Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 367/2018

Data de publicação17 Outubro 2018
SectionSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 367/2018

Processo n.º 106/2018

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I - A Causa

1 - O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei Orgânica n.º 11/2015 de 28 de agosto, doravante LTC), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação, pelo Plenário, da constitucionalidade das normas constantes do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2 do artigo 3.º e n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia (RTMPC), aprovado por regulamento aprovado pela Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia em 15 de junho de 2011.

Indica o Ministério Público que tais normas foram julgadas inconstitucionais em três casos concretos, subjacentes aos Acórdãos n.º 418/2017, n.º 611/2017 e n.º 17/2018, e que o mesmo juízo de inconstitucionalidade foi retomado nas Decisões Sumárias n.os 14/2018 e 15/2018, tendo todas as referidas decisões transitado em julgado.

1.1 - Notificado nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Presidente da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia não se pronunciou sobre o pedido do Ministério Público.

1.2 - Os Acórdãos n.º 418/2017, n.º 611/2017 e n.º 17/2018 pronunciaram-se no sentido da inconstitucionalidade das normas supracitadas e transitaram em julgado, pelo que se têm por verificadas as condições previstas no artigo 82.º da LTC.

O Requerente tem legitimidade para deduzir o pedido.

Assim, discutido o memorando, apresentado pelo Presidente do Tribunal, a que se refere o artigo 63.º, n.º 1, da LTC, cumpre elaborar o acórdão em conformidade com o entendimento alcançado em Plenário.

II - Fundamentação

2 - Trata-se, nos presentes autos, de apreciar um pedido de generalização do juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal afirmou em três casos concretos relativamente às normas constantes dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, do Regulamento da Taxa de Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia (sendo que a circunstância de ter sido, entretanto, revogada, pela Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, em 07/12/2017 [cf. Regulamento n.º 15/2018, DR, 2.ª série, de 09/01/2018], não afasta, só por si, o funcionamento do mecanismo processual previsto no artigo 82.º da LTC).

2.1 - As normas em causa foram objeto de um juízo de inconstitucionalidade no Acórdão n.º 418/2017, no qual foi ponderado o seguinte:

"[...]

A este respeito, deveremos atender ao que consta do "Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Vila Nova de Gaia" (doravante, RTMPC).

2.2.1 - Este Regulamento começa por descrever a atividade de proteção civil em geral e no âmbito municipal (por referência à Lei n.º 27/2006, de 3 de julho - Lei de Bases da Proteção Civil -, e à Lei n.º 65/2007, de 12 de novembro, que define o enquadramento institucional e operacional da proteção civil no âmbito municipal, estabelece a organização dos serviços municipais de proteção civil e determina as competências do comandante operacional municipal), acentuando a vertente das atividades de prevenção. Com efeito, no preâmbulo do RTMPC a justificação genérica da imposição da taxa surge-nos afirmada nos termos seguintes:

'[...]

A proteção civil [constitui] um dever repartido entre o Estado, as Regiões Autónomas e as Autarquias Locais, por um lado, e de todos os cidadãos e entidades públicas e privadas por outro.

O cidadão tem o direito de ter à sua disposição informações concretas sobre os riscos coletivos e como os prevenir e minimizar os seus efeitos, caso ocorram. Tem, também, direito a ser prontamente socorrido sempre que aconteça um acidente ou catástrofe.

A este direito corresponde, todavia, um dever de comparticipar na despesa pública local gerada com a proteção civil na área do seu Município de forma a tornar o sistema de proteção civil municipal sustentável do ponto de vista financeiro.

O artigo 5.º, n.º 2 Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, prevê a possibilidade de as autarquias locais criarem taxas para financiamento de utilidades geradas pela realização de despesa pública local, quando desta resultem utilidades divisíveis que beneficiem um grupo certo e determinado de sujeitos, independentemente da sua vontade, estipulando a alínea j) do n.º 1 do seu artigo 6.º que as taxas das autarquias locais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela atividade dos municípios, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil.

No âmbito da proteção civil, o Município atua nos mais diversos domínios, como sejam o levantamento, previsão, avaliação e prevenção dos riscos coletivos; a análise permanente das vulnerabilidades perante situações de risco; a informação e formação das populações, visando a sua sensibilização em matéria de autoproteção e colaboração com as autoridades; o planeamento de soluções de emergência, visando a busca, o salvamento, a prestação do socorro e de assistência, bem como a evacuação, alojamento e abastecimento das populações; a inventariação dos recursos e meios disponíveis e dos mais facilmente mobilizáveis; o estudo e divulgação de formas adequadas de proteção de edifícios em geral, de monumentos e de outros bens culturais, de infraestruturas, de instalações de serviços essenciais, do ambiente e dos recursos naturais.

