanto impendia sobre o Réu o dever de apurar se a documentação fora recepcionada.
Vejamos.
Como preceitua o artigo 140.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi o artigo 1.º do CPTA, «Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.».
Reservando-se a possibilidade de utilização deste mecanismo para as situações não imputáveis à própria parte ou ao seu mandatário e que não revelem falta de diligência ou negligência daqueles.
Analisada a argumentação do Réu para sustentar o justo impedimento, não podemos conceder que a mesma seja passível de fundamentar a procedência do pretendido, porquanto mesmo que se aceite o alegado - que o email enviado pelo Réu para o advogado tivesse sido considerado automaticamente SPAM pelo sistema informático do correio eletrónico - tal significa que a mensagem foi efectivamente recepcionada pelo mandatário no seu correio eletrónico, e que a esta poderia ter acedido, bastando para tanto consultar a pasta de SPAM da sua caixa de correio, o que não terá efectuado.
Acresce que, conforme alegado pelo Réu, apenas aquando de uma reunião realizada a 01.09.2021 com o seu mandatário, com o propósito de fazer o ponto da situação dos processos existentes, é que o advogado tomou conhecimento da presente acção.
No entanto, tendo o Réu sido citado para contestar esta acção em 01.06.2021, e bem sabendo que detinha o prazo de 30 dias para esse mesmo efeito, não podemos conceber que aquele tenha actuado com a diligência que lhe era exigida, ao não ter acautelado a confirmação da recepção do email pelo seu mandatário ou da apresentação da contestação dentro do prazo de 30 dias; nada tendo feito, inclusivamente, nos meses que se seguiram, de Julho e de Agosto.
O que significa que não resulta da alegação do Réu, que tenha sido colocado numa situação de impossibilidade absoluta, pela ocorrência de facto independente da sua vontade e do cuidado e diligências normais, e que tenha justificado a apresentação da contestação fora do prazo legal.
Não podendo, como tal, considerar afastado o juízo de censurabilidade da actuação omissiva, tanto da própria parte como do seu mandatário, constando-se que ambos não actuaram com a diligência que se exigia.
Apesar de bem sabermos que a apreciação do justo impedimento é essencialmente casuística, afigura-se que o entendimento adoptado tem correspondência com a jurisprudência dos tribunais superiores, destacando-se, para melhor compreensão, os seguintes trechos jurisprudenciais:
(i) «II - Não integra, por conseguinte, o conceito de justo impedimento o extravio da notificação que determinou ou esteve na origem da não apresentação tempestiva em tribunal de documento processualmente relevante e cuja ocorrência apenas pode ser imputável à falta de diligência que na circunstância era exigível por parte do recorrente, respectivo mandatário ou funcionários encarregues da prática do acto.» (Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, proc. n.º
0119/06, 26.09.2006);
(ii) «IV - Não integra justo impedimento a avaria do computador do Sr. Advogado subscritor da peça processual, impeditiva da expedição ou remessa da peça processual por transmissão electrónica de dados.» (Ac. do TRC, proc.
39/14.9T8LMG-A.C1, 30.06.2015).
(iii) «I - O lapso cometido pelo ilustre mandatário duma parte, dirigindo requerimento de interposição de recurso para endereço inexistente, embora muito semelhante ao do Tribunal a quem pretendia dirigi-lo, não configura situação de justo impedimento, por se dever a culpa do próprio mandatário. (…) III - A omissão ou o acrescentamento de uma letra, um ponto, ou mesmo um espaço, no âmbito das comunicações via Internet, assume uma relevância extrema (atenta a identificação por simples caracteres) podendo conduzir a que a correspondência electrónica dirigida a determinado destinatário possa ser entregue a destinatário diferente. Ou seja, o lapso não se caracteriza num erro de declaração, mas sim, por imprevidência, falta de cuidado e de diligência na tarefa de expedição de correio electrónico, numa verdadeira remessa de correspondência para destinatário e local diverso do pretendido. (Ac. do TRE, proc. 2656/06-3,
11.01.2007);
(iv) «III - Tendo sido entregue por contacto pessoal do solicitador de execução, ao sócio gerente das empresas demandadas, uma nota de citação que este recebeu e assinou, da qual constava a identificação do processo, o nome do demandante e a expressa referência ao prazo de contestação e às cominações legais, a alegada confusão (com outro processo com diverso número e diverso autor) não constitui “justo impedimento” suscetível de justificar a entrega tardia ao mandatário e a consequente apresentação da contestação vários meses após o termo do prazo.» (Ac. do TRP, proc. n.º 4021/16.3T8AVR-A.P1, 05.03.2018).
Donde, por todo o quanto exposto, teremos que julgar não verificado o justo impedimento e, por conseguinte, não admitida a prática da contestação fora do prazo legal, o que impõe o seu desentranhamento.

Consequentemente, face ao sentido decisório e à interpretação adoptada, a qual não seria alterada pela inquirição das testemunhas arroladas, será de indeferir a produção da prova requerida.
*
Após o trânsito em julgado, proceda-se ao desentranhamento da contestação, mantendo-se, para já, nos autos os documentos que com ela tenham sido juntos.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:

A - Inconformado, com o douto Despacho decisório proferido nestes autos, que decidiu:
“ … teremos que julgar não verificado o justo impedimento e, por conseguinte, não admitida a prática da contestação fora do prazo legal, o que impõe o seu desentranhamento.
… face ao sentido decisório e a interpretação adoptada, a qual não seria alterada pela inquirição das testemunhas arroladas, será de indeferir a produção da prova requerida.
Após o transito em julgado, proceda-se ao desentranhamento da contestação, mantendo-se, para já, nos autos os documentos que com ela tenham sido juntos.”

B - Vem o Réu/apelante interpor Recurso para este Venerando Tribunal, na convicção de que a razão lhe assiste.

C - O apelante recorre do douto Despacho decisório proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., a que se reportam os autos supra, porquanto:
a) O Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação das normas jurídicas - violando o disposto no artigo 140º do Código de Processo Civil.
b) A decisão do Tribunal a quo, encapota vícios de raciocínio que importa
corrigir.
c) Por ser injusta, carece de ser revogada e substituída por outra que decida que ocorreu justa impedimento para a prática atempada do ato por parte do recorrente, com as legais consequências.

D – O Recorrente foi citado no dia 1 de junho de 2021, para, querendo, contestar, no prazo de 30 dias, a ação (Processo 956/21.0BEBRG)

E – No dia 1 de setembro de 2021 o Recorrente deduziu Incidente de JUSTO IMPEDIMENTO, pedindo “Termos em que sempre com o mui douto suprimento de V.ª Ex.ª, deve: a) o presente incidente de justo impedimento ser julgado e...

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