Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2023

ELIhttps://data.dre.pt/eli/actconst/197/2023/05/10/p/dre/pt/html
Data de publicação10 Maio 2023
Data29 Janeiro 2016
Gazette Issue90
SectionSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional
N.º 90 10 de maio de 2023 Pág. 25
Diário da República, 1.ª série
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 197/2023
Sumário: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas
nos n.os 4 e 5 do artigo 2.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na redação da
Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto (Novo regime do arrendamento apoiado para habita-
ção); não toma conhecimento, por inutilidade superveniente, do pedido de apreciação
e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma jurídica
regulamentar, constante do artigo 15.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento do Regime de
Acesso, Atribuição e Gestão do Parque Habitacional do Município de Tavira, entretanto
revogada.
Processo n.º 401/20
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I — Relatório
1 — A Procuradora -Geral da República requereu, ao abrigo da competência que lhe é confe-
rida pela alínea a) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (doravante,
CRP) e pela alínea c) do n.º 1 do artigo 19.º do Estatuto do Ministério Público (aprovado pela
Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de março), a apreciação e
declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma jurídica legal constante
das disposições conjugadas dos n.os 4 e 5 do artigo 2.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, na
redação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto; e, ainda, a apreciação e declaração de inconstitu-
cionalidade, com força obrigatória geral, da norma jurídica regulamentar constante do artigo 15.º,
n.º 1, alínea b), do “Regulamento do Regime de Acesso, Atribuição e Gestão do Parque Habitacio-
nal do Município de Tavira”, aprovado por deliberação de 29 de fevereiro de 2016, da Assembleia
Municipal de Tavira.
2 — O fundamento do pedido radica na desconformidade «da norma jurídica legal constante das
disposições conjugadas dos n.
os
4 e 5, do artigo 2.º (Âmbito), da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro,
na redação da Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto», com «a proibição constitucional de emissão de
habilitação legal para editar regulamentos municipais autorizados (ou delegados), modificativos ou
integrativos, em matéria reservada à lei parlamentar», o que implicará a sua inconstitucionalidade
material, em face dos artigos 111.º, n.º 2 e 112.º, n.º 5, da CRP; e no desrespeito, por parte da
«norma jurídica regulamentar, municipal, constante do artigo 15.º (Causas de improcedência liminar
da candidatura), n.º 1, alínea b), do RRAAGPH, aprovado por deliberação de 29 de fevereiro de
2016, da Assembleia Municipal de Tavira», dos artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 18.º, n.º 2, 65.º, n.º 3, l.ª parte,
112.º, n.º 5, e 241.º, todos da CRP, «por consagrar uma condição regulamentar de prévia residên-
cia no “concelho de Tavira há, pelo menos, 5 anos”», a qual «tem caráter modificativo, excessivo
e restritivo dos pressupostos legais do “direito de acesso à atribuição de habitações em regime
de arrendamento apoiado”, estabelecidos nos artigos 5.º, n.º 1 e 6.º, n.os 1 a 4, da Lei n.º 81/2014,
de 19 de dezembro (ulteriormente alterada e republicada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto),
assumindo assim prerrogativas que são do domínio reservado da lei parlamentar», o que implica
a sua inconstitucionalidade material ou orgânica (itálicos no pedido).
Vem ainda peticionada a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e de
ilegalidade, de modo a que os mesmos se produzam apenas retrospetivamente, a partir da
publicação no jornal oficial da “decisão limitativa” a proferir nos autos, e sem eficácia repristinatória
(cf. artigo 282.º, n.º 4, da CRP).
Em termos mais específicos, o pedido de declaração de inconstitucionalidade encontra -se fun-
damentado nos seguintes termos (transcrição parcial, sem destaques e sem notas de rodapé):
«[...]
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I
(Artigo 65.º, n.º 3, da Constituição)
a) Política de renda compatível com o rendimento familiar
1.º
A parte I (Direitos e deveres fundamentais), título III (Direitos e deveres económicos, sociais
e culturais), capítulo II (Direitos e deveres sociais), da Constituição, integra, designadamente, o
artigo 65.º (Habitação e urbanismo).
2.º
No que agora especialmente releva, importa considerar o n.º 3 deste preceito, o qual dispõe:
“O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o
rendimento familiar e de acesso à habitação própria”.
3.º
Este enunciado normativo tem como destinatário o “Estado”, o qual está assim constitucional-
mente adstrito à incumbência (fim ou tarefa) de criar, pôr em prática e manter “uma política tendente
a estabelecer”, nomeadamente, “um sistema de renda compatível com o rendimento familiar”.
b) Idem: reserva constitucional de Estado
4.º
Importa aqui e agora salientar duas notas quanto à competência constitucional, prevista neste
artigo 65.º, n.º 3, da Constituição, uma de cariz subjetivo (o destinatário em causa) e outra de cariz
objetivo (o tipo de poder em causa).
