Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2023

Data de publicação21 Setembro 2023
ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/9/2023/09/21/p/dre/pt/html
Gazette Issue184
SectionSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 184 21 de setembro de 2023 Pág. 25
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2023
Sumário: No crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei
n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que se realiza em actos reiterados, o momento que, por
referência à data do trânsito em julgado da primeira condenação anterior, releva para
aferir a existência da relação de concurso de conhecimento superveniente prevista no
artigo 78.º do Código Penal é o da prática do último acto típico.
Autos de Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência
Processo n.º 123/16.4SWLSB -F.L1 -A.S1
5.ª Secção
ACÓRDÃO
Acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em Pleno das Secções Criminais:
I. RELATÓRIO.
1AA, arguido1 veio em 13.12.2021 interpor recurso extraordinário para fixação de juris-
prudência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) de 27.10.2021 proferido nos autos
de PCC n.º 123/16.4SWLSB do Juiz... do Juízo Central Criminal...2 que, julgando improcedente
recurso que lhe moveu, confirmou despacho de 1.ª instância de 16.5.2021 que indeferira pedido
para realização de audiência nos termos do artigo 472.º do Código de Processo Penal3 em vista da
cumulação superveniente de penas que, com trânsito, lhe tinham sido impostas naqueles mesmos
autos por crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do Decreto -Lei n.º 15/93,
de 22.1 — 6 anos e 10 meses de prisão — e nos do Proc. n.º 795/16.... do Juiz... do Juízo Local
de Pequena Criminalidade..., por crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos arti-
gos 143.º n.º 1, 145.º n.º 1 al.ª a) e 132.º n.os 1 e 2 al.ª i), do Código Penal4 — 1 ano e 8 meses de
prisão, inicialmente suspensa na sua execução, depois com revogação da suspensão.
Disse que o Acórdão Recorrido se opunha nos termos previstos no artigo 437.º n.os 1 a 3 do CPP5
ao Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra de 23.9.2020, proferido no Proc. n.º 58/13.2PEVIS -D.
C16, acessível em www.dgsi.pt.
Identificou a oposição no ponto em que os arestos, cuidando de apurar o tempo da consumação
dos ilícitos de tráfico de estupefacientes em vista de conferir, por referência ao trânsito em julgado
das anteriores decisões, a existência da relação de concurso de conhecimento superveniente de
crimes prevista no artigo 78.º n.º 1 do CP7, o localizou, o primeiro, no momento da prática dos últimos
dos actos materiais integrativos de alguma das modalidades de acção previstas no tipo incriminador,
o segundo, logo, no da prática do primeiro acto integrativo dessa mesma previsão.
Pediu que se dirimisse o conflito mediante a adopção do entendimento do Acórdão -Fundamento
para os efeitos, e com as consequências, do artigo 445.º
2 — O Ministério Público sediado na instância recorrida não respondeu ao recurso.
3 — Recebido o procedimento na 5.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça8, a Senhora
Procuradora -Geral Adjunta emitiu douto parecer, opinando pela rejeição do recurso nos termos dos
artigos 440.º n.os 3 e 4 e 441.º n.º 1, primeira parte, por inverificação dos requisitos substanciais
previstos no artigo 437.º
Em pronúncia sobre o parecer, o Recorrente, reiterou, com desenvolvimentos, o argumen-
tário da motivação, concluindo pela admissibilidade do recurso e pela verificação da oposição de
julgados.
4 — No despacho preliminar — artigo 440.º — fixou -se ao recurso efeito devolutivo — ar-
tigo 438.º n.º 3.
N.º 184 21 de setembro de 2023 Pág. 26
Diário da República, 1.ª série
5 — Em acórdão de 28.4.2022 proferido em conferência na mencionada Secção — artigo 440.º
n.º 4 e 441.º n.º 1 —, julgou -se verificada a oposição de julgados — artigo 437.º — e determinou -se
o prosseguimento do recurso para a fase, subsequente, do julgamento do objecto do recurso e da
fixação de jurisprudência.
