Acórdão nº 0722/14.9BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução20 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso de revista excepcional, nos termos do art.º 26.º, alínea h), do ETAF, e do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) [anteriormente arts. 144º e 150º do CPTA, “ex vi” art. 2º alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)] por AA, melhor sinalizado nos autos, visando a revogação do Acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido nos presentes autos a 16/09/2021, que julgou procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, julgando legal a Reversão efectuada ao então recorrido, ora recorrente.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente AA, as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido incorre, para além de mais, em violação de lei, na medida em que desrespeita o preceituado no art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, no art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do Código das Sociedades Comerciais (CSC) e no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil (CC), o que configura fundamento para o presente recurso, nos termos do n.º 2 do art. 285.º do CPPT.

  1. A violação da lei que se aponta ao Acórdão Recorrido radica na interpretação legal efetuada pelo mesmo de que, segundo as referidas disposições legais, (1) se impõe ao gestor diligente a apresentação à insolvência como forma de evitar o incumprimento do pagamento do crédito tributário; (2) a culpa na falta de pagamento das dívidas é aferida em abstrato, não sendo necessário, para a aferição da culpa, verificar se existe um nexo de causalidade adequada entre a não apresentação à insolvência e a falta de satisfação do crédito tributário.

  2. O presente recurso deverá ser admitido, porquanto se trata de uma decisão proferida em segunda instância pelo TCA do Sul.

  3. A questão decidenda possui relevância jurídica, com importância fundamental, porquanto, se trata de matéria de elevada complexidade jurídica, que exige conhecimentos do sistema fiscal no seu todo, sobre o chamamento de terceiros ao pagamento de dívidas tributárias, pela exigência de prova de facto negativo, sobre a não culpa na falta de pagamento da dívida tributária e sobre a apreciação da conduta do gestor, em particular do que se lhe impõe fazer e não fazer perante a dívida tributária.

  4. Possui relevância jurídica, com importância fundamental, igualmente porque se baseia num enquadramento normativo especialmente intricado, já que tem que atender a questões de responsabilidade tributária subsidiária, solidária, com culpa pela falta de pagamento e culpa pela ausência de património suficiente, culpa em concreto ou em abstrato, de gestão de facto e de direito, de ónus da prova nuns casos a cargo da AT e noutros do contribuinte, exigindo melhor aplicação do direito.

  5. A relevância jurídica, com importância fundamental, deriva também da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos como várias disposições tributárias (arts. 20.º, 21.º, 22.º 23.º, 24.º, 78.º da LGT e 153.º do CPPT), o disposto no 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, e o artigo 487.º, n.º 2, do CC, sendo difícil o enquadramento nas situações da vida real, o que exige a intervenção do STA para clarificação e melhor aplicação do direito.

  6. A relevância jurídica, com importância fundamental, deriva também do tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina originando todos os anos dezenas de recursos judiciais quer no âmbito dos TCA, como do STA.

  7. A questão decidenda possui relevância social, com importância fundamental, porquanto apresenta contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, designadamente no âmbito de 20 processo de reversão do Recorrente pendentes.

  8. A questão decidenda possui relevância social, com importância fundamental, pois tem capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, para orientar outras decisões judiais e orientar comportamentos dos gestores num ciclo económico especialmente difícil, com muitas empresas a atravessar dificuldades económicas; 10. A análise da questão jurídica vertente impõe-se pela necessidade de melhor aplicação do direito num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito, já que permitirá nortear a decisão de dezenas de outros processos judiciais e deverá até servir de diapasão à AT no âmbito das decisões a tomar e elementos a considerar no âmbito dos processos de reversão, esclarecendo as questões decidendas junto dos TCA do Norte e Sul.

  9. Note-se que o Acórdão Recorrido apresenta uma jurisprudência nova, contrária à seguida por TCA do Norte e TCA do Sul, de que basta a não verificação, em abstrato, de um requisito formal – a apresentação à insolvência pelo gestor - para que exista culpa na falta de pagamento das obrigações fiscais.

  10. De forma nova o Acórdão recorrido estabelece o entendimento de que não se exige nexo causal entre o alegado dever omitido (apresentação atempada à insolvência) e a satisfação do crédito fiscal, para que considere existir culpa na falta de pagamento.

  11. O Acórdão recorrido estabelece como condição para a prova da não culpa na falta de pagamento de dívidas tributárias a apresentação “atempada” de uma empresa à insolvência, sem esclarecer o que entende por “atempadamente”.

