Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2024

Data de publicação09 Janeiro 2024
ELIhttps://data.dre.pt/eli/acsta/2/2024/01/09/p/dre/pt/html
Gazette Issue6
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo
N.º 6 9 de janeiro de 2024 Pág. 26
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 2/2024
Sumário: Acórdão do STA de 28 de setembro de 2023, no Processo n.º 71/22.9BALSB — Pleno
da 2.ª Secção «São qualificáveis como ‘royalties’, para efeitos da CDT celebrada entre
Portugal e Moçambique, os rendimentos auferidos em virtude de contratos de afreta-
mento de embarcações de pesca e de cedência de pessoal técnico conexa com os
contratos principais».
Acórdão do STA de 28-09-2023, no Processo n.º 71/22.9BALSB — Pleno da 2.ª Secção
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
Relatório
1 — Z..., S. A., com os sinais dos autos, vem, nos termos do disposto no artigo 152.º do
Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbi-
tragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para
este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 29 de março de 2022 no
processo n.º 781/21-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito,
com o decidido na decisão arbitral proferida em 10 de dezembro de 2021 no processo arbitral
n.º 97/2021-T, transitado em julgado.
A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem interposto contra a decisão
arbitral proferida no processo n.º 781/2021-T CAAD que julgou improcedente o pedido de pronún-
cia arbitral apresentado contra o ato de autoliquidação de IRC relativo ao ano de 2018, na parte
em que não reflete a dedução à coleta do IRPC moçambicano suportado pela RECORRENTE em
resultado da obtenção dos com os serviços de fretamento e de cedência de pessoal técnico pres-
tados a diversas sociedades de direito moçambicano.
2.ª A admissibilidade do presente recurso justifica-se, por seu turno, em virtude de a decisão
recorrida se encontrar em contradição com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo
n.º 97/2021-T CAAD e datado de 10 de dezembro de 2021, posto que:
i) Na decisão recorrida se entendeu, «pela não aplicabilidade ao caso da regra do artigo 12.º
n.º 3, da CDT»;
ii) Na decisão fundamento, pelo contrário, se observou que «os rendimentos de fonte moçam-
bicana auferidos pela Requerente em resultado do contrato de afretamento de navio e de protocolo
de acordo de cedência de pessoal técnico celebrados com a sociedade Y... eram efectivamente
subsumíveis ao conceito de ‘royalties’ nos termos do artigo 12.º, n.º 3, da CDT».
3.ª Permite-se, concluir, por conseguinte, que tanto a decisão recorrida, como a decisão
fundamento, se pronunciaram sobre a mesma questão de direito — ou seja, sobre a questão de
saber se os rendimentos obtidos pela RECORRENTE em Moçambique a título de fretamento de
navios e a título de cedência de pessoal técnico são subsumíveis no conceito de royalties ínsito no
artigo 12.º n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique — , tendo a apontada questão, porém, merecido
respostas contraditórias (comprovando-se, deste modo, a admissibilidade do presente recurso para
uniformização de jurisprudência, por se encontrarem verificados todos os requisitos prescritos pelos
artigos 25.º n.
os
2 e 3 do RJAT e 152.º do CPTA, e que impõe o prosseguimento dos presentes autos
com a apreciação da (in)validade da decisão recorrida).
4.ª Por seu turno, demonstrando o erro incorrido pela decisão recorrida, recorde-se que, nos
termos do artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçambique (norma convencional que, faz-se notar,
adotou uma solução distinta da que vem proposta no artigo 12.º n.º 2, do Modelo de Convenção
Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE) «O termo royalties’, usado neste artigo,
significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas pelo uso ou pela concessão do uso
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Diário da República, 1.ª série
de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinema-
tográficos, bem como os filmes ou gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de
uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um
plano, de uma fórmula ou de um processo secreto bem como pelo uso ou pela concessão do
uso de um equipamento industrial, comercial ou científico ou por informações respeitantes a
uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico. O termo ‘royalties’ inclui
também os pagamentos efectuados a título de remuneração por assistência técnica prestada
em conexão com o uso ou a concessão do uso dos direitos, bens ou informações anterior-
mente referidos» (os destacados são da RECORRENTE).
