Acórdão nº 460/20.3T8LSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelANA PAULA LOBO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I – Relatório I.1 – relatório AA apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08 de Novembro de 2022 que revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e condenou o réu no pagamento ao A da quantia de €28.511,69 (vinte oito mil quinhentos e onze euros e sessenta nove cêntimos) a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões: I.

O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão da Relação de Lisboa que, alterando a matéria de facto, revogou a decisão proferida em primeira instância, condenando o Recorrente a pagar ao Recorrido no montante de €28.508,69, acrescidos de juros desde a citação, a título de indemnização resultante de Responsabilidade Civil Extracontratual.

II.

Se, em regra, a determinação da matéria de facto está subtraída à cognição do Supremo Tribunal, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá censurar a decisão do Tribunal da Relação quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais.

III.

Isto é, cabe ao STJ decidir, perante o caso concreto, se era ou não permitido o uso de tais presunções.

IV.

Ou seja: o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação no sentido de averiguar se ela "ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ionicidade ou se parte de factos não provados." In Acórdão do STJ de 07-07-2016.

V.

No âmbito da de responsabilidade extracontratual, o ónus da prova impende, nos termos do disposto no artigo 342.º do CPC, sobre o lesado, ou seja, cabe ao lesado provar todos os factos que integram a responsabilidade civil, nos termos do disposto no artigo483.ºdo Código Civil.

VI.

Isto é, o lesado tem de alegar e provar (i) existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, (ii) a ilicitude, (iii) a culpa, (iv) o dano e o (v) nexo de causalidade entre o facto e o dano.

VII.

Sucede que a decisão proferida pela Relação alterou a matéria de facto, eliminando factos dados como provados pela 1.ª Instância, e como deu como provados outros que não têm nem assento na prova produzida, nem nas regras da experiência comum, consequentemente violando o disposto no artigo349.º do Código Civil.

VIII.

Sem prejuízo do supra exposto, importa ter presente o seguinte: IX.

A procuração junta com a PI, outorgada pela administração do Condomínio, está datada de16 de janeiro de 2018.

X.

Por sua vez, a deliberação do Condomínio que determinou a instauração dos presentes autos, data de26 de novembrode2019, conforme ata junta coma PI como documento19.

XI.

Ora, a procuração forense com data anterior à celebração e propositura desta ação, assinada por quem estava a cessar o mandato e quando já tinha sido nomeada uma nova administração do condomínio - que iria tomar posse na reunião seguinte- configura irregularidade do mandato.

XII.

Os presentes autos são de constituição obrigatória de advogado (cfr. artigo 40.º do Código de Processo Civil) e, como tal, a falta ou insuficiência de mandato determina, senão suprida, uma exceção dilatória (art.577.º, alínea h), do Código de Processo Civil), a qual pode ser arguida a todo o tempo.

XIII.

Nestes termos, deve ser declarada verificada a exceção ora invocada e, em consequência, ser o R absolvido da instância (artigo 278.º n. ºalínea b) do Código de Processo Civil).

XIV.

Caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder: XV.

Na definição da matéria de facto provada, e conforme já referido supra, violou-se por erro de aplicação e interpretação, o disposto nos artigos 342.º e349.º do Código Civil. Vejamos: XVI.

Conclui-se no Acórdão recorrido existir contradição entre factos dados como provados pela Primeira Instância (al. JJ) e LL), nn) e oo)), sendo, consequentemente, os mesmos eliminados dos factos provados.

XVII.

Não existe, porém, e como se verá, qualquer contradição.

XVIII.

O Recorrente exerceu o seu mandato entre 2011 e até 15 de maio de 2015 (cfr. nota 3 de página 20 do Acórdão recorrido). Ora, as contas de 2015 não foram elaboradas pelo Recorrente, mas pelo administrador que se seguiu, e como tal não lhe pode ser imputada qualquer divergência.

XIX.

Mas, na verdade, percorrendo a matéria de facto dada por provada pelas Instâncias, em nenhum momento se encontra o valor das citadas divergências.

XX.

O único documento junto aos autos com referência à alegada "divergência" é o documento 9 junto com a PI, no qual se diz expressamente "como apuramento das contas de 2015 verificou-se uma diferença líquida de 2061,65€ que não sendo do exercício de 2015 se presumiu poder ter origem em anos anteriores." XXI.

Ora, os condomínios têm uma única receita: as contribuições dos condóminos; e têm despesas diversas: água, administrativas, eletricidade, elevadores, limpeza, obras, salário de porteira e vigilantes, segurança social, seguro de acidentes de trabalho, seguro do condomínio, e remuneração da administração se a ela houver lugar.

XXII.

As contas de um condomínio são prestadas sob a forma de conta corrente de despesas e receitas, com transferência de saldos de um ano para o outro.

XXIII.