6 Notificados para os fins do artigo 442.º n.º 1, alegaram o Recorrente e a Senhora
Procuradora -Geral Adjunta, que remataram as motivações com as conclusões e pedidos que
seguem transcritos:
Recorrente:
«A) O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, de empreendi-
mento mas também exaurido.
B) Pelo que, ponto de vista da sua tipicidade, este é logo preenchido com os primeiros actos
de execução (consumação formal), sendo que a repetição de actos e a produção de sucessivos
resultados (consumação material) é imputada a uma realização única — e, por isso, catalogado
também como crime exaurido.
C) Porém, o crime de tráfico de estupefacientes é também um crime de empreendimento, uma
vez que inexiste tentativa, sendo esta consubstanciada na imediata realização do tipo e, como tal,
a consumação.
D) Contrariamente aos crimes de empreendimento em cuja tipicidade se distingue o momento
da terminação e o momento da consumação, no crime de tráfico de estupefacientes existe antes
uma estrutura reiterada, como nos crimes permanentes ou de múltiplos actos, não havendo distinção
no tipo entre o momento da consumação formal e da consumação material.
E) Daí que, pese embora a multiplicidade de actos, a consumação do crime por reporte ao
seu tipo — seja em que modalidade for da descrita no artº. 21.º do DL 15/93 — é atingida logo
com a consumação formal, sendo que a consumação material consistirá na realização do objectivo
pretendido pelo agente, sem que isso seja exigido por qualquer elemento da norma incriminadora.
F) O crime de tráfico de estupefacientes encontra -se desenhado como um crime em que, no
caso da prática de múltiplos actos em determinado universo temporal, a realização do primeiro
pelo agente é suficiente, per se, para integrar e preencher o tipo incriminador, na medida em que
este pune a conduta de levar a cabo a actividade tráfico que é ou pode ser consubstanciada em
diversos e múltiplos actos.
G) É nosso entendimento que os actos de perfeição ou terminação do crime de tráfico, o exau-
rimento do crime consubstanciado na consumação material relevam, naturalmente, para efeitos de
ilicitude, em sede de medida concreta da pena a aplicar ao Arguido.
H) Isto porque, o exaurimento não integra o inter criminis, ocorrendo posteriormente ao
preenchimento do tipo, este esgotar da conduta (exaurimento) deve influir na dosimetria da pena
ou até como circunstância agravante ou qualificadora.
I) Assim, na esteira da jurisprudência que se crê maioritária, e em concreto, com integral apoio
no acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, entende -se que no caso
da prática de vários actos ou condutas de tráfico de estupefacientes ao abrigo artigo 21.º
n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22/01, a consumação é alcançada no momento da prática do primeiro
acto de execução.
J) Também para efeitos de concurso superveniente de crimes, não há que distinguir entre os
momentos da consumação, formal ou material (o que, aliás, salvo melhor entendimento, não nos
parece dogmaticamente defensável), pelo que, considerando a posição assumida a propósito da
natureza e momento da consumação do crime de tráfico de estupefacientes, alcança -se com o
primeiro acto de execução.
K) O instituto do concurso superveniente de crimes, não alude sequer a “consumação” (o que
poderia levar à discussão da distonia entre consumação formal e material), mas antes à prática
do crime — “se mostrar que o agente praticou [...] outro ou outros crimes” — artº. 78.º n.º 1 do
C.P. — o que, para nós, dúvidas não temos, que no caso do crime de tráfico de estupefacientes,
considerando a sua natureza, a prática do crime ocorre com o primeiro acto de execução.
L) Acresce que, o paradigma em que assenta o nosso regime ao nível do concurso de crimes
é o de que toda a responsabilidade penal de um determinado agente, por factos cometidos num
mesmo lapso temporal deve ser apreciada conjuntamente.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT