Acórdão nº 00942/22.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2024-03-01

Data de Julgamento01 Março 2024
Ano2024
Número Acordão00942/22.2BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
I - RELATÓRIO



ENTIDADE NACIONAL PARA O SECTOR ENERGÉTICO, EPE (ENSE) [devidamente identificada nos autos] Ré na acção administrativa que contra si foi intentada por [SCom01...], Ld.ª [também devidamente identificada nos autos], vem reclamar para a Conferência [Cfr. artigo 652.º, n.º 3 do CPC, ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA], da Decisão sumária proferida pelo Relator em 26 de janeiro de 2024 [constante a fls. 385 e seguintes dos autos - SITAF], e pela qual, tendo subjacente o disposto nos artigos 27.º, n.º 1, alínea i) e 94.º, n.º 5, ambos do CPTA e artigo 656.º do CPC, foi negado provimento ao recurso por si interposto, confirmando assim a Sentença recorrida.

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Para esse efeito, apresentou articulado de onde para aqui se extraem as respectivas conclusões, como segue:

“[...]
III – CONCLUSÕES
1.ª De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CPTA, o Tribunal de 1.ª instância somente se encontrava constituído no poder-dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas daquelas que tenham sido alegadas.
2.ª Tratando-se de um vício gerador de nulidade, o Tribunal de 1.ª instância podia/devia conhecer do mesmo oficiosamente e a todo o tempo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 262.º do CPA. 23
3.ª Tratando-se de um vício gerador de mera anulabilidade, o Tribunal somente podia conhecer do mesmo dentro do prazo que o Ministério Público dispõe para promover a ação pública de impugnação, ou seja, no prazo objetivo de um ano desde o momento da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória.
4.ª Uma interpretação diversa ao disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CPTA confere à norma um conteúdo normativo que a torna claramente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º, 20.º, 111.º e 219.º da CRP.
5.ª Assim, uma vez que não foi suscitada pelas partes o vício pelo qual o Tribunal de 1.ª instância anulou o ato administrativo impugnado e uma vez que o mesmo não é suscetível de conhecimento oficioso, a sentença recorrida é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 95.º, n.º 1 do CPTA, em conjugação com o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
6.ª Estando a decisão sumária reclamada eivada de erro de julgamento, por ter entendido não haver qualquer excesso de pronúncia quanto ao que foi apreciado e decidido pelo Tribunal de 1.ª instância.
7.ª O ato administrativo impugnado não é ilegal, porquanto foi praticado ao abrigo de um diploma legal que à data se encontrava em vigor e que, atualmente, só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022.
8.ª A Entidade Reclamante, sob pena de violação do princípio da legalidade, encontrava-se vinculada a proferir o ato administrativo em apreço.
9.ª Não estamos perante um problema de ilegalidade do ato administrativo, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função legislativa. 10.ª Assim sendo, a decisão ora reclamada padece de um erro de julgamento, porquanto o ato administrativo não padece de um vício gerador de anulabilidade, por violação do Direito da União Europeia.
11.ª O ato administrativo impugnado não padece de nenhum dos vícios de ilegalidade invocados pela então Autora [SCom01...], Lda., pelas razões desenvolvidamente expressas em sede de Contestação e que, por razões de economia processual, se deram por reproduzidas na presente reclamação.
NESTES TERMOS, E nos mais de direito, que V. Exas doutamente suprirão, deve a presente reclamação ser julgada procedente, por provada, e sobre a mesma recair acórdão que revogue a decisão do Venerando Juiz Desembargador Relator, e, consequentemente, a sentença recorrida e, em consequência, confirme o ato administrativo impugnado. Só assim se decidindo será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA! [...]“

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A Reclamada exerceu o direito ao contraditório, tendo a final apresentado as respectivas conclusões, que para aqui se extraem como segue:

