Acórdão nº 00918/22.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-12-20

Ano2022
Número Acordão00918/22.0BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO
1. INSTITUTO da HABITAÇÃO e da REABILITAÇÃO URBANA, IP., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Braga, datada de 14 de Setembro de 2022, no âmbito da Acção Administrativa que havia instaurado contra AA, residente na Rua ..., ..., na qual pedia (i) a cessação do contrato de arrendamento, por resolução com fundamento na falta de pagamento das rendas, (ii) a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, e ainda (iii) a condenação da Ré/Recorrida no pagamento das rendas vencidas no valor de €2.201,76, acrescidas das rendas vincendas e de juros de mora, ou subsidiariamente e, no caso de a Ré pagar o depósito liberatório previsto no art.º 1041.º do Código Civil, ser a mesma condenada no pagamento das rendas em atraso, acrescido de 20% do valor em dívida, julgou verificada a exceção dilatória de falta de interesse em agir e assim absolveu a Ré/recorrida da instância.
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2. Nas suas alegações recursivas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
I) Do valor da Causa
A) Peticionando o Autor a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a Ré e pagamento das rendas vencidas e não pagas não se reconduz tal pedido ao critério supletivo previsto no artigo 34º/1 do CPTA.
B) Antes o peticionado é avaliável pecuniariamente correspondendo ao critério fixado no Código do Processo Civil para as ações de despejo, a saber: “Nas ações de despejo, o valor é o da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior.”
C) In casu, tem aplicação o disposto no artigo 306º nº1 e 2 do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA e artigo 298º nº1 do Código de Processo Civil ex vi artigo 1º do CPTA, devendo ser fixado ao valor da causa 2 583,36€.
II) Da inutilidade superveniente da lide
D) Em data posterior à prolação do despacho que convida o Autor a pronunciar-se sobre a suscitada exceção de falta de interesse em agir e antes da prolação da sentença de que se recorre, vieram as partes requerer a extinção da ação porquanto a Ré liquidou extrajudicialmente a dívida com a mora dentro do prazo para deduzir contestação.
E) Pelo que, a questão suscitada no douto despacho (exceção de falta de interesse em agir), ficou prejudicada pela inutilidade superveniente da lide manifestada pelo Autor e Ré, devendo ser extinta a ação como requerido pelas partes.
III) Da exceção de falta de interesse em agir
F) Ainda que se considerasse ter existido a sustentada autotutela administrativa, a mesma deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24/8, cuja atual redação do nº 1 do artigo 28º determina que cabe ao aqui recorrente “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, afastando expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que as entidades administrativas levem a cabo tais procedimentos de despejo;
G) O nº 2 do artigo 28º, ao determinar que “são da competência exercida pelos dirigentes máximos, dos concelhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do art.2º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo de delegação”, apenas expressa que, qualquer despejo que seja instaurado, carece de autorização superior, no caso, do Conselho Diretivo do Autor, nada se extraindo no que respeita à propugnada autotutela declarativa e / ou executiva administrativa;
H) Também o nº 4 do citado artigo 28º que dispunha “4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação.”, foi revogado pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, donde, todas as entidades aí referidas podem levar a cabos os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, artigo 28º/1 (in fine).
I) Também os números 7 e 8 do artigo 34º da Lei 81/2014 d e19 de dezembro foram revogados pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto. Ao serem revogadas tais comunicações, deixou o senhorio de poder obter título bastante para desocupação de habitação e proceder ao despejo administrativo.
J) A única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26º da citada Lei “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais por via judicial prevista no nº 1 do artigo 28º da citada Lei.
Mas ainda que não se concorde inteiramente com o alegado, sempre se terá como claro e inequívoco que:
K) Os Acórdãos citados pelo Tribunal assentam numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa;
L) Na verdade, o diploma em causa – Lei nº 81/2014 de 19/12 – salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, isto é, veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos.
M) Assim sendo, o princípio geral estatuído na referida lei apenas poderá ser o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, lançando mão da ação judicial e pode, ainda, utilizar em alternativa a resolução extrajudicial prevista na lei se verificar que essa possibilidade é mais expedita.
N) Existindo situações em que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28º do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de ação do aqui Recorrente previsto no artigo 20º da CRP.
O) Ademais, como bem refere a Doutrina mais avisada, para que haja interesse em agir exige-se apenas uma necessidade de recorrer aos tribunais justificada, razoável e fundada. Não tem de se traduzir numa necessidade absoluta e/ou única para a realização da pretensão deduzida pelo senhorio (vide A. Varela in Manual de Processo Civil, pg. 179).
P) Está-se assim perante uma errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, e, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20º da C.R.P”.
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E termina “… deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ordenando-se a extinção da ação por inutilidade superveniente da lide, fixando-se ao valor da causa 2 583,36€.
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3. Notificada da interposição do recurso, a Ré/Recorrida AA não apresentou contra-alegações.
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4. A Digna Magistrada do M.º P.º neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, em douto e fundamentado Parecer, pronunciou-se pela procedência do recurso, sendo que, notificado às partes, estas nada disseram.
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5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
A . A decisão recorrida, sem que, concretamente, fixe qualquer factualidade, tem o seguinte conteúdo:
1 .Do valor da causa:
Cumpre fixar o valor da presente causa, nos termos do artigo 306.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil por remissão do artigo 1.º do CPTA, porquanto, e como se prevê naquela norma o valor deve ser fixado no despacho saneador, ou na sentença quando não haja lugar a despacho saneador.
Decorre, com efeito, do disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impede sobre as partes devendo o mesmo ser fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em não haja lugar a saneador, sendo então fixado na sentença.
Nos presentes autos, o Autor quer que se declare a resolução do contrato de arrendamento e que se condene o Réu a entregar a fração, assim como se condene a Ré no pagamento das rendas em atraso.
Decorre do n.º 1, do artigo 34.º do CPTA, que se consideram de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais e a normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, e do n.º 2 do mesmo preceito legal, que quando o valor da causa seja indeterminável considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.
A alçada dos Tribunais Centrais Administrativos corresponde à que se encontre estabelecida para os...

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