Acórdão nº 00013/10.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Número Acordão00013/10.4BEVIS
Ano2024
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Viseu)
Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «AA» (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 17.05.2017, que no âmbito de impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2006, e respectivos juros compensatórios, no valor global de 51.148,25€, a julgou totalmente improcedente, inconformado vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1. A sentença ora recorrida, é totalmente incompreensível, não fundamentada quer de facto quer de direito, como tal ilegal, limitando-se a descrever posições pessoais do Meritíssimo Juiz, sem qualquer apoio na lei.
2. É falso que o impugnante não deduza factos que ponham em causa a liquidação.
3. O Exmo. Juiz, faz uma interpretação errada, tendenciosa e não actual do artigo 44º do CIRS.
4. Tendo em consideração, por um lado, aquilo que foi alegado na petição inicial da impugnação e por outro lado, os concretos elementos probatórios que constam nos autos, o ora recorrente não se conforma com a matéria de facto que, na sentença recorrida, foi dada como provada,
5. Os deduzidos na Impugnação, deveriam ter sido dados como provados com base nos documentos juntos com a p.i.
6. O Impugnante, peticionou que a liquidação em causa fosse anulada, imputando ao acto da liquidação adicional um vício de violação de lei, pelo facto de violar o princípio da tributação sobre o rendimento real, ao incidir sobre rendimentos que nunca existiram.
7. O recorrente considera que, para além dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida, deveria igualmente ter sido dado como provado, porque interessa sobremaneira à boa decisão da causa, outros dois factos.
8. O primeiro, que em 08/02/2006, foi celebrada, no Cartório Notarial ..., escritura pública de compra e venda entre o impugnante e mulher na qualidade de primeiros outorgantes, e a sociedade "[SCom01...], SA, na qualidade de segundo outorgante, através da qual os primeiros outorgantes venderam ao segundo a parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 1600 m2, a destacar de um prédio misto composto por terra de vinha, cultura, mata, nogueiras, oliveiras, figueira e pastagem, com uma casa de dois pavimentos, sita nas ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...5 rústico e ...24 — urbano, pelo preço de € 100.000.00. (Cfr. Documento n° 2 junto com a p.i.)
9. O segundo, que o comprador, como forma de pagamento ao impugnante, emitiu dois cheques, um no valor de € 90.000.00 (Cfr. Documento n.º 9) devidamente depositado na conta do impugnante (Doc. 10), e um cheque de € 9.760.00. (Cfr. Documento n° 11)
10. Ao decidir, como decidiu, a douta sentença errou quanto à valoração da prova e da matéria factual não retirando as corretas consequências jurídicas da respetiva fixação da matéria de facto dada como provada e, nessa medida, incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, e em erro de julgamento quanto à aplicação da lei.
11. Assim é, porque, desde logo, o Impugnante alegou e está demonstrado, que a liquidação adicional de IRS impugnada, assenta na consideração por parte da Administração Tributária), do valor patrimonial de um imóvel que alienaram para efeitos de cálculo de mais — valias, em substituição do valor efectivo da transacção.
12. O lmpugnante alegou a liquidação adicional enferma de errónea quantificação do valor tributável, na medida em que transmitiu efectivamente o prédio pelo valor de C 100.000.00, declarado na escritura de compra e venda, pelo que pugnou que o IRS deve ser tributado pela contraprestação efectivamente recebida, sempre que o contribuinte demonstrar que é esse o valor da transmissão, ainda que o valor patrimonial tributário seja superior, nos termos e para efeitos do artg 44º do C.I.R.S.
13. Uma interpretação contrária, como a constante da douta sentença recorrida, viola o princípio da tributação pelo rendimento real, o que é inadmissível por se tratar de um rendimento inexistente.
14. No caso dos autos, resulta do probatório que os Impugnantes venderam um imóvel a que a AT atribuiu um valor patrimonial de 191.640,00 EUR (ponto C do probatório) pelo preço de 100.000.00 EUR (cfr. ponto B do probatório).
15. Não está em causa o valor desta venda, na medida em que a AT não o questiona, nem em juízo, nem ao longo do procedimento administrativo.
