Acórdão nº 1784/21.8T8FAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório A Autora propôs a presente ação declarativa, com processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a restituir-lhe o valor de € 91.295,12, acrescido de juros de mora, à taxa legal, vincendos após a data da prolação da sentença e até integral e efetivo pagamento.

Alegou em síntese: - Contratou com a Ré a construção da estrutura e alvenaria de uma moradia unifamiliar em terreno pertencente à Autora, pelo valor de € 155.702,05, acrescido de IVA, sendo o seu pagamento faseado.

- A Autora efetuou diversos pagamentos à Ré, a solicitação desta, que somaram € 202.551,06, tendo no entanto sido apenas faturados € 96.421,72.

- A Ré, após sucessivos atrasos, abandonou a obra em Abril de 2021, não a tendo concluído.

- O valor dos trabalhos executados ascende a € 90.451,98, acrescendo IVA no valor de € 20.803,96, pelo que a Ré recebeu em excesso € 91.295,12.

Contestou a Ré, impugnando o alegado pela Autora quanto à execução do contrato de empreitada que celebraram, uma vez que esta foi concluída, e alegando que foram efetuadas alterações ao plano da obra inicialmente contratado, assim como foram executados diversos trabalhos extracontratuais, a pedido da Autora, não tendo todos os pagamentos alegados pela Autora respeitado a trabalhos realizados pela Ré.

Concluiu pela improcedência total da ação e pela condenação da Autora como litigante de má fé.

A Autora respondeu ao pedido da condenação por litigância de má fé.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu: a) Declaro resolvido o contrato de empreitada celebrado entre as partes; b) Condeno a ré a pagar/restituir à autora o valor de € 64.463,19 (sessenta e quatro mil, quatrocentos e sessenta e três euros e dezanove cêntimos), absolvendo-a do demais peticionado.

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé.

Desta decisão recorreu a Ré para o Tribunal da Relação que proferiu acórdão em 28.09.2023, com um voto de vencida, que julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida.

Desta decisão volta a recorrer a Ré para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: A - O presente recurso é interposto como manifestação da discordância da recorrente relativamente ao douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que julgou improcedente o recurso de apelação e confirmou a Sentença proferida na 1ª Instância, fê-lo, contudo, com voto de vencido, pelo que, verifica-se uma situação não subsumível à previsão do nº 3 do Art 671º do C.P.C., o que torna admissível a interposição do presente recurso de revista.

B - De modo algum se aceita, atento o Direito vigente e a gritante injustiça consignada em tais decisões, pelo que entendemos que o Tribunal da Relação de Évora ao decidir como decidiu, fê-lo em violação de Lei substantiva, tendo confirmado ilegalmente a Sentença recorrida que condenou em objeto diverso do pedido, integrando o disposto na alínea e) do nº 1 do Art. 615º do Código de Processo Civil, vd. em particular o que consta nas alíneas AN) e AP) das conclusões das recursivas da aqui recorrente.

C - Salvo o devido respeito e melhor opinião, entendemos que o Tribunal da Relação de Évora fez erros de interpretação, de determinação e de aplicação das normas jurídicas aplicáveis discordando-se completamente da fundamentação jurídica e do enquadramento jurídico apresentado no referido Acórdão para julgar improcedente a apelação e confirmar e Sentença condenatória recorrida, por via da qual se declara : "... resolvido o contrato de empreitada celebrado entre as partes ; b) Condeno a ré a pagar / restituir à autora o valor de € 64.463,19 (Sessenta e quatro mil, quatrocentos e sessenta e três euros e dezanove cêntimos) (…) . ”.

D - Nos presentes autos, nenhuma das partes peticionou ou suscitou ao longo do processo nos seus articulados, audiência prévia, despacho saneador e audiência de discussão e julgamento a questão da resolução do aludido contrato de empreitada, pelo que a Sentença condenou a recorrente em objeto diverso do pedido, o que foi agora confirmada com fundamentação e enquadramento jurídico deficiente e com manifestos erros de interpretação pelo Tribunal da Relação de Évora quanto as normas jurídicas aplicáveis.

E - Nunca tendo a autora/recorrida formulado qualquer pedido de resolução do contrato de empreitada constante dos autos, devia o Tribunal da Relação de Évora ter decidido declarar nula ou anular a alínea a) do dispositivo da Sentença, o que não sucedeu, pelo que, violou o disposto no artigo 609º, nº 1 do Código de Processo Civil, por via do qual a Sentença não pode condenar em objeto diverso do que se pedir, e integrou o disposto na alínea e) do nº 1 do Art. 615º do Código de Processo Civil.

F - A nulidade da Sentença de condenação em objeto diverso do pedido, funda-se no princípio do dispositivo, que atribui ás partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a ação pressupõe, sem que lhe seja pedido por uma das partes e a outra seja citada para contestar.