O Município de Vila Nova de Gaia tem vindo, desta forma, ao longo dos anos: a investir acentuadamente na área da proteção civil e da prevenção de riscos. Para além do Corpo de Sapadores Bombeiros, tem em permanente funcionamento a Comissão Municipal de Proteção Civil e a Comissão Municipal de Defesa da Floresta Contra incêndios, promovendo de forma regular e continuada atividades de formação cívica com especial incidência nos domínios da prevenção contra o risco de incêndio, acidentes químicos, ventos ciclónicos, cheias e outras catástrofes, merecendo especial destaque as ações de formação junto das escolas.

Nesta conformidade, e em cumprimento do novo enquadramento legal, o presente Regulamento vem fixar as condições de criação, lançamento, liquidação e cobrança da taxa municipal de prevenção de riscos e proteção civil, doravante designada abreviadamente por TMPC.

[...]".

Destacam-se, na "construção" desta taxa, as seguintes normas do RTMPC (que incluem as normas objeto de recusa pelo Tribunal a quo):

Artigo 2.º

Objeto

1 - O presente Regulamento estabelece as disposições respeitantes à liquidação, cobrança e pagamento da taxa municipal de proteção civil devida pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil, doravante designada abreviadamente por TMPC.

2 - A TMPC tem por objeto compensar financeiramente o Município pela despesa pública local, realizada no âmbito da prevenção de riscos e da proteção civil e constitui a contrapartida do Município por:

a) Prestação de serviços de bombeiros e de proteção civil;

b) Funcionamento da comissão municipal de proteção civil;

c) Funcionamento da comissão municipal de defesa da floresta contra incêndios;

d) Cumprimento e execução do plano de emergência municipal;

e) Prevenção e reação a acidentes graves e catástrofes, de proteção e socorro de populações; e

f) Promoção de ações de proteção civil e de sensibilização para prevenção de riscos.

Artigo 3.º

Âmbito de aplicação

1 - A TMPC aplica-se às pessoas singulares ou coletivas proprietárias de prédios urbanos ou rústicos sitos na área do Município de Vila Nova que Gaia.

2 - A TMPC aplica-se, de igual forma, às entidades gestoras das infraestruturas instaladas, total ou parcialmente, no Município de Vila Nova do Gaia, designadamente as rodoviárias e ferroviárias, de gás, de eletricidade, televisão, telecomunicações, portuárias e de abastecimento.

3 - Para efeitos do n.º 1 do presente artigo, considera-se proprietário o sujeito passivo de Imposto Municipal sobre Imóveis.

Artigo 4.º

Taxa

1 - O montante da TMPC a pagar pelo sujeito passivo resulta da aplicação dos critérios económico-financeiros constantes do Anexo I ao presente Regulamento.

2 - A taxa a cobrar pelo Município é anual e consta do Anexo II do presente Regulamento.

3 - A liquidação da taxa consta de documento de cobrança próprio que será enviado aos proprietários de imóveis sitos no Concelho e será efetuada em simultâneo com a cobrança do IMI.

4 - No caso das entidades gestoras das infraestruturas a liquidação da taxa será efetuada por carta registada.

5 - Caso os sujeitos passivos referidos no número três se encontrem isentos do pagamento de IMI nos termos da legislação em vigor, durante o período em que a isenção vigorar a liquidação da taxa será efetuada por carta registada.

Em anexo ao RTMPC encontra-se uma exposição designada "fundamentação económico-financeira" do valor da TMPC que, no que ora importa reter (ou seja, quanto às "entidades gestoras das infraestruturas instaladas", como sucede com a Impugnante), estabelece o seguinte:

"[...]

2 - Pressupostos e condicionantes

Para a elaboração do presente estudo foram tidas em consideração os seguintes pressupostos e condicionantes:

-- O Município de Vila Nova de Gaia ainda não tem implementada a contabilidade de custos que permita identificar com rigor os custos de funcionamento das diversas unidades orgânicas, assim como o valor dos equipamentos municipais utilizados nos processos onde são cobradas taxas;

-- No cálculo dos custos foram atendidos princípios de eficiência organizacional e da razoabilidade dos valores apresentados pelo Serviço;

-- No cálculo do valor das taxas foi respeitado o princípio da proporcionalidade;

-- Foi ainda considerado um custo social suportado pelo Município, funcionando como uma comparticipação ao custo real de determinados serviços.

3 - Taxas Municipais de Proteção Civil Propostas e sua Justificação

De...

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