“[...]
D - CONCLUSÕES:
1 - De acordo com a decisão proferida pelo T.J.U.E. em 09.03.2023, as metas de incorporação fixadas no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 são inoponíveis aos seus destinatários, desde logo porque não foram cumpridas as obrigações do Estado Português de comunicação prévia desta norma técnica à Comissão Europeia, o que retira a base legal à norma em questão, esvaziando-a do ordenamento jurídico.
2 - O Tribunal, nos processos impugnatórios, não tem de limitar a sua decisão à pronúncia sobre as causas de invalidade invocadas pelas partes, já que não só pode, como deve, identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.- Cfr. n.º 3 parte final do artigo 95.º do CPTA.
3 - Ao reclamante foi dado o contraditório quanto à questão suscitada decorrente da prolação do Acórdão do TJUE, que este exerceu por requerimento com a referência 007933350 em 26.04.2023.
4 - Ao pronunciar-se pela invalidade da norma técnica constante do artigo 11.º da Lei 2010/17 de 25-10, decorrente da violação do artigo 8.º n.º 1 da Diretiva 98/34 da U.E. que impunha a sua comunicação prévia à Comissão, antes da sua aprovação e aplicação no Estado membro, neste caso, Portugal, bem andou o Tribunal A Quo, que cumpriu expressamente o que a Lei Processual Administrativa lhe impõe.
5 - O ato administrativo impugnado foi praticado ao abrigo de uma norma técnica- artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10- que foi declarada ilegal, de acordo não só com o juízo do TJUE, mas também do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta da decisão proferida no processo 02739/17.2BEBRG-A, por Acórdão de 06-07-2023 da 1.ª Secção, (processo em que o Recorrente era de resto parte, e cuja decisão não ignora).
6 - De acordo com a decisão do TJUE, a ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional ilegal, aplicada aos destinatários particulares (como o é a aqui Autora- recorrida) torna esse ato inválido e contenciosamente impugnável por violação da lei, por erro nos pressupostos de direito – falta de base legal e no mesmo sentido se pronunciou já o STA no acórdão supra mencionado.
7 - O Tribunal, nos processos impugnatórios, também não está limitado nem no tempo, nem quanto ao conhecimento de qualquer vício gerador de invalidade do ato administrativo impugnado que não tenha sido invocado pelos particulares ou pelo Ministério Publico, sob pena de se esvaziar de sentido o disposto no artigo 95.º n.º 3 do CPTA.
8 - O Tribunal deve poder conhecer de todos os vícios que estando presentes num determinado ato sejam suscetíveis de atacar a sua validade enquanto ele não se tornar definitivo do ponto de vista da sua imposição ao particular.
9 - O facto de, decorridos os prazos p. e p. no artigo 58.º do CPTA estar vedado ao destinatário impugnar o ato ferido de anulabilidade não significa que o juiz não possa conhecer de outras causas de invalidade do ato administrativo, quando confrontado com o processo impugnatório, instaurado atempadamente, pois uma interpretação diversa esvaziaria de sentido o disposto no artigo 95.º n.º 3 segunda parte e nos artigos 161.º e 163.º todos do CPTA.
10 - O n.º 6 do artigo 161.º do CPTA refere expressamente que quando na pendência de processo impugnatório, o ato impugnado seja anulado por sentença proferida noutro processo, pode o autor fazer uso do disposto nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo para obter a execução da sentença de anulação.
11 - Como se refere no Acórdão do STA já citado, o ato em crise é inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de direito- falta de base legal. 12-Esta decisão superior conclui, no mesmo sentido, que o julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele Tribunal Europeu, quanto à interpretação fixada no direito da EU, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatória quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado, quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. (Negrito e sublinhados nossos)
13 - Além do Tribunal Nacional destinatário, ficar vinculado pela interpretação dada, o Acórdão do TJUE vincula também os outros órgãos jurisdicionais a quem seja submetida questão idêntica.(Negrito e sublinhados nossos)
14 - Os tribunais nacionais (Tribunais comuns do direito da União Europeia), tem o dever de desaplicar a legislação nacional que julguem contrária ao direito da União Europeia, em obediência ao Princípio do Primado do Direito da U.E., acautelando a garantia de proteção jurídica aos particulares decorrente do efeito direto das normas de direito comunitário.
15 - Também a defesa do interesse geral da legalidade não é contrariada pelo facto de o Tribunal fazer uso do seu direito/dever de sancionar os atos inválidos não só com os fundamentos invocados pelo particular, mas também por si, ao abrigo do disposto no artigo 95.º n.º 3 do CPTA.
16 - Na decisão sumária reclamada é feita uma correta interpretação quer do disposto no artigo 95.º n.º 3 conjugado com o disposto nos artigos 161 e 163.º do CPTA, quer as normas do Direito Comunitário, cuja direta aplicação no âmbito nacional foram asseguradas, sem que tal represente a violação, por qualquer forma, do Princípio da Tutela Jurisdicional ou da separação dos Poderes constitucionalmente consagrados, nem de qualquer outro normativo constante do Diploma Fundamental.
17 - A falta de base legal do ato administrativo que aplicou as compensações com base na norma ilegal contida no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 não é restrita ao processo em que foi declarada, antes se impõe a sua inaplicabilidade em geral, a todos os seus destinatários, o que o Tribunal A Quo reconheceu ao declarar procedente a ação, resultado da correta interpretação e aplicação do Direito da União, expresso no...

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