16. A escritura de compra e venda, constitui um documento autêntico, exarado por oficial público provido de fé pública, nos termos do art. 363.º, n.º 2, do Código Civil de acordo com o disposto no art. 371.º, n.º 1, do CC, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentador
17. Cumpria ao Meritíssimo Juiz aferir nos presentes autos tão-somente se a AT podia ter procedido à liquidação adicional de IRS com base no valor patrimonial tributário do imóvel quando a transmissão ocorreu, efectivamente, por um valor menor.
18. É convicção do Impugnante que se tinha que dizer que não.
19. O art. 44.º, n.º 2, do CIRS, na redacção à data em vigor, não prevê um qualquer mecanismo que permita ao contribuinte demonstrar que o valor da aquisição foi efectivamente inferior ao valor patrimonial tributário.
20. 0 mesmo não sucede no caso dos rendimentos empresariais e profissionais.
21. Poder-se-ia entender que, se o legislador estabelece mecanismos para afastar a aplicação do valor patrimonial do bem no caso dos rendimentos profissionais e no caso do IRC, mas não o fez para efeitos de mais-valias do IRS (como, de resto, hoje faz), então é porque há uma vontade clara de, nestes casos, não o permitir.
22. No entanto o Impugnante não sufraga, porém, um tal entendimento.
23. Já que, no direito fiscal vigora o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade consagrado no art. 13.9 da Constituição da República Portuguesa.
24. Assim sendo, constitui pressuposto dos impostos a capacidade contributiva, revelada através do rendimento, da utilização do rendimento ou do património (art. 4.°, n.º 1, do CIRS).
25. É certo que tal rendimento pode ser aferido em termos meramente presumidos, como é o caso do art. 44.º, n.° 2, do CIRS sob análise.
26. Contudo, nos termos do art. 73.° da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que o art. 44.°, n.° 2, do CIRS deve ser interpretado em conjugação com a proibição do art. 73.9 da LGT.
27. Assim sendo, o art. 44.°, n.° 2, do CIRS consagra uma presunção que admite prova em contrário por parte do contribuinte, podendo este fazer prevalecer o valor efectivo da transacção sempre que o demonstre devidamente, como o foi no presente processo.
28. _Entende o recorrente que a sentença recorrida errou no julgamento efetuado, desde logo quanto ao pedido e à causa de pedir formulado pelo impugnante, já que este não pretende demonstrar que o valor da transação (da venda) foi inferior ao valor resultante da avaliação do imóvel para efeitos do imposto municipal sobre imóveis, mas o facto de a liquidação não ter tido por base como valor de realização o valor declarado na escritura pública de compra e venda e que foi o efetivamente praticado.
29. No presente processo, o que está verdadeiramente em causa é uma ilegalidade da própria liquidação a qual, no entender do impugnante, não poderia ter tido por base o acto de fixação do valor patrimonial de imóveis na situação como a dos autos em que o valor declarado da venda foi o efetivamente recebido.
30. Acrescenta o facto de que o preço efetivamente praticado na transação do prédio em causa foi o declarado na escritura de compra e venda, afastando, por conseguinte, a possibilidade que a tributação do recorrente incida sobre um valor apurado de acordo com uma ficção jurídica (a de que a venda tenha sido realizada pelo valor patrimonial tributário, por ser este montante superior ao valor da escritura de venda.
31. O recorrente tem direito a ser tributado de acordo com a matéria colectável real e não fictícia.
32. Perante o tudo referido, o Meritíssimo Juiz errou quanto à valoração da prova e da matéria factual e, nessa medida, incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e à aplicação da lei e não podia deixar de considerar procedente ❑ invocado vício de violação de lei, por erro de direito da Administração Fiscal, que consequentemente, incorreu em violação do art. 44.°, n.ºs 1 e 2, do CIRS, em conjugação com o disposto no art. 73.° da LGT, bem como do art.° 13º da C.R.P. devendo nessa medida o ato de liquidação adicional ter sido anulado.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. Exªs., DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO A ESPERADA JUSTIÇA».
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 123 do SITAF, no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos da decisão recorrida.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a...

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