Acórdão nº 00002/16.5BEMDL-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-09-30

Data de Julgamento30 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão00002/16.5BEMDL-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Mirandela)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I - RELATÓRIO
MUNICÍPIO DE MIRANDELA [devidamente identificados nos autos], Autor na acção que intentou contra a sociedade comercial AN..., SA[também devidamente identificada nos autos], inconformado com o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datado de 23 de fevereiro de 2022, pelo qual foi condenado em 3 [três] UC, por não ter comparecido à tentativa de conciliação para que tinha sido convocado, veio apresentar recurso de Apelação.
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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:
III - CONCLUSÕES
1.° O presente recurso foi interposto contra o despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela em sede de tentativa de conciliação realizada no dia 23 de Fevereiro p.p., que considerou injustificada a ausência à tentativa de conciliação e condenou o A. no pagamento de uma multa de 3 unidades de conta.
2.° Salvo o devido respeito, o despacho em recurso incorre em flagrante erro de julgamento e representa um claro abuso do poder por parte do Sr. Juiz a quo, o qual começa por ser o primeiro a desrespeitar o dever de cooperação para depois sancionar uma das partes com argumento de que não cooperou na realização de uma diligência dilatória, que não se ignorava estar votada ao fracasso, que não era necessária ser feita presencialmente no actual quadro pandémico, que nem sequer era estritamente proporcional aos interesses em presença e que até foi expressamente requerida que fosse realizada por videoconferência à luz da lei que regula transitoriamente a referida situação pandémica.
Na verdade,
3.° É pacífico que o dever de cooperação não impende apenas sobre as partes e demais intervenientes processuais, antes sendo os magistrados judiciais os primeiros destinatários de tal dever e os primeiros a darem o exemplo do cumprimento do mesmo, uma vez que, como bem nota a doutrina, "(...) a cooperação é uma responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais, com destaque para o juiz..." (v. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.a Edição, Almedina, 2020, pág. 36).
4.° Ora, salvo o devido respeito, quem violou o dever de cooperação foi o Sr. Juiz a quo, o qual marca uma tentativa de conciliação quando não deveria ignorar que noutros processos em tudo semelhantes e a correrem no mesmo Tribunal as partes não haviam logrado alcançar qualquer acordo e se havia frustrado a SUO conciliação - nomeadamente em sede de julgamento do Proc. n.° 24/15.3BEMDL - e quando o presente processo está desde 2016 a aguardar a marcação da data de realização da audiência de discussão e julgamento, onde será obrigatório promover-se a tentativa de conciliação entre as partes.
Acresce que,
5.º O Sr. Juiz a quo condenou o A. em multa por não ter comparecido a uma tentativa de conciliação que o mandatário do A. expressamente havia requerido que fosse efectuada por Webex, ao abrigo do disposto no Regime Processual Excepcional e Transitório aprovado pela Lei n.° 13-B/2021, que por questões de saúde pública e para protecção de todos os intervenientes determina que as diligências sem a presença de testemunhas serão efectuadas preferencialmente por meios à distância.
6.° Consequentemente, e para além de fomentar o risco de contaminação e de nem sequer fundamentar a razão da conveniência de uma tentativa de conciliação ser feita presencialmente e não por webex, a verdade é que o mais elementar dever de cooperação exigiria que o juiz a quo promovesse a salvaguarda da saúde dos intervenientes e se evitasse a sua inútil ou, pelo menos, não imperiosa deslocação a Mirandela - e o mandatário do A. tem domicílio profissional a mais de 150 kilómetros de Mirandela —, razão pela qual a recusa da tentativa de conciliação por videoconferência não só representa um acto abusivo e desproporcional por parte do sr° Juiz a quo, como seguramente traduz uma clara violação do dever de cooperarão que sobre ele também impende.