Não há reconciliações bancárias, nem se aplicam aos condomínios as regras de normalização contabilística previstas no Decreto-Lei n. º158/2009, de13de julho alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015de 2 de junho que fez a transposição de uma diretiva comunitária.

XXIV.

Os administradores de condomínio prestam contas às assembleias de condomínio e estão obrigados a fornecer todas as informações que lhe forem pedidas.

XXV.

Os movimentos das contas bancárias, não são elemento da contabilidade do condomínio, e não são elementos relevantes dessa mesma prestação de contas. Outrossim o são o valor dos saldos das contas bancárias e o total das receitas e os valores de despesas.

XXVI.

Acresce que nenhuma norma existe que impeça, exceto o bom senso para evitar confusões patrimoniais, um administrador do condomínio de fazer pagamentos através de uma conta bancária em seu nome.

XXVII.

Ora, os condóminos do Recorrido receberam em assembleias gerais de prestação contas todas a informações relevantes à data das assembleias do Recorrente com os documentos de suporte às mesmas contas.

XXVIII.

Como consta da factualidade provada constante das alíneas j) e l) e m) e n), só em 2017 foi apontada a falta dos documentos de suporte das contas apresentadas pelo Recorrente nos anos em que foi administrador; ou seja, dois anos após o Recorrente ter cessado a sua administração e deixado de ter em seu poder os documentos do condomínio.

XXIX.

Note-se que na assembleia geral de 2016 que ocorreu em 27 de outubro, (cfr. DOC 6 junto com a PI) o administrador que apresentou contas de 2015, as quais não foram aprovadas, nunca refere a falta dos documentos do condomínio, e só em agosto de 2017 (cfr. factos provados sob as alíneas r), s), t) e x)) é questionado o Recorrente assim como o administrador que lhe sucedeu, o senhor BB, sobre a localização dos documentos.

XXX.

Ou seja, não existe nenhuma contradição entre os fatos provados nas alíneas i), n) e j), l), m), p) e os JJ) e LL) que permitisse a eliminação pura e simples desta factualidade provada.

XXXI.

Cabia ao Recorrido alegar e provar qual era a divergência entre as contas e os saldos bancários e não só alegar que haveria uma divergência.

XXXII.

Para cumprir o ónus de alegação e prova que sobre si impendia, mercê do disposto nos artigos342.ºe 483.º do Código Civil, era absolutamente necessário que o Recorrido tivesse alegado e demonstrado a medida dessa divergência.

XXXIII.

Nomeadamente, para que pudesse ser julgada procedente a ação, o Recorrido teria de ter alegado - o que não fez - que os pagamentos referidos na alínea b) dos factos provados, bem como as transferências, importavam um deficit nas contas do condomínio.

XXXIV.

Ou seja, o Recorrido teria de identificar concretamente qual montante em falta para se poder concluir, como impropriamente se refere no Acórdão recorrido, um desfalque.

XXXV.

Ora, analisada toda a prova produzida nunca se alcança que o valor do pedido esteja em falta quer nas contas do condomínio, quer nas contas prestadas e aprovadas, quer ainda nos saldos bancários.

XXXVI.

O Recorrido em momento algum alega qual era o valor de receita do condomínio nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, ou 2015.

XXXVII.

Muito menos alega- nem tal consta dos factos provados e não aprovados - qual foi o saldo apurado em cada um destes anos.

XXXVIII.

Também não alega, nem demonstra, que somando ao saldo bancário inicial (janeirode2011) as cotizações dos condóminos e deduzindo as despesas, está em falta nas contas bancarias o valor em que o Recorrente foi condenado.

XXXIX.

Os valores que constam de contas aprovadas em assembleia geral e não impugnadas, nunca são referidos pelo Recorrido.

XL.

Diz-se no douto Acórdão recorrido que não está demonstrado que as transferências bancárias e pagamentos elencados em p) e u) tenham sido efetuados para suportar de despesas de administração do condomínio, o que deveria ter ocorrido, ainda que fossem quantias muito pequenas.

XLI.

Acontece que as contas do condomínio foram aprovadas e nestas constam as despesas efetuadas.

XLII.

Em maio de 2015, o Recorrente deixou a administração do condomínio e, como tal, a documentação ficou ao cuidado das administrações subsequentes. E caberia ao Recorrido alegar e demonstrar que os pagamentos e transferências efectuadas não o foram em benefício do condomínio (cfr. artigo 342.ºdo Código Civil).

XLIII.

E mesmo que assim não fosse, tendo desaparecido os documentos de suporte da contabilidade, esse facto não pode ser valorado contra o Recorrente como se faz no douto Acórdão recorrido, mas sim valorado contra quem tinha a disponibilidade legal, e de facto, os documentos e a obrigação de conservar a documentação, e que é o Recorrido(artigo 344.ºdoCódigoCivil).

XLIV.

Discorre-se no douto Acórdão recorrido sobre o bloqueio da conta do...

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