Acórdão nº 00480/17.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 27-05-2022

Data de Julgamento27 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão00480/17.5BEAVR
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Aveiro)
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1.AA---, Lda., com sede na Zona Industrial (…), moveu a presente ação administrativa contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, com sede na Rua de Xabregas, n.º 52., Lisboa, na sequência do despacho proferido pela Subdelegada Regional do Centro, de 24/02/2017, que determinou a revogação parcial da decisão de aprovação do apoio financeiro, de 01/06/2014, e a devolução da quantia de € 6.212,83, pedindo, em síntese, a sua anulação.
Para tanto, alega, em síntese, que o ato impugnado enferma de erro nos pressupostos, uma vez que o incumprimento do requisito da criação líquida de emprego, que fundamentou a decisão impugnada, resultou da denúncia do contrato de trabalho operada por um seu trabalhador, assim como, de vício decorrente da violação dos princípios da legalidade, da justiça e da razoabilidade.
1.2. Citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação, sustentando, em síntese, que pela contratação do trabalhador relativamente à qual foi concedido o apoio financeiro, a Autora atingiu um nível de emprego de 10 trabalhadores, sendo que no 2ª trimestre após a contratação, não cumpriu com o requisito da manutenção do nível de emprego, acrescentando que a cessação de relação contratual ocorrida, por iniciativa do trabalhador, não se enquadra em qualquer das situações previstas no n.º 8 do art.º 3º da Portaria n.º 106/2013, de 14.03.
1.3. Por despacho de 10.12.2018, foi indeferido o pedido de prestação de garantia formulado pela Autora.
1.4. Proferiu-se despacho, que indeferiu a produção de prova testemunhal por se considerar que o processo contém os elementos necessários para decidir do pedido formulado e dispensou-se a realização da audiência prévia.
1.5. Fixou-se o valor da ação em € 6.212,83, de acordo com o disposto nos artigos 31º, n.º 1 e 32º, n.º 2, do CPTA.
1.6. Proferiu-se sentença, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou procedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal julga procedente a presente ação e, em consequência, anula o despacho da Subdelegada Regional do Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, de 24.02.2017.
Condena-se o Réu em custas.
Registe e notifique.»
1.7. Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes Conclusões:
«i. Por Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, foi julgada procedente a ação administrativa interposta por AA---, LDA e, em consequência, anulado o despacho da Subdelegada Regional do Centro, de 24.02.2017, que determinou a revogação parcial da decisão de aprovação do apoio financeiro, de 01.06.2014 e a devolução da quantia de € 6.212,83.
ii. A Recorrida apresentou uma candidatura à medida Estímulo 2013, instituída pela Portaria n.º 106/2013, de 14.03., aprovada por despacho do Delegado Regional do Centro em 28.05.2014.
iii. Resulta dos termos conjugados do artigo 3º, n.º 1, alínea b), n.º 5, n.º 6 e n.º 8 da Portaria n.º 106/2013, de 14.03. que o beneficiário do apoio previsto na Medida Estímulo 2013 terá que registar, a partir da contratação, com periodicidade trimestral, e durante o período de duração do apoio financeiro, um número total de trabalhadores igual ou superior ao número de trabalhadores atingido por via do apoio e que para tal contabilização do nível de emprego não se tem em conta os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalho por motivo de invalidez, falecimento, reforma por velhice ou de despedimento com justa causa.
iv. O ato administrativo que determinou o reembolso do apoio concedido teve por fundamento o facto da Recorrida ter apresentado, no segundo trimestre posterior à contratação, nove trabalhadores ao seu serviço, quando o nível de emprego a que se obrigou manter era de dez trabalhadores, em virtude da denuncia do contrato de trabalho efetuada pelo trabalhador CC..., em 13.06.2014.
v. Preceitua-se no artigo 8º, n.º 1, da aludida Portaria que o incumprimento, por parte do empregador, das obrigações relativas à atribuição dos apoios financeiros concedidos no âmbito da presente portaria implica a imediata cessação dos mesmos e a restituição, total ou parcial, dos montantes já recebidos, sem prejuízo do exercício do direito de queixa por eventuais indícios da prática do crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública.
vi. A questão que deu origem ao presente pleito subsiste em saber se, para a contabilização do nível de emprego a que a Recorrida se obrigou a manter a partir da data da contratação apoiada, se deve atender o trabalhador que denunciou o respetivo contrato de trabalho.