7.º Por isso mesmo, e uma vez que a imposição de uma conciliação presencial era de todo desproporcional e não constituía sequer a colaboração devida (e recorde-se que o n.° 2 do art.° 417.° do CPC apenas prevê a possibilidade de se aplicar uma multa em caso de recusa da colaboração que seja devida) e proporcional em face da situação actual, antes representando uma violação do dever de colaboração por parte do próprio Sr. Juiz a quo, é por demais manifesto que a aplicação de uma multa ao A. por não ter comparecido presencialmente a tal tentativa é manifestamente injusta, desproporcional e ilegal, violando frontalmente o disposto nos art.°s 7.° e 417.°/2 do CPC.
8.° Neste sentido, recorde-se que a Jurisprudência mais ponderada dos tribunais superiores vem deixando bem claro que:
"...O sancionamento em multa pressupõe que se teve como exigível à parte a comparência pessoal na tentativa de conciliação. (...) Não resultando do despacho que agendou a tentativa de conciliação, nem dos posteriormente proferidos que se fez essa ponderação, não se indicando as concretas razões pelas quais se entende dever a parte comparecer à diligência (...) a falta da parte à diligência em questão não deve ser encarada como violação do dever de cooperação". (v. Ac .° Tribunal da Relação de Évora, de 08/11/2018, Proc. n.°14/15.6T8SLV-B.E1)
Por outro lado,
9.° Ainda que por hipótese a exigência da tentativa de conciliação ser presencial tivesse sido minimamente justificada e fosse necessária e estritamente proporcional aos interesses em questão, a verdade é que ela colocaria em conflito os deveres de cooperação com o Tribunal e de protecção da saúde dos intervenientes, pelo que, havendo um conflito entre ambos os direitos, não só a sua harmonização passaria por a tentativa de conciliação ser feita por sistema de videoconferência, como seguramente não pode uma das partes ser penalizada e sofrer uma multa por ousar proteger o seu direito fundamental à saúde em vez de cumprir as ordens dadas pelo Sr. Juiz a quo, ainda que absolutamente desproporcionais e mesmo ilegais.
Acresce, ainda que,
10.° O erro de julgamento em que incorreu o despacho em recurso decorre ainda do facto de ter aplicado uma multa a quem utilizou uma prerrogativa concedida por lei para não estar presente na tentativa de conciliação - dada pelo n.° 2 do art.° 594.° do CPC, ao permitir que a parte conceda poderes especiais de representação ao seu mandatário para o representar em tal tentativa de conciliação -, razão pela qual não pode ser punido por violar o dever de cooperação quando utilizou uma prerrogativa que a lei lhe concede para não ter de prestar a cooperação devida (estar presente por si).
11.° Consequentemente, ao condenar por não estar presente na tentativa de conciliação quem utilizara uma prerrogativa concedida por lei para não ter de comparecer pessoalmente a tal tentativa, o despacho e recurso "erra o alvo" e viola frontalmente o disposto no n.° 2 do art.° 594.° do CPC e nos art.°s 1157.° e 1178.° do Código Civil.
Por fim,
12.º O art.° 594.° do CPC não prevê qualquer sanção para a falta das partes à tentativa de conciliação (v. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.° Edição, Almedina, 2020, pág. 718), razão pela qual não há fundamento legal para a aplicação de qualquer multa ao A. por não ter comparecido a tal tentativa de conciliação, o que, aliás, levaria ao absurdo de também se ter de punir a parte que decidisse não comparecer ao julgamento da acção que ela própria tivesse proposto, quando, na verdade, a lei apenas permite que a ausência da parte e da prova que lhe competia seja valorada livremente pelo juiz para efeitos probatórios (v. n.° 2 do art.° 417.° do CPC).
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogado o despacho que aplicou a multa ao A. por não ter comparecido presencialmente à tentativa de conciliação de um processo que aguarda a marcação de julgamento desde 2016.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA!“
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A Recorrida AN..., SAnão apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho pelo qual admitiu o recurso interposto, fixando ainda os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteada nas conclusões apresentadas consiste, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, mormente quanto à sua condenação em multa por não ter comparecido à tentativa de conciliação que havia sido determinada pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo.
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III – FUNDAMENTOS
IIIi - Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar as...

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