Acórdão nº 2227/18.8T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou a presente acção declarativa contra Banco BIC Português, S.A.

, (antes BPN, S.A.), pedindo que: «1 – O réu seja condenado a pagar ao autor o valor de 200.000,00 €, correspondente à subscrição aludida no articulado inicial, acrescido dos juros remuneratórios convencionados e dos juros de mora já vencidos desde 9 de Maio de 2016 e vincendos até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, bem como dos danos não patrimoniais causados no montante de 20.000,00 €; 2 – Subsidiariamente, o réu seja condenado a pagar ao autor uma indemnização que englobe o valor do montante de subscrição (200.000,00€), os juros remuneratórios convencionados e de mora vencidos desde 26 de Junho de 2006 e vincendos até ao trânsito em julgado da condenação e danos não patrimoniais causados, estes no montante de 20.000,00 €.» Alegou, em síntese, o seguinte: o A. é cliente do ora R., antigo BPN; em Junho de 2006, o A. detinha junto do referido banco (BPN) depósitos a prazo, tendo sempre optado por guardar o seu dinheiro em instituições bancárias através desse tipo de aplicações, sem nunca o arriscar em produtos financeiros cujo funcionamento desconhece; no dia 26 de Junho de 2006, a pedido e por insistência do gerente da agência de ... do BPN, o A. subscreveu, por endosso, obrigações, no valor de € 200.000,00 (duzentos mil euros), denominadas de «SLN RENDIMENTO MAIS 2004» já que o BPN, através do referido gerente, criou no A. a convicção de que se tratava de um produto equiparável a um depósito a prazo, com reembolso garantido; decorrido o prazo de reembolso, o A. insistentemente instou o R. para efectuar o pagamento do montante em causa, tendo o demandado referido tal não ser possível em virtude de não ser o responsável por esse pagamento; a situação em apreço causou ao A., paralelamente, danos não patrimoniais cujo ressarcimento reivindica.

O R. contestou, arguindo as excepções de incompetência territorial e de prescrição; e impugnando a factualidade alegada pelo A..

Após exercício do contraditório, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a arguida excepção de incompetência territorial.

Foi proferida sentença com a seguinte decisão: «Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido: a) Condenar o réu a pagar ao autor a quantia de 200.000,00 € (duzentos mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; b) Absolver o réu da restante parte do pedido; c) Condenar o autor e o réu no pagamento das correspondentes custas, na proporção do decaimento; d) Ordenar o registo e notificação da presente sentença.».

Tendo o R. interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi o mesmo julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

2.

Veio o R. interpor recurso, por via excepcional, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual foi admitido por acórdão da Formação prevista no n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil.

3.

Formulou o Recorrente as seguintes conclusões: «1. O douto acórdão da Relação do Porto violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, comparando o mesmo a um depósito a prazo, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado ao A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso… 5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! 8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! 9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! 14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação… 17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma caracterís3ca técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave! 20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelo Autor, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar do autor não ser investidor com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si! 33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros...

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