Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2023

Data de publicação21 Setembro 2023
ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/8/2023/09/21/p/dre/pt/html
Número da edição184
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 184 21 de setembro de 2023 Pág. 5
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2023
Sumário: Nos termos do artigo 69.º, n.º 2, do Código Penal (na redação dada pela Lei n.º 77/2001,
de 13 de julho), a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor abrange
a condução de todas as categorias destes veículos.
Processo n.º 46/19.5GAOHP.C1 -A. S1
Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência
Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
I
Relatório
1.1 — No âmbito do processo n.º 46/19.5GAOPH.C1, o arguido AA foi julgado e condenado,
mediante sentença de 12.06.2019 (Juízo de Competência Genérica…), pela prática, a 09.03.2019,
de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, nos termos dos arts. 292.º, n.º 1,
e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal (doravante CP), na pena de multa de 60 dias, à taxa
diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período
de 3 meses.
1.2Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra da pena
acessória que lhe foi aplicada, quer quanto à sua duração, quer quanto à sua abrangência relativa
a todos as categorias de veículos com motor. Por acórdão de 22.01.2020 foi negado provimento
ao recurso, e foi concluído que:
face ao disposto no artigo 69.º, n.º 2, do Código Penal, não cabe ao juiz a possibilidade de
decidir se a pena acessória de inibição de conduzir pode abranger todas as categorias de veículos
motorizados, ou se pode abranger apenas determinadas categorias de veículos. Assim é porque
a proibição de conduzir veículo s motor vale para todos os veículos.
Nem mesmo as razões pessoais, sociais ou profissionais, fortes ou não, podem restringir ma
inibição de conduzir a determinadas categorias de veículos (...)”.
1.3Segundo a certidão junta aos autos, o Acórdão recorrido foi notificado ao Ministério
Público, por termo nos autos, a 23.01.2020, e ao mandatário do recorrente, por via postal expe-
dida na mesma data (23.01.2020); o acórdão recorrido transitou em julgado no dia 06.02.2020
(cf. certidão junta aos autos).
2 — O Ministério Público, mediante requerimento apresentado a 20.02.2020 (cf. certidão junta
aos autos), veio interpor o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos dos
arts. 437.º, n.º 2 e 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante CPP), com fundamento
em oposição entre o acórdão referido e o acórdão de 21.10.2010, do Tribunal da Relação de Évora,
prolatado no âmbito do processo n.º 157/10.2GTABF.E1, e transitado em julgado a 16.11.2010
(cf. certidão junta aos autos).
Em síntese, alega que os acórdãos em confronto estão em oposição sobre a mesma questão
de direito relativa à possibilidade (ou não) de aplicação da pena acessória de proibição de conduzir
veículos com motor abrangendo todas as categorias de veículo com motor, ou apenas alguma ou
algumas dessas categorias, tendo por base o disposto no art. 69.º, n.º 2, do Código Penal.
3 — Em conferência, por acórdão de 09.07.20201, foi decidido que o recurso devia prosseguir
por se verificar a necessária oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito,
em situações factuais idênticas, e no domínio da mesma legislação.
4Após o cumprimento do disposto no art. 442.º, n.º 1, do CPP, o Ministério Público e o
arguido apresentaram as alegações.
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Diário da República, 1.ª série
4.1 — O recorrente (Ministério Público) concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
«1) Na proposta de Lei n.º 69/VIII — que levou à alteração introduzida pela Lei n.º 77/2001,
de 13.07 — afirmam -se como prioridades: alcançar a redução dos índices de sinistralidade e o
aumento da segurança rodoviária.
2) Para alcançar tais objetivos essa Proposta refere expressamente como imprescindível o
reforço da prevenção através de um “pronto e eficaz sancionamento dos prevaricadores”.
3) O legislador apercebeu -se de que havia um desfasamento entre o Código da Estrada e o
Código Penal e, em 2001, decidiu proceder à agravação dos limites mínimo e máximo da pena
acessória já que é neste diploma que se punem comparativamente as condutas mais graves.
4) As alterações introduzidas pela Lei n.º 77/2001, de 13.07, não tiveram, portanto, subjacente
a ideia de uma maior complacência para com os infratores estradais e, muito menos, de enfraque-
cimento das medidas até aí existentes.
5) Analisando os trabalhos preparatórios da revisão de 2001, conclui -se que, em face da
supressão do segmento “ou de uma categoria determinada”, não é possível restringir a aplicação
da sanção acessória de proibição de conduzir a uma determinada categoria de veículos.
6) O artigo 69.º contém norma integrado num conjunto de preceitos cuja existência tem de ser
coerente e fazer sentido no quadro legal de princípios vigentes em matéria de infrações rodoviárias.
7) E uma interpretação sistemática do artigo 139.º do CE e do artigo 147.º n.º 2 do CP leva a
essa mesma conclusão de que a sanção acessória de proibição de conduzir não pode ser restrita
a uma categoria de veículos.
8) Uma vez que, no domínio do ilícito de mera ordenação social, onde se punem condutas
dignas de menor censura social, a inibição de conduzir abrange todos os veículos com motor, seria
uma contradição manifesta do sistema admitir que, em situações mais graves e que constituem
crime, a proibição pudesse ser restrita a uma determinada categoria de veículos.
9) A não ser que não se encontrasse uma interpretação plausível do preceito — o que não é o
caso —, de acordo com a regra de que o intérprete deve presumir que o legislador soube exprimir
o seu pensamento em termos adequados, não se pode afirmar, como faz o acórdão fundamento,
que a supressão da expressão “ou de uma categoria determinada” nada modificou o regime ante-
riormente vigente.
10) Se o n.º 2 do artigo 69.º do CP, na redação de 95, estabelecia que a proibição de condu-
zir “pode abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria de veículos ou de
uma categoria determinada” e se a Lei n.º 77/2001, de 13.07, retirou a parte “ou de uma categoria
determinada”, então, é porque o legislador quis dizer coisa diferente do que dizia.
11) A reforma introduzida pelo DL n.º 48/95, de 15.03, na senda do que preconizava Figueiredo
Dias, procedeu à reclamada “reconformação” das penas acessórias.
12) Neste novo quadro legal a pena acessória de proibição de conduzir passou a “ter como
pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime no exercício da con-
dução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitado de forma
relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto
e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável”,
circunstância que eleva o limite da culpa pelo facto.
13) Neste novo contexto, à proibição de conduzir deve também assinalar -se (e pedir -se) um
efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode
funcionar dentro do limite da culpa. (…) Por fim, mas não por último, deve esperar -se desta pena
acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente
ou leviano.”
14) A proibição de conduzir desempenha “uma função preventiva adjuvante da pena principal
(…) que não se esgota na intimidação da generalidade, mas que se dirige também, ao menos em
alguma medida, à perigosidade do delinquente.”
15) As finalidades da punição dirigem -se também à perigosidade do delinquente e, portanto,
uma solução que passe por permitir a restrição da proibição a uma determinada categoria de veí-
culos seria incompatível com tais finalidades.

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