G - A regra de estabilidade do pedido, comporta exceções, podendo o pedido ser ampliado, por acordo das partes, em qualquer altura da causa, ou por iniciativa do autor até ao encerramento da discussão em primeira instância, o que nunca sucedeu nos referidos autos.

H - E nunca tendo a autora/recorrida na sua petição inicial e nos autos, peticionado, feito prova e/ou exercido e/ou manifestado o seu direito quanto à resolução do contrato de empreitada outorgado, quer fosse nos articulados e/ou em audiência prévia e/ou de julgamento, não tendo sido fixado em sede de Despacho saneador como objeto do litígio ou qualquer outro, devia o Tribunal da Relação de Évora ter decidido declarar nula ou anular a alínea a) do dispositivo da Sentença, o que não sucedeu, tendo assim violado o artigo 609º, nº 1 do Código de Processo Civil e a alínea e) do nº 1 do Art. 615º do Código de Processo Civil, por via da qual : "É nula a Sentença quando :..." o Juiz condene em objeto diverso do pedido.

I - Termos em que aqui se requer que seja por este Supremo Tribunal de Justiça revogado o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, por violação do artigo 609º, nº 1 do Código de Processo Civil e a alínea e) do nº 1 do Art. 615º do Código de Processo Civil, declarando-se nula ou anulada a alínea a) do dispositivo da Sentença recorrida, com as legais consequências J - O artigo 1207º do Código Civil define a empreitada como: “…o contrato mediante o qual alguém se compromete a realizar certa obra mediante um preço”. A obra tem que ser realizada mediante um preço. O preço tem que corresponder a uma obrigação pecuniária, podendo ser de acordo com várias modalidades/regimes, nomeadamente: a) preço global; b) preço por artigo; c) preço por medida; d) preço por tempo de trabalho; e) preço por percentagem.

L - No que se refere ao contrato de empreitada e proposta objeto nos presentes autos A./recorrida e a R./recorrente acordaram mutuamente na cláusula 3ª que a empreitada é por preço/valor global fixo, ou seja, o preço é estabelecido no momento da celebração do contrato e fixado definita e globalmente para toda a obra, uma vez que este regime / modalidade de preço oferece garantias tanto para o dono da obra como para o empreiteiro, uma vez que com a fixação antecipada e definitiva do preço global da empreitada no ato de outorga do contrato e da proposta, cada parte poderá beneficiar se ocorrerem variações nos aumentos e/ou diminuições dos preços dos materiais, da mão de obra ou outros encargos decorrentes.

M - E se o contrato de empreitada e proposta comercial acordado e outorgado que consta dos autos é por preço / valor global, isto implica um acordo prévio de pagamento total global fixo para aqueles trabalhos e materiais entre A/recorrida e R/recorrente, independentemente das quantidades, valores e/ou preços variarem aquando da execução daqueles trabalhos e aplicação dos materiais no âmbito do contrato de empreitada, inexistindo qualquer direito do empreiteiro ou do dono da obra a exigir um do outro acréscimos de pagamentos daqueles valores e/ou quantidades variáveis ou reclamar a restituição ou a redução daqueles valores e/ou materiais através de medições e quantificações posteriores a efetuar por um ou por outro, os quais estão fora da natureza e do objeto do acordo estabelecido entre as partes no que respeita ao regime / modalidade de preço/valor global fixo.

N - Conforme dispõe o artigo 405º do Código Civil: “Dentro dos limites da lei as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”, ou seja, ambas as partes no âmbito da sua liberdade contratual e princípio da autonomia privada acordaram e outorgaram o contrato de empreitada e proposta que consta nos autos na modalidade de preço/valor global fixo, tendo os trabalhos e materiais aí inscritos sido efetivamente executados conforme ficou considerado provado nos pontos 22. e 23. dos factos provados da Sentença proferida, bem como no Relatório de Perícia-objeto da perícia: nos pontos 1., 2., 3., 4, 5. que consta dos autos com refª. citius nº ...28.

O - O preço integra a noção legal de empreitada, logo tendo a A./recorrida e R./recorrente acordado expressamente que o contrato de empreitada que outorgaram é fixado como valor global fixo, o Tribunal da Relação de Évora deveria ter considerado e ponderado no Acórdão proferido os seus legais efeitos no que respeita aos pagamentos do preço efetuados no âmbito daquele contrato de empreitada, o que não fez corretamente em sede de fundamentação de direito, designadamente no ponto: "3. Reapreciação de mérito.".

P - O Tribunal da Relação de Évora não analisou e ponderou corretamente os efeitos jurídicos decorrentes do "valor global fixo" acordado no âmbito do...

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