Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 68/2024

Data de publicação23 Fevereiro 2024
ELIhttps://data.dre.pt/eli/actconst/68/2024/02/23/p/dre/pt/html
Número da edição39
SeçãoSerie I
ÓrgãoTribunal Constitucional
N.º 39 23 de fevereiro de 2024 Pág. 26
Diário da República, 1.ª série
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 68/2024
Sumário: Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas no
artigo 11.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2020/M, de 2 de outubro, da Assem-
bleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e nos artigos 4.º, n.º 2, 8.º e 9.º do
Decreto Regulamentar Regional n.º 1/2021/M, de 25 de janeiro, do Governo da Região
Autónoma da Madeira; não restringe os efeitos da referida declaração de inconstitucio-
nalidade e, nomeadamente, a sua eficácia retroativa.
Processo n.º 967/22
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I — Relatório
1 — A Procuradora -Geral da República requereu, ao abrigo do disposto no artigos 281.º,
n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea e), e 282.º, n.os 1 e 4, ambos da Constituição da República Portu-
guesa, e dos artigos 51.º e seguintes da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), ao Tribunal
Constitucional a fiscalização abstrata, sucessiva, e a consequente declaração de inconstituciona-
lidade, com força obrigatória geral, das normas contidas (i) no artigo 11.º do Decreto Legislativo
Regional n.º 14/2020/M, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que adapta
à Região Autónoma da Madeira a Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, e que estabelece o regime
jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descarac-
terizados a partir de plataforma eletrónica (“TVDE”), e (ii) nos artigos 4.º, n.º 2, 8.º e 9.º do Decreto
Regulamentar Regional n.º 1/2021/M, do Governo da Região Autónoma da Madeira, que aprova
a regulamentação do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2020/M da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira.
2 — Parâmetros da constitucionalidade invocados
A requerente alega que as normas impugnadas constantes do artigo 11.º do Decreto Legis-
lativo Regional n.º 14/2020/M, da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, se
encontram feridas de inconstitucionalidade orgânica, «por violação do espaço material sujeito a
reserva legislativa da Assembleia da República, ex vi artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição
da República Portuguesa», do mesmo passo que as normas impugnadas constantes dos arti-
gos 4.º, n.º 2, 8.º e 9.º do Decreto Regulamentar Regional n.º 1/2021/M, do Governo da Região
Autónoma da Madeira, se encontram feridas de inconstitucionalidade consequente uma vez que
têm como pressuposto lógico e necessário as normas do mencionado artigo 11.º do Decreto Legis-
lativo Regional n.º 14/2020/M cf. artigo 32.º do Requerimento. Mais alega a Requerente, no
que especificamente concerne às normas constantes do n.º 8 e do n.º 9 do artigo 8.º do Decreto
Regulamentar Regional n.º 1/2021/M, que as mesmas revestem natureza inovadora relativamente
à demais normação infraconstitucional, revelando -se, igualmente, organicamente inconstitucionais
por violação da reserva legislativa da Assembleia da República consignada no artigo 165.º, n.º 1,
alínea b), da Constituição — cf. também artigo 32.º do Requerimento.
3 — O pedido assenta nos seguintes fundamentos
Os fundamentos apresentados no pedido para sustentarem as inconstitucionalidades das
normas impugnadas são, numa síntese da argumentação nele expendida, os seguintes:
[Quanto ao artigo 11.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2020/M]
a) A Assembleia da República, no uso da sua reserva relativa de competência legislativa,
decretou, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, a Lei n.º 45/2018, de 10 de
agosto, que estabelece o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de
passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica.
b) O Decreto Legislativo Regional n.º 14/2020/M, da Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira, adaptou à Região Autónoma da Madeira a Lei n.º 45/2018, de 10 de
agosto, tendo por objeto, como se pode ler no seu artigo 1.º, n.º 1, a adaptação do regime jurídico
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Diário da República, 1.ª série
da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados
a partir de plataforma eletrónica, estabelecido pela Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, às especifici-
dades económicas, sociais, culturais e geográficas da Região Autónoma da Madeira.
