Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2022

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Data de publicação18 Outubro 2022
Número da edição201
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 201 18 de outubro de 2022 Pág. 8
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2022
Sumário: «Em acção de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, a confor-
midade decisória que caracteriza a dupla conforme impeditiva da admissibilidade da
revista, nos termos do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, avaliada em função do benefício
que o apelante retirou do acórdão da Relação, é apreciada, separadamente, para cada
segmento decisório autónomo e cindível em que a pretensão indemnizatória global se
encontra decomposta.»
Processo n.º 545/13.2TBLSD.P1 -S1 -A (Recurso para Uniformização de Jurisprudência)
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, no Pleno das Secções Cíveis,
I — RELATÓRIO
1AA, representado pelos seus pais, BB e CC, intentou acção declarativa contra Lusitânia
Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar -lhe a indemnização de
251.855,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação, pelos danos (patri-
moniais e não patrimoniais) decorrentes do acidente de viação ocorrido em 31 de Maio de
2011, pelas 21:30 horas, na estrada nacional n.º …06, freguesia…, quando se fazia transportar no
motociclo de matrícula .. -.. -JC, conduzido pelo seu pai.
Fundamentou a acção na responsabilidade civil do condutor do veículo automóvel ligeiro de
passageiros, com a matrícula .. -.. -AE, conduzido por DD, que tinha transferido para a Ré seguradora
a respectiva responsabilidade pelos danos causados a terceiros com o referido veículo.
Alegou para o efeito que a produção do acidente ocorreu por culpa do condutor do AE o qual,
por imperícia, imprudência e excesso de velocidade, deixou que o veículo que conduzia transpu-
sesse o eixo médio da via indo embater no motociclo JC, projectando o Autor contra a parede de
uma casa de habitação onde chocou violentamente com as costas, caindo desamparado no asfalto
e perdendo os sentidos.
2 — Após citação a Ré contestou aceitando a responsabilidade civil pelas consequências
do acidente nos termos e nos limites do contrato de seguro, impugnando, porém, os danos e o
respectivo valor.
3 — Proferido saneador, o tribunal entendeu dispensar a realização de audiência prévia, fixou
o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.
4 — Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente proce-
dente condenando a Ré a pagar ao Autor as seguintes quantias:
— € 41 805,00, pelos danos patrimoniais (sendo € 40 000,00 pela perda da capacidade
ganho), acrescida de juros legais contados desde a citação até integral pagamento;
— 25.000,00€, por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a data da
sentença;
— em quantia a que se vier a liquidar ulteriormente, referente aos custos e demais con-
sequências das intervenções cirúrgicas e tratamentos a que o Autor vier a ser submetido
no futuro em consequência do agravamento das suas lesões.
Absolveu a Ré da parte restante do pedido contra ela deduzido.
5Autor e Ré apelaram da sentença tendo o tribunal da Relação do Porto proferido acórdão
que julgou improcedente a apelação da Ré e parcialmente procedente a apelação do Autor,
alterando o montante da indemnização por perda de capacidade de ganho fixada em 40.000,00€
na sentença, para o valor de 50.000,00€, mantendo, no mais, a decisão recorrida.
6 — Autor e Ré interpuseram revista tendo este tribunal, por acórdão de 20 -12 -2017, rejei-
tado parcialmente ambos os recursos na parte referente à condenação da Ré no montante
de 25.000,00€, a título de danos não patrimoniais, julgando, no mais, improcedentes as revistas,
confirmando, nessa medida, o acórdão recorrido.
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7 — Após o trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos, veio o Autor interpor recurso
para uniformização de jurisprudência, para o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal
de Justiça, nos termos dos artigos 688.º e ss do do Código de Processo Civil (doravante CPC), na
parte em que, com fundamento na dupla conformidade decisória, não conheceu da revista relati-
vamente ao montante do dano não patrimonial fixado na sentença em 25.000,00€, alegando con-
tradição do acórdão recorrido com o acórdão deste tribunal de 07 -12 -2016, proferido no âmbito do
Processo n.º 8514/12.3TBVNG.P2.S1, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão
fundamental de direito, que identifica como a dupla conforme -admissibilidade de recurso.
