Acórdão nº 14732/20.3TSPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

O Ministério Público intentou os presentes autos de promoção e proteção relativamente aos menores: a) AA, nascido em .../10/2014; b) BB, nascido em .../11/2008; c) CC, nascido em .../02/2020; d) DD, nascido em .../12/2021.

Os mesmos são filhos de EE, nascida em .../12/1981, em ... e de FF, nascido em .../08/1986, em ....

  1. Depois do envio do processo para Tribunal, por sentença de 03/12/2020, foi aplicada medida de promoção e proteção de apoio junto dos progenitores, a ser executada junto da progenitora, no que se refere aos menores AA e BB.

  2. Realizou-se perícia de avaliação psicológica à progenitora.

    Por despacho de 28/04/2022 foi aplicada, em favor das crianças, e de forma cautelar, a medida de acolhimento residencial.

    Realizou-se debate judicial, tendo sido nomeadas patronas às crianças e ao progenitor.

    Foi decidido, nos termos dos artigos 62.º, n.º 1 e 3, b) e 35.º, n.º 1, g), da L. P. C. J.: . alterar a medida aplicada em relação a AA, nascido em .../10/2014, do BB, nascido em .../11/2008, da CC, nascida em .../02/2020 e do DD, nascido em .../12/2021, aplicando agora a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção.

    Nos termos dos artigos 62.º-A, n.º 6, da L. P. P. e 1978.º-A, do C. C., foi determinada a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos progenitores da criança e proibidas as visitas da família natural, exceto da irmã GG.

    Foi nomeada como curadora da criança a Diretora técnica da Obra ..., atento o disposto no artigo 62.º-A, n.º 5 da L. P. P.

  3. Inconformados com o decidido, os progenitores interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão de 15.06.2023, sem qualquer voto de vencido, decidido: «julgar improcedentes os recursos intentados por EE e FF, confirmando-se a decisão recorrida».

  4. Inconformada veio a progenitora EE interpor recurso de revista excepcional nos termos do artigo 672 n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil e de revista normal nos termos dos artigos 671 e 674 ambos do CPC formulando as seguintes conclusões: 1. O recurso ora apresentado tem na sua génese a decisão do tribunal da Relação do Porto de manter, em sede de recurso, a decisão proferida pelo tribunal a quo de confiar os menores BB, CC, BB e AA a instituição com vista a futura adoção e consequente inibição do exercício das responsabilidades parentais pela progenitora, aqui recorrente, e proibição de visitas.

  5. Decisão, que, sem conceder, decidiu o tribunal recorrido manter, não com base no que vem disposto nas alíneas d) e e) do n.° 1 do artigo 1978.° do Código Civil, conforme inicialmente, sustentou o tribunal de julgamento, mas unicamente, com base na al. d) desse mesmo artigo.

  6. Contudo, não obstante a alteração interpretativa introduzida, trata-se de decisão com a qual a recorrente não pode concordar, sendo que, o Acórdão recorrido incide sobre matéria de Direito e assume particular relevância social, pelo que, vem apresentar o presente de recurso de revista excecional e normal, nos termos previstos nos artigos 671.°, 672.° n.° 1 b) e 674." todos do Código de Processo Civil.

  7. Neste sentido, nomeadamente, // - Considerando que, no caso, estamos perante uma situação em que existe ainda uma ligação afetiva entre o menor, a quem foi aplicada medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, e a sua mãe e que a rutura definitiva dessa relação pode ser geradora de intranquilidade ou incompreensão social, verifica-se o pressuposto previsto na al. b) do n.º 1 do art. 672.° do CPC conducente à admissibilidade da revista excecional. (Sublinhado e negrito nosso), Ac.STJ de 27-04-2021 disponível em https://www.stj.pt/7page id=4222.

  8. Se por um lado, se trata duma decisão que quebra de forma definitiva o contacto de uma mãe com os seus filhos, o que lhe confere a necessária relevância social, fá-lo, por outro lado, de forma perfeitamente, injustificada e desnecessária, o que enfatiza, assim, ainda mais, esse destaque social, e habilita, o presente recurso nas duas modalidades de revista previstas, já que, é também, nesses termos, uma decisão nula e Inconstitucional.

  9. O tribunal recorrido erra na subsunção dos factos ao direito, e na aplicação e interpretação, nomeadamente, do artigo 1978.° n.° 1 d) e n.° 2 do Código Civil.

  10. Para a decisão adotada, tornava-se necessário que se verificassem dois requisitos, o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, e, a colocação da segurança, saúde, formação, educação ou o desenvolvimento dos menores, em grave perigo.

  11. Sem conceder, nem os vínculos de filiação foram seriamente, afetados, nem a progenitora colocou gravemente, em perigo, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento dos menores.

  12. Vejamos que, é o próprio tribunal recorrido que ao afastar a aplicação da al. e) do artigo acima referido, confirma que a recorrente nutre afeto, preocupação e interesse pelos seus filhos, não se compreendendo assim que julgue depois verificadas as premissas acima referidas da al. d), o que é gerador de nulidade nos termos do artigo 615.° n.° 1 c) e n.° 4 do CPC.