c) Assim, o artigo 11.º do referido Decreto Legislativo Regional veio determinar, no seu n.º 1,
que «o número de averbamentos ou licenças emitidos pela DRETT ao abrigo do presente diploma
não excederá o correspondente a 40 veículos para a prestação de serviços de TVDE na Região,
com um máximo de 3 veículos por operador».
d) Mais prescreve o n.º 2 desse preceito legal que «a distribuição do contingente a que se refere
o número anterior pode ser fixada por determinadas áreas geográficas da Região, por despacho
do membro do Governo Regional responsável pela área dos transportes terrestres».
e) Acontece, porém, que analisando a Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, verifica -se que a
mesma não prevê quaisquer normas jurídicas idênticas referentes à possibilidade de fixação
de contingentes de licenças a atribuir por áreas geográficas ou referente ao número máximo de
veículos por operador.
f) Recentemente, o Tribunal Constitucional foi chamado a debruçar -se, em sede de fiscaliza-
ção preventiva, para além do mais, sobre norma idêntica do Decreto n.º 1/2022 da Assembleia
Legislativa, da Região Autónoma dos Açores, que estabelece o Regime Jurídico da Atividade
de Transporte Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a Partir de
Plataforma Eletrónica na Região Autónoma dos Açores (TVDERAA) cf. Acórdão n.º 180/2022,
de 16 de março.
g) Aquele Decreto n.º 1/2022 continha um artigo 13.º em cujo n.º 1 se dispunha que «o número
de averbamentos ou licenças emitidas pela direção regional com competência em matéria de
transportes terrestres ao abrigo do presente diploma, de veículos para a prestação de serviços de
TVDE na Região, não excederá o correspondente a 5 % do total de transportes públicos de aluguer
em veículos automóveis ligeiros de passageiros, normalmente designados por transportes em táxi,
licenciados em cada ilha, com um máximo de três veículos por operador».
h) Mais determinava o n.º 2 do referido artigo 13.º que «a distribuição do contingente a que
se refere o número anterior pode ser fixada por determinadas áreas geográficas da Região, por
despacho do membro do Governo Regional responsável pela área dos transportes terrestres».
i) Do mesmo preceito constava ainda um n.º 3, onde se dispunha que «nas ilhas onde o con-
tingente referido no n.º 1 seja inferior a uma unidade é admitido como contingente máximo uma
unidade de TVDE».
j
)
No referido Acórdão n.º 180/2022, entendeu o Tribunal Constitucional, para além do mais,
que as normas do artigo 13.º, n.os 1, 2 e 3 do TVDERAA sob sindicância estavam
feridas de
inconstitucionalidade orgânica, por violação do espaço material sujeito a reserva legislativa da Assem-
bleia da República, ex vi do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
k)
Assim, conforme alega a Requerente, decidiu -se naquele aresto que «a limitação do número
de licenças a emitir (ou a averbar) significa o encerramento do mercado a novos operadores de
TVDE depois de atingido o valor numérico que resulte da aplicação do coeficiente fixado nos termos
dos n.os 1 e 2 do artigo 13.º do TVDERAA. Porque do licenciamento depende o acesso à atividade,
a norma estabelece, com efeito, um numerus clausus de operadores no subsetor. Vedando por esta
forma o acesso de novos agentes ao mercado de transporte de passageiros em regime TVDE, não
há dúvidas de que estamos perante medida restritiva da liberdade de iniciativa privada».
l) Conforme invoca também a Requerente, decidiu -se, igualmente, no mesmo aresto do
Tribunal Constitucional que «[...] o artigo 13.º, n.º 1, in fine, do TVDERAA impõe um outro limite
adicional para que as empresas estejam em condições de aceder ao mercado. Como acima dis-
semos, o investimento em capitais fixos não pode importar a incorporação na empresa de mais de
três viaturas TVDE, sob pena de o licenciamento ser recusado ao agente, bloqueando o acesso
ao mercado. Esta é uma limitação da iniciativa empresarial na vertente financeira, já que daqui
resulta a impossibilidade de implementar um projeto orientado por economia de escala. De facto,
esta medida legal constitui uma condicionante quanto a perspetivas de rendibilidade do investidor e
quanto ao limiar temporal de recuperação do capital aplicado, operando por essa via uma restrição
de acesso ao subsetor».

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