5.º
Assim, quanto ao destinatário, a contraposição decorrente da epígrafe, “Habitação e urbanismo”,
e bem assim do confronto da previsão do preceito do n.º 3 com o ulterior preceito do n.º 4, ambos
deste artigo 65.º, é instrutiva para os nossos efeitos.
6.º
Com efeito, no logo subsequente n.º 4, para as matérias atinentes à definição das “regras de
ocupação, uso e transformação dos solos urbanos”, a imposição constitucional tem como destina-
tário não apenas o “Estado”, mas, ainda as “regiões autónomas” e as “autarquias locais”.
7.º
Assim, do ponto de vista das valorações e decisões constitucionais de fundo, enquanto o
“urbanismo” (hoc sensu) é uma incumbência partilhada entre o Estado, as regiões autónomas e
as autarquias locais, já a matéria da “política de renda compatível” é uma incumbência imputada
ao Estado.
8.º
Isto, decerto, sem prejuízo das responsabilidades executivas das regiões autónomas e das
autarquias locais, até mesmo porque esta “política de renda compatível” será tipicamente uma
manifestação do que a melhor doutrina identifica como matéria “carec[endo] de disciplina normativa
para a comunidade nacional, embora com execução relegada para os órgãos autárquicos”.
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9.º
Assim sendo, em conclusão, no plano das valorações e decisões constitucionais de fundo,
a “política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar”,
pela sua relevância existencial, social e económica é de interesse, alcance e relevância nacional,
sendo assim objeto de uma reserva constitucional de Estado, sem embargo das responsabilidades
executivas das regiões autónomas e das autarquias locais.
10.º
Por outra parte, este preceito, tendo como destinatário declarado o Estado, exprime uma norma
programática (ou imposição legiferante), recortada no âmbito de um direito fundamental social e
que, ex vi constitutione, é posta a cargo do mesmo.
11.º
A propósito deste preceito constitucional, alude com efeito a melhor doutrina a uma “diretriz
programática, de um dever político imposto ao Estado no sentido deste adoptar as providências
adequadas à realização — tão desejável — do nobre ideal que é o de todos poderem realmente
ter, para si e sua família, uma habitação condigna, com os requisitos enunciados no citado preceito
constitucional [artigo 65.º]. Tanto isto assim é que o mesmo artigo, nos seus números seguintes,
enuncia as grandes linhas do que o Estado deve fazer para atingir o assinalado objectivo [...]
adoptar uma política de rendas compatíveis com o rendimento familiar [...] a este [Estado] cabe a
responsabilidade política de planear, adoptar e executar providência[s] tendentes a criar as condi-
ções necessárias para todos poderem ter habitação condigna. E tarefa de que têm de se ocupar
os órgãos legislativos, governativos, administrativos [...]”.
12.º
Sendo uma
norma programática
, vinculada ao cumprimento da “política de renda compatível”,
os tempos e modos de materialização da mesma relevam da esfera da liberdade de conformação
do legislador, e estão sob reserva do possível, aqui por maioria de razão, em face da particular
natureza da realidade social, económica e financeira que lhe está subjacente.
13.º
Em qualquer caso, tal liberdade de conformação está sempre sujeita aos critérios e limites
constitucionais gerais do exercício do poder legislativo, nomeadamente aos princípios da univer-
salidade, igualdade e da proporcionalidade (arts. 12.º, 13.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.º 2, enquanto lídima
expressão do Estado de direito democrático, art. 2.º, todos da Constituição).
b) Reserva de lei
14.º
Em consonância com a aludida credencial constitucional, o Estado, pela Assembleia da Repú-
blica, assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, veio a decretar a Lei n.º 81/2014,
de 19 de dezembro (Estabelece o novo regime do arrendamento apoiado para habitação e revoga
a Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, e os Decretos -Leis n.os 608/73, de 14 de novembro, e 166/93, de
7 de maio), ulteriormente alterada e republicada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de agosto (Primeira
alteração à Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro, que «estabelece o novo regime do arrendamento
apoiado para habitação e revoga a Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, e os Decretos -Leis n.os 608/73,
de 14 de novembro, e 166/93, de 7 de maio»).
15.º
Esse diploma legal tem por objeto estabelecer o regime do arrendamento apoiado para habi-
tação e regular a atribuição de habitações no mesmo (art. 1.º).

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