Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 535/2022

ELIhttps://data.dre.pt/eli/actconst/535/2022/09/01/p/dre/pt/html
Data de publicação01 Setembro 2022
Data15 Junho 2022
Gazette Issue169
SectionSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional
N.º 169 1 de setembro de 2022 Pág. 11
Diário da República, 1.ª série
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 535/2022
Sumário: Pronuncia-se pela inconstitucionalidade de todas as normas constantes do Decreto
enviado ao Representante da República para a Região Autónoma da Madeira para
assinatura como decreto legislativo regional intitulado «Adaptação à Região Autónoma
da Madeira do Decreto-Lei n.º 107/2018, de 29 de novembro, que concretiza o quadro
de transferência de competências para os órgãos municipais no domínio do estacio-
namento público», aprovado em sessão plenária da Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira no dia 15 de junho de 2022.
Processo n.º 774/22
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1 — O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira (doravante RAM)
requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.os 2 e 3, da Consti-
tuição da República Portuguesa (doravante CRP) e dos artigos 57.º e seguintes da Lei n.º 28/82,
de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
adiante designada por LTC), a fiscalização preventiva, e a consequente pronúncia pela inconstitu-
cionalidade, de todas as normas constantes do Decreto que lhe foi enviado para assinatura como
decreto legislativo regional intitulado «Adaptação à Região Autónoma da Madeira do Decreto -Lei
n.º 107/2018, de 29 de novembro, que concretiza o quadro de transferência de competências para
os órgãos municipais no domínio do estacionamento público», aprovado em sessão plenária da
Assembleia Legislativa da RAM (doravante ALRAM) no dia 15 de junho de 2022 e recebido, no seu
Gabinete, no dia 8 de julho de 2022.
2Parâmetros da constitucionalidade invocados
O requerente alega que as normas objeto do pedido violam os artigos 165.º, n.º 1, alínea q),
227.º, n.º 1, alíneas a) e b), 228.º, n.º 1, e 237.º, n.º 1, da CRP, em virtude da ausência de com-
petência legislativa do legislador regional, sendo, por isso, organicamente inconstitucionais, por
invadirem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
3Fundamento do pedido
Os fundamentos apresentados no pedido para sustentarem a inconstitucionalidade das normas
impugnadas são os seguintes (sem assinalar os itálicos e os destacados):
«[...]
I
Enquadramento
1 — Através do decreto intitulado “Adaptação à Região Autónoma da Madeira do Decreto -Lei
n.º 107/2018, de 29 de novembro, que concretiza o quadro de transferência de competências para
os órgãos municipais no domínio do estacionamento público”, pretende a Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira que, na Região, os “órgãos municipais territorialmente competentes”
passem a ser detentores de competência para, nos termos do respetivo artigo 2.º, n.º 1:
a) A regulação e fiscalização do estacionamento nas vias e espaços públicos, dentro das
localidades, para além dos destinados a parques ou zonas de estacionamento, quer fora das loca-
lidades, neste caso desde que estejam sob jurisdição municipal;
b) A instrução e decisão de procedimentos contraordenacionais rodoviários por infrações leves
relativas a estacionamento proibido, indevido ou abusivo nos parques ou zonas de estacionamento,
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vias e nos demais espaços públicos quer dentro das localidades, quer fora das localidades, neste
caso desde que estejam sob jurisdição municipal, incluindo a aplicação de coimas e custas.”
O n.º 2 do referido artigo 2.º acrescenta ainda que “O disposto no número anterior não obsta
a que empresas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob
jurisdição municipal possam exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que
lhe estão concessionadas, nos termos do Decreto -Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro.”
2 — O Decreto -Lei n.º 107/2018, de 29 de novembro, que o legislador regional pretende
agora adaptar, “concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais
no domínio do estacionamento público”. O artigo 2.º deste decreto -lei é de conteúdo idêntico ao do
citado artigo 2.º do decreto regional ora sob apreciação (o mesmo sucedendo com grande parte
das suas restantes normas, face ao decreto -lei cuja adaptação se pretende).
3 — O Decreto -Lei n.º 107/2018, de 29 de novembro, surgiu na sequência da Lei n.º 50/2018, de
16 de agosto, intitulada “Lei -quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para
as entidades intermunicipais” (doravante também simplesmente referida como “Lei -quadro”).
4 — Nos termos do seu artigo 1.º, a Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto, “estabelece o quadro
da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais,
concretizando os princípios da subsidiariedade, da descentralização administrativa e da autonomia
do poder local”.
5 — Muito embora o artigo 3.º da Lei -quadro estabeleça que “[a] transferência das novas
competências tem caráter universal”, o artigo 9.º, n.º 1, determinou que “[o] disposto na presente
lei não abrange as atribuições e competências das regiões autónomas.”
6 — Assim, segundo o n.º 2 do mesmo artigo 9.º da Lei -quadro, “[a] transferência de atribui-
ções e competências para as autarquias locais nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira é
regulada por diploma próprio, mediante iniciativa legislativa das respetivas assembleias legislativas,
nos termos da alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º, do n.º 1 do artigo 167.º e da alínea f) do n.º 1 do
artigo 227.º da Constituição, tendo em conta os princípios da autonomia regional e da especificidade
da relação entre os órgãos dos governos regionais e as autarquias locais”.
7 — É justamente o disposto neste artigo 9.º da Lei -quadro que revela a questão de constitu-
cionalidade relativamente ao decreto objeto do presente requerimento: pois se a lei ao abrigo da
qual foi emitido o decreto -lei que a Região Autónoma da Madeira pretende adaptar não vigorar para
as regiões autónomas, tendo em conta que a matéria em causa — atribuições e competências das
autarquias locais — pertence à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da Repú-
blica [artigo 165.º, n.º 1, alínea q), da Constituição da República Portuguesa, doravante “CRP”], o
decreto de adaptação pode ofender os limites da competência legislativa regional emergentes do
disposto nos artigos 227.º e 228.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
8 — No caso do decreto em apreço, está apenas em causa o âmbito material do estaciona-
mento público (permita -se -nos dizer assim de forma simplificada). Até ao momento, aliás, não foi
enviado ao Representante da República para assinatura qualquer outro diploma regional sobre
transferência de competências para as autarquias locais na Região Autónoma da Madeira.
9 — Porém, atentando no elenco legislativo nacional, é possível, senão provável, que outros
se lhe sigam.
10 — Como é sabido, o artigo 4.º, n.º 1, da Lei -quadro estabelece que “[a] transferência das
novas competências, a identificação da respetiva natureza e a forma de afetação dos respetivos
recursos são concretizadas através de diplomas legais de âmbito setorial relativos às diversas áreas
a descentralizar da administração direta e indireta do Estado, os quais estabelecem disposições
transitórias adequadas à gestão do procedimento de transferência em causa”.
11 — Ao abrigo desta última norma, o Governo da República emitiu já um considerável acervo
de decretos -leis de concretização da descentralização, a saber:
a) O Decreto -Lei n.º 97/2018, de 27 de novembro, que concretiza a transferência de compe-
tências para os órgãos municipais no domínio das praias marítimas, fluviais e terrestres;

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