  13. São abundantes nos autos os factos que atestam o cuidado da recorrente com o bem-estar, saúde, desenvolvimento e educação das crianças, os quais se encontram demonstrados documentalmente, e não assentam apenas em meros relatos de técnicas desavindas com a progenitora proferidos em audiência de discussão de julgamento, os quais o tribunal de recurso preferiu enaltecer.

  14. Sendo que, sem conceder, existem igualmente, depoimentos prestados nessa sede, que descrevem esse mesmo cuidado, conforme se transcreveu supra em sede de alegações, e aqui se consideram por integralmente, reproduzidos.

  15. A mencionada decisão violou, assim, vários normativos ordinários e preceitos constitucionais, aos quais já se fizeram referência na apelação apresentada, desde logo, o mais elementar princípio norteador de toda a legislação nacional e internacional aplicável a crianças e jovens, que vem nomeadamente, previsto no artigo 4.° n.° 1 a) da Lei n.° 147/99, de 01 de setembro, que é o do Interesse superior da criança e do jovem.

  16. Noticie-se que da sua própria redação se realça a proteção da continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, entre as quais inegavelmente, se incluem a relação com a progenitora.

  17. Foram também atentados os princípios orientadores da intervenção previstos na Lei n.° 147/99, de 01 de setembro, da Proporcionalidade e atualidade, do Primado da continuidade das relações psicológicas profundas e o da Prevalência da família.

  18. Da mesma forma, o princípio da subsidiariedade, que impõe a aplicação da medida sufragada na decisão recorrida, quando nenhuma das demais medidas previstas couberem ao caso, não foi respeitado.

  19. Não se olvide, que a recorrente, ainda que apresente limitações, sempre acompanhou, educou, criou todos os menores durante todo o período que antecedeu a intervenção da comissão de proteção, tendo sido, inclusivamente, a mesma que, em determinado período, reconhecendo que não mais conseguiria assegurar a estabilidade, bem-estar e desenvolvimento destas crianças solicitou que fossem acolhidas em instituição.

  20. Isto, ainda que esteja pericialmente, apurado que a recorrente tem uma personalidade de desconfiança, de ceticismo e de resistência em relação a qualquer intervenção exterior junto das crianças que não passe pelo seu crivo.

  21. Sendo que, ultrapassadas as vicissitudes pelas quais passou, desde logo, manifestou o seu desejo, disponibilidade, e demonstrou ter condições para reintegrar os seus filhos no seu agregado.

  22. Refira-se que, os tribunais recorridos falharam no necessário percurso gradativo para a decisão tomada, sequer do mesmo fizeram menção na sua decisão, não justificando e demonstrando a efetiva e exclusiva necessidade desta medida, tratando-se assim de factualidade em relação à qual se deveriam ter pronunciado, omissão esta que deverá ser cominada em nulidade, que desde já, se argui, nos termos da al. d) do n.° 1 e n.°4 do artigo 615.° do CPC.

  23. O recurso de revista normal apresentado pela recorrente tem como fundamento a violação de lei substantiva, por erro de interpretação da norma aplicável (artigo 1978.° n.° 1 d) e n.° 2 do Código Civil), e as nulidades previstas nos artigos 615° n°. 1 alíneas b) a d) por remissão do artigo 666." todos do CPC que, desde já, se arguem.

  24. Ao confirmar a decisão recorrida violou os artigos 9.º e 1978° n.° 1 d) e n.° 2 do Código Civil, e o artigo 3.° n.° 2 c) e f) da Lei n.° 147/99, de 01 de setembro por erro de interpretação casuística da norma aplicável.

  25. Colocando, assim, sem fundamento, em causa a manutenção do vínculo biológico entre a mãe, aqui recorrente, e os seus quatro filhos, o qual se deve sempre priorizar (artigo 4.° g) e h) da Lei n.° 147/99, de 01 de setembro).

  26. A decisão recorrida carece de fundamentação, foram assim violados o artigo 6.° da Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos da Criança, artigos 3° n.° 2, 5.° e 14.° n.° 2 da Convenção sobre os Direitos da Criança, artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa, o que a faz padecer de nulidade, nos melhores termos previstos no artigo 615." n.° 1 b) e d do Código de Processo Civil.

  27. Os elementos objetivos dos autos imporiam uma decisão diversa, de igual forma, os fundamentos aduzidos estão em contradição com a decisão, bem como, deixou o tribunal recorrido de se pronunciar sobre questões que tinha que se pronunciar, o que, nos melhores termos previstos no artigo 615.° n.° 1 b) a d) e n.° 4 do Código de Processo Civil, fere a decisão recorrida de nulidade que, desde já, se argui.

  28. A decisão é igualmente, nestes termos desproporcional e excessiva, e como tal Inconstitucional violando ainda os artigos 2.°, 3°, 8°, 18.° n.° 2, 36° n.°s 5 e 6 todos da Constituição da República Portuguesa, que, nomeadamente, preveem que a restrição de Direitos, Liberdades ou Garantias deverá...

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