5.ª Assim, considerando que a RECORRENTE se vinculou, através dos contratos de afreta-
mento, a colocar à disposição das referidas sociedades moçambicanas navios de pesca e a con-
ceder o respetivo uso com vista à captura, por estas, das quotas de pesca que lhe são atribuídas
pelas autoridades públicas moçambicanas, sempre se terá de concluir que os rendimentos dos
mesmos derivados se subsumem, claramente, no elemento literal 12.º n.º 3, da CDT Portugal-
Moçambique — mais especificamente, na expressão «retribuições de qualquer natureza atri-
buídas [...]pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou
científico» — devendo, em consequência, ser qualificados como royalties.
6.ª Por seu turno, considerando que os serviços prestados com a cedência de pessoal consis-
tem na transmissão, a título meramente complementar ou acessório, de informações técnicas e de
conhecimento especializado à tripulação moçambicana (trabalhadores das empresas afretadoras)
com vista à otimização do objeto principal do contrato (o fretamento de navio de pesca), também
não podem restar dúvidas de que os mesmos devem ser qualificados como serviços de assistência
técnica para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º 3, da Convenção Portugal-Moçambique, sendo,
por conseguinte, os rendimentos daí decorrentes enquadráveis no conceito de royalties.
7.ª Consequentemente, impõe-se concluir que os rendimentos auferidos pela RECORRENTE
em Moçambique, seja a título de fretamento de navios, seja a título de cedência de pessoal técnico
devem ser qualificados como royalties, na aceção do artigo 12.º n.º 3, da CDT Portugal-Moçam-
bique.
8.ª Esta é, de resto, a conclusão alcançada pela própria RECORRIDA, quando afirma, expressa
e claramente, em informação prestada pela Direção de Serviços de Relações Internacionais da
Administração Tributária e Aduaneira, que «não se vislumbram quaisquer dúvidas» que «o fre-
tamento (de navios) deve ser incluído na expressão “concessão do uso de um equipamento
industrial ou comercial”» e que a cedência de pessoal técnico «(assume) um papel meramente
instrumental relativamente ao objeto principal (o fretamento de navio), por via da transmissão
de informações técnicas (Know-how), de carácter preparatório e auxiliar, que permitem à tripulação
moçambicana (massa trabalhadora da empresa ‘afretadora’), manobrar o navio fretado e, assim,
desenvolver a atividade (pesca) que motivou o fretamento do navio», razões pelas quais «tanto o
fretamento do navio como a cedência de pessoal técnico para a preparação dos tripulantes
moçambicanos, se afiguram passíveis de enquadramento no conceito de royalties previsto
na Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Moçambique,
em concreto o n.º 3 do seu artigo 12.º», devendo, por conseguinte, «ser tributados conforme o
disposto nos n.os 1 e 2 do referido art. 12.º da CDT — As royalties provenientes de um Estado
Contratante (Moçambique) e pagas a um residente do outro Estado Contratante (Portugal), podendo,
todavia, ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm (Moçambique) e de acordo
com a legislação desse Estado, mas se a pessoa que receber as royalties for o seu beneficiário
efetivo, o imposto assim estabelecido não excederá 10 % do montante bruto das royalties» (os
destacados são da RECORRENTE).
9.ª Em face do exposto, sendo de concluir que os rendimentos auferidos pela RECORRENTE
em Moçambique, seja a título de fretamento de navios, seja a título de cedência de pessoal técnico,
devem ser qualificados como royalties, na aceção do artigo 12.º, n.º 3, da CDT Portugal-Moçam-
bique, impõe-se revogar a decisão recorrida e, nessa sequência, determinar a baixa do processo
ao Tribunal Arbitral para o mesmo se pronunciar sobre a questão jurídica cujo conhecimento ficou
prejudicado pela solução ali alcançada.

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