vii. Relevou a Douta Sentença recorrida, que em 25.07.2014, entrou em vigor a Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, normativo que criou a Medida Estímulo Emprego, estipulando-se no seu n.º 5 do artigo 3º, a propósito do requisito da manutenção do nível de emprego previsto na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo que, para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 3, não são contabilizados os trabalhadores que tenham cessado os respetivos contratos de trabalhos por sua própria iniciativa, por motivo de invalidez, de falecimento, de reforma por velhice, de despedimento com justa causa promovido pelo empregador ou de caducidade de contratos a termo celebrados nos termos das alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, desde que a empresa comprove esse facto.
viii. Chamando à colação o n.º 2 do artigo 12º do Código Civil, infere, erradamente, o Tribunal a quo, que a Portaria 149-A/2014, de 24.07 dispõe diretamente sobre o conteúdo das relações jurídicas estabelecidas entre o empregador e a entidade concedente do apoio, abstraindo dos factos que lhe deram origem, pelo que, nos termos da segunda parte do n.º 2 do citado artigo 12.º, abrange as relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
ix. Para concluir que a ora Recorrida, à data da verificação do cumprimento do requisito da manutenção do nível de emprego, a mesma registava um número total de trabalhadores igual ao número de trabalhadores atingido por via do apoio, e que era de dez, donde, o ato impugnado incorre erro nos pressupostos, em violação do n.º 5 do art.º 3º da Portaria n.º 149-A/2014, de 24.07, o que impõe a sua anulação.
x. Tal tese inculca em grave erro de julgamento, em detrimento da unidade sistema jurídico, da certeza e da segurança jurídicas e de decisões anteriores do Colendo Tribunal Central Administrativo Norte, que consideraram taxativa a enumeração das situações previstas no do n.º 8 do referido artigo 3º da Portaria 106/2013, de 14.03.
xi. A propósito do alcance do n.º 2 do artigo 12º do Código Civil, decidiu-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-11-1999, nos autos do processo n.º 99B837 que, se a nova regulamentação legal se prende com qualquer facto produtor de certo efeito, tem ela, tão só, aplicação aos factos novos. Se a nova regulamentação se conexiona apenas ao direito, sem referência a facto que lhe deu origem, então, essa lei nova, aplicar-se-á às relações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor, aferindo-se a valoração e o entendimento de que a nova lei incorpora (ou não) nos seus pressupostos os factos geradores pela interpretação dos preceitos, particularmente, a sua ratio e os seus fins.
xii. Realizada esta interpretação, é indiscutível que a cessação do contrato de trabalho por vontade do trabalhador não consta das exceções consagradas no nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, de 27 de agosto.
xiii. De acordo com os princípios gerais de interpretação da lei, quando se procede à interpretação do nº 8 do artigo 3º da Portaria 106/2013, deve atender-se, portanto, à metodologia se extrai do artigo 9.ºdo Código Civil, segundo o qual a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
xiv. No caso em apreço, deve-se entender que foi intenção do legislador deixar de fora do elenco, taxativo, das exceções consagradas no nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, de 27 de agosto, as situações de cessação do contrato de trabalho por vontade do trabalhador, devendo o intérprete presumir que tal foi a intenção real do legislador, acompanha-se a fundamentação do Acórdão pelo Colendo Tribunal Central Administrativo Norte, em 14 de fevereiro de 2020, no âmbito do Proc. 00150/18.7BEVIS.
xv. Com efeito, o elenco do nº 8 do artigo 3º da Portaria nº 106/2013, tem carácter taxativo, sendo que a denuncia do contrato por iniciativa do trabalhador apenas veio a ser expressamente prevista, em data posterior, com a entrada em vigor do nº 5 do artigo 3º da Portaria nº 149-A/2014, de 24 de julho.
xvi. O n.º 8 do artigo 3.º da Portaria n.º 106/2013, de 14 de março, interpretado no sentido da taxatividade ou exaustividade da enumeração tem, salvo melhor opinião, na lei, toda a correspondência verbal perfeitamente expressa. Atentando na letra da lei, antolha-se que ela expressa de forma inequívoca o pensamento que presidiu à sua elaboração, e que o seu sentido e conteúdo são, exatamente, o que as suas palavras significam.
xvii. Se o legislador quisesse abarcar a situação de denúncia do contrato,...

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