  12. Invoca a obrigatoriedade de apresentação à insolvência da sociedade de forma abstrata sem referência a um momento temporal concreto na vida da sociedade, de forma totalmente genérica.

  13. O Acórdão recorrido desliga a obrigação de apresentação à insolvência de qualquer comportamento do Recorrente que não a precisa a omissão de apresentação à insolvência.

  14. No entendimento do Acórdão recorrido a obrigação de apresentação das empresas à insolvência aparece como um fim em si mesmo, que supostamente consegue garantir o concurso atempado dos credores ao património da empresa.

  15. O Acórdão recorrido não estabelece um nexo de causalidade adequada entre o facto omitido - de apresentação da devedora originária à insolvência - e a suposta conseguida garantia de cumprimento do crédito tributário.

  16. O Acórdão Recorrido entende que o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, o art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC e o artigo 487.º, n.º 2 do CC, estabelecem uma responsabilidade objetiva e abstrata do gestor na apresentação num dado momento da empresa à insolvência, porque a mesma irá, com toda a certeza, garantir a satisfação do crédito tributário.

  17. Para a decisão recorrida a culpa e responsabilidade dos gerentes pelo pagamento das dívidas tributárias são abstratas e desligadas de qualquer nexo de causalidade com a falta de pagamento, sendo bastante a prova da falta de apresentação da empresa à insolvência para se verificar a culpa na falta de pagamento da dívida tributária.

  18. Nem o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, nem o art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC, nem o artigo 487.º, n.º 2 do CC, nem qualquer outra norma estabelece a obrigação de apresentação de empresas à insolvência como critério de aferição da culpa ou responsabilidade pelo não pagamento das dívidas tributárias.

  19. O Acórdão Recorrido ao estabelecer como condição para a não reversão a apresentação da sociedade à insolvência num momento dito atempado, enferma em violação direta das disposições legais supra referidas, o que deverá conduzir à respetiva anulação.

  20. Por outro lado, ao contrário do sustentado pelo Acórdão recorrido, a aferição da responsabilidade e culpa, nos termos o art. 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, no art. 64.º, n.º 1, als. a) e b), do CSC e no artigo 487.º, n.º 2 do CC, não é abstrata, mas concreta e de acordo com um juízo de causalidade adequada.

  21. A aferição de responsabilidade tributária subsidiária e responsabilidade do gestor pelo não pagamento de dívidas tributárias tem que ser feita com referência aos atos e omissões praticados, que devem ser valorá-los e aferidas as suas consequências (nesse sentido veja-se, entre outros Acórdão do TCAN de 04/29/2021, no âmbito do processo 00041/14.0BEMDL e o Acórdão do TCAS de 04/06/2017, no âmbito do processo 456/13.1BELLE).

  22. Não basta a análise de direta apenas da falta de pagamento, havendo antes que aferir do comportamento global do gestor, para aferir se o mesmo foi ilícito e provocou num plano global a insustentabilidade da sociedade.

  23. Só em situações muito específicas poderá hipoteticamente ocorrer um momento em que a apresentação à insolvência permita “...garantir o concurso atempado dos credores ao património da mesma...”.

  24. Os arts. 1.º e 3.º n.º 1 do CIRE distinguem a situação económica difícil, ou situação de insolvência meramente iminente, da situação de insolvência e impossibilitam o gestor de requerer a insolvência quando esta seja meramente eminente, ou a empresa esteja apenas em situação económica difícil.

  25. O requerimento de insolvência apenas é permitido para as pessoas que se vejam impossibilitadas de cumprir as suas obrigações vencidas por não disporem de meios líquidos para o efeito.

  26. No limite, o primeiro momento em que a pessoa estará em situação de insolvência e poderá requerer a sua declaração em tribunal, será quando não disponha de meios líquidos imediatos para solver as suas obrigações vencidas.

  27. Uma pessoa, que não disponha de meios líquidos imediatos para solver as suas obrigações vencidas, ou tem bens e direitos que superam as suas obrigações, ou mesmo no momento imediato em que se torna insolvente, não vai poder “...garantir o concurso atempado dos credores ao património da mesma...”, pois o seu passivo será superior ao seu ativo.

  28. Caso o ativo existente esteja contabilizado como superior ao passivo, compete ao Administrador da Insolvência determinar o valor base de venda dos bens no âmbito da Insolvência, nos termos do art. 164.º do CIRE, o qual pode ser inferior ao valor...

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