Em síntese e sem ter consignado formalmente conclusões, defendendo que no caso dos autos
não ocorre dupla conforme impeditiva da admissibilidade do recurso de revista na componente do
dano não patrimonial, invoca o Recorrente a seguinte ordem de argumentos:
— a dupla conforme, como circunstância de irrecorribilidade da revista, afere -se pela confirma-
ção da decisão, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente — artigo 671.º,
n.º 3, do CPC;
— a figura, surgida com a reforma do Processo Civil introduzida pelo DL 303/2007, de 24 -08,
na nova redacção do artigo 721.º, mostrou -se inserida num propósito, não só de racionalizar o
acesso ao Supremo Tribunal de Justiça por forma a dar resposta à tendência de crescimento dos
recursos cíveis, como de fazer acentuar as funções de orientação e uniformização da jurisprudência
que lhe estão cometidas;
— esteve -lhe, porém, subjacente a pretensão de limitar o recurso de revista às situações em
que ocorresse pronúncia de dois tribunais em termos de sobreposição decisória (independente-
mente de diversa motivação) encontrada por unanimidade dos julgadores porque, nesses casos,
só circunstâncias excepcionais permitem a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para efeitos
de uniformização/estabilidade da jurisprudência;
— não ocorrendo confirmação irrestrita do acórdão da Relação à decisão de 1.ª instância,
enquanto decisões no seu todo (e não parcelarmente), inexiste dupla conformidade decisória;
— não foi intenção do legislador nem ocorre suporte legal para permitir encarar a decisão em
partes segmentadas;
— estando em causa pedido de indemnização por responsabilidade civil emergente de acidente
de viação não assume relevância a segmentação da indemnização em diferentes parcelas, uma
vez que a lei não edificou o conceito de dupla conforme em função desse critério;
— nas situações, como a dos autos, em que o tribunal da Relação alterou, ainda que parcial-
mente, a sentença de 1.ª instância, não se verificando confirmação integral e irrestrita desta, não
ocorre dupla conformidade decisória impeditiva da admissibilidade da revista;
Concluiu o Recorrente que o acórdão recorrido ao não conhecer do recurso de revista que
interpôs, na componente relativa ao dano não patrimonial, violou o artigo 671.º, n.º 3, do CPC, e
está em contradição com o citado acórdão do mesmo tribunal de 07 -12 -2016. Pede, consequen-
temente, a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que conheça do objecto
da revista na componente relativa ao dano não patrimonial fixado no montante de 25.000,00€ por
se mostrar claramente desvalorizado.
8 — A Ré, notificada do recurso para uniformização de jurisprudência, veio interpor recurso
subordinado, nos termos do artigo 633.º, n.º 2, do CPC, defendendo que a interpretação adequada
do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, e, nessa medida, o acórdão para uniformização de jurisprudência a
proferir deverá ser no sentido de “equiparar à situação de dupla conforme aquela em que a Relação
profere uma decisão que, ainda que não exatamente coincidente com a decisão da 1.ª instância,
seja mais favorável à parte que recorre”.
Prevenindo a hipótese de, por vencimento do entendimento pugnado pelo Autor, ser conhecido
o objecto do recurso na parte rejeitada, pretende que se conheça da sua pretensão impugnativa
dando -lhe integral procedência.
Formulou as seguintes conclusões (transcrição):
a) “No presente recurso para uniformização de jurisprudência pretende -se a fixação do sentido
e alcance do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, dispondo este que não é admitida
revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamento essencialmente
diferente, a decisão proferida na 1a instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.
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b) Entende a ora recorrente que o acórdão a proferir para uniformização de jurisprudência
deve concluir que é de equiparar à situação de dupla conforme aquela em que a Relação profere
uma decisão que, ainda que não exatamente coincidente com a decisão da 1a instância, seja mais
favorável à parte que recorre (Acórdão de 3 de junho de 2016, Revista n.º 79/13.5TBCLD.C1.S1,
2a Secção, sendo Relatora MARIA DA GRAÇA TRIGO).
c) O Decreto -Lei n.º 303/2007 trouxe uma profunda reforma nos recursos almejando a simpli-
ficação e celeridade processuais e bem assim, a racionalização no acesso ao Supremo Tribunal
de Justiça.
d) Pelo que veio trazer uma limitação objetiva com a dupla conforme que assentava no pres-
suposto de inadmissibilidade do recurso de revista se a Relação confirmasse a decisão da Primeira
Instância, sem voto de vencido.
e) Por sua vez, a Lei n.º 41/2013 procedeu a um ajustamento das condições em que se admite
a dupla conforme na medida em que passou a exigir -se no n.º 3, do art. 671.º, do C.P.C., que o
acórdão da Relação confirme a decisão proferida na Primeira Instância, “sem voto de vencido e
sem fundamentação essencialmente diferente”.
f) A aparente simplicidade do preceito legal não deixa de exigir algum esforço interpretativo a
fim de integrar corretamente algumas situações, evitando a afirmação de uma desconformidade ou
de uma conformidade aferidas, apenas e tão só, por um critério puramente formal de coincidência
ou não do conteúdo decisório da sentença.
g) “Num esforço de densificação do conceito a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
tem, maioritariamente, equiparado à dupla conforme a situação em que a decisão da Relação,
sem voto de vencido e com fundamentação de direito essencialmente convergente com a da sen-
tença da 1.a instância, é mais favorável à parte que recorreu, embora não satisfaça totalmente a
pretensão deduzida (…)” — in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08 -02 -2018, Revista
n.º 22083/15.9T8PRT.
h) “por exemplo, no caso de decisões de condenação numa prestação pecuniária em que o
réu não poderá recorrer da decisão da Relação que, dando em parte provimento ao recurso, o
condene em prestação apenas menos do que a da 1.a instância, não podendo, por seu turno, o
autor recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça se, com o seu recurso para a Relação, viu subida
a indemnização que na 1.a instância lhe fora reconhecida, embora não tivesse atingido o por si
peticionado” — in Acórdão de 08 -02 -2018, Revista n.º 22083/15.9T8PRT.
i) De outro modo abria -se a porta para a possibilidade de recurso de revista numa situação mais
vantajosa para o recorrente quando uma confirmação integral da condenação, o não consentiria.
j) In casu, se o A. não poderia recorrer da decisão da Relação se a mesma fosse absolutamente
idêntica à proferida pela Primeira Instância, não é coerente admitir, por maioria de razão, que ele
possa interpor revista de uma decisão que lhe é mais favorável.
k) Consequentemente deve julgar -se inadmissível o recurso interposto pelo A. para este STJ.
l) Caso assim se não decida, este STJ entendeu não conhecer do objeto dos recursos interpos-
tos quer pelo A. quer pela R. no que concerne à decisão da 1a instância e do Tribunal da Relação
que fixaram o valor indemnizatório por danos não patrimoniais em € 25.000,00.
m) O A. defende que a dupla conformidade traduz -se na confirmação unânime e irrestrita pela
Relação do julgado em 1.ª instância e, por isso, defende dever ser apreciado o objeto deste seu
recurso.
n) Entende a ora recorrente que ainda que o pedido se fixe globalmente numa determinada
quantia, estamos perante o mero somatório de uma série de pedidos derivados de vários segmen-
tos dispositivos, nascidos de uma mesma factualidade, mas assentes numa natureza autónoma e
distinta entre si.
o) Tanto assim é que seria perfeitamente concebível, por exemplo, uma condenação em
determinado dano de natureza patrimonial mas simultaneamente não num eventual dano não
patrimonial, por este não ter sido provado; ainda que ambos tivessem sido alegados relativamente
a uma mesma factualidade: o acidente de viação.
p) Confrontado com a segmentação de pedidos, este Supremo Tribunal de Justiça propugnou
no sentido de “Nos casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios
distintos e autónomos, o conceito de dupla conforme terá de se aferir separadamente relativamente
a cada um deles” — in Acórdão de 26 -06 -2014, Revista n.º 70/10.3T2AVR.C1.S1.

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