Acórdão nº 9017/14.7T8PRT-G.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça Nos autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente BPI, o executado, AA, arguiu a nulidade do despacho que fixou o valor base dos bens a vender.

Para o efeito alegou, em síntese, que o processo de execução já estava extinto desde 8 de Junho de 2022, por efeito do acórdão proferido, em 4 de Maio de 2022, no apenso E, pelo Tribunal da Relação do Porto. Segundo o requerente, no referido processo de embargos, deduzido pelo seu cônjuge, foi declarada extinta a execução por o crédito do exequente se encontrar prescrito. Logo – continuou o requerente –, o despacho que fixou o valor base dos bens era nulo pois foi proferido em violação do acórdão que decidiu do mérito dos embargos e após estar esgotado o poder jurisdicional sobre os autos de execução.

A arguição de nulidade foi indeferida. As razões do indeferimento foram, em síntese, as seguintes: • A execução só foi extinta, por prescrição, quanto a BB, cônjuge do executado; • A prescrição só aproveita a quem a invoca validamente.

Apelação O executado não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação do Porto, pedindo se substituísse a decisão do Tribunal a quo por uma outra que conhecesse da nulidade do despacho que fixou o valor para a venda dos bens penhorados, atento o facto de os autos já estarem extintos desde 8 de junho de 2022, por prescrição do crédito da exequente, em obediência à decisão transitada em julgado do Acórdão constante dos autos, anexo E, e, nesses termos, deveriam, igualmente, os autos ser remetidos à conta.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 12-07-2023, julgou improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.

Revista O executado não se conformou com a decisão e interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672.º do CPC, pedindo se substituísse a decisão do Tribunal a quo por uma outra que conhecesse da nulidade do despacho que fixou o valor para a venda dos bens penhorados, atento o facto de os autos já estarem extintos desde 8 de junho de 2022, por prescrição do crédito da exequente, em obediência à decisão transitada em julgado do Acórdão constante dos autos, anexo E, e, nesses termos, deveriam, igualmente, os autos ser remetidos à conta.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes 1. O presente recurso é admissível: a. Por o acórdão recorrido ter decidido sobre questão de enorme relevância jurídica – os efeitos legais dos embargos de cônjuge de executado –, uma vez que, nos termos defendidos no acórdão recorrido, os embargos de cônjuge de executado não passam de mero pro forma, donde não resultam quaisquer efeitos práticos na execução propriamente dita, pelo que é claramente necessária uma apreciação do mesmo para uma melhor aplicação do direito – a aplicação conforme o disposto nos artigos 33.º (por imposição legal do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 786.º do Código de Processo Civil), 34º e 35.º do Código de Processo Civil, dado que os embargos do cônjuge do recorrente, julgados procedentes no apenso E, são uma única ação com pluralidade de sujeitos e não um processo independente em relação aos seus contrapartes.

  1. A ser julgada conforme a interpretação da lei plasmada no acórdão recorrido, chegaríamos ao absurdo jurídico da casa de família poder ser vendida e o cônjuge do executado deduzir embargos de executado e recusar-se a abandonar a casa onde reside, dado que o crédito da exequente está prescrito.

  2. Quanto à relevância social da decisão quanto à matéria do recurso esta é patente, está em causa a certeza e segurança do direito, dado que, de outro modo, o cônjuge embargante que vê os seus embargos totalmente procedentes com a sentença que decreta a extinção a dívida exequenda, da qual não é devedor, ficaria na posse de uma sentença sem quaisquer efeitos práticos, para “pendurar na parede”, tendo sido perdido tempo e energia num processo a “fazer de conta”, só para que conste que exerceu o seu direito a reagir num processo que o afeta diretamente, mas do qual não resulta qualquer efeito na proteção da “economia familiar” – a ratio legis em que se funda o seu direito a deduzir embargos.

  3. Tanto mais incoerente tal posição é quanto é a própria letra da lei que impõe como consequência da não citação para embargar a execução do cônjuge do executado a nulidade de todo o processado.

  4. O Acórdão recorrido está em oposição com o Acórdão da Relação de Évora, Proc. n.º 1623/20.7T8STB-A.E1, de 25 de fevereiro de 2021, in http://www.dgsi.pt, o qual é absolutamente clarificador quanto ao regime legal aplicável aos embargos, quando existem vários embargantes: “1 – Pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, donde decorre necessariamente que relativamente ao executado que não deduz oposição à execução não ocorre um cenário de revelia nos termos preceituados para a acção executiva.” (doc. n.º 1); f. Em igual sentido, pode-se ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 498/12.4TTVCT-C.G1, in http://www.dgsi.pt : “O estatuto do cônjuge consagrado no artigo 787º do CPC visa dar cumprimento processual ao regime substantivo do artigo 1682.º-A do CC, o qual dispõe: (Alienação ou oneração de imóveis e de estabelecimento comercial) 1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens: a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns; b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum. 2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges. A citação do cônjuge do executado nos termos do aludido normativo, no caso de dívidas não comunicáveis, pressupõe que a intervenção por parte do cônjuge na execução, com todos os direitos que a lei processual confere ao executado, é para defesa de direitos próprios do cônjuge. A norma do Cód. Civ. visa a proteção da “economia familiar”, salvaguardando determinados ativos que se encontram na esfera patrimonial do casal, considerados, dada a sua aptidão valorizativa e estabilizadora, como fundamentais, tal como a norma os entende (imóveis). Para tais bens exige a lei uma confluência das vontades de cada um dos membros do casal para a prática dos atos previstos na norma. Só assim não será se vigorar o regime de separação de bens, e sempre com salvaguarda da casa de morada de família. São estes interesses relativos ao património “familiar”, que o cônjuge defende, como interesse próprio, que justificam o especial estatuto a que nos vimos referindo, dando-lhe em consonância todos os direitos de defesa que cabem ao executado. Coloca-se assim a economia familiar a coberto de eventuais negligências do executado e desinteresse deste na proteção dos bens imóveis do casal. E tendo em conta estes objetivos, é irrelevante saber se o imóvel é próprio ou comum. Tanto assim é que a norma do artigo 786º, a), primeira parte, não lhe faz referência, aludindo apenas a que deve tratar-se de imóvel que o executado não passo por si só alienar, o que no regime de comunhão de bens e de comunhão de adquiridos, ocorre com qualquer imóvel seja próprio ou comum.” 2. O despacho que fixa o valor para a venda dos bens penhorados é nulo, dado que os autos já estão extintos desde 8 de junho de 2022, em obediência à decisão transitada em julgado do Acórdão da constante dos autos, apenso E, Acórdão de 4 de maio de 2022, da 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou procedente o recurso interposto, revogando o saneador-sentença recorrido na parte que não conheceu da prescrição, e declarando extinta a execução por se verificar a prescrição do crédito da Exequente.

    1. Não deixa de ser interessante destacar que a exequente optou por não se pronunciar quanto ao requerimento do ora recorrente a arguir a nulidade da fixação do valor para a venda dos bens penhorados, nem apresentou contra-alegações.

    2. O Douto acórdão ora recorrido, ao julgar improcedente a arguição de nulidade, erra clamorosamente ao entender que: “I- Por via de regra, o executado que não embargue a execução não fica abrangido pela eficácia do caso julgado da decisão final de procedência de embargos deduzido por outro executado, por aplicação do disposto nos artigos 580º, nº 1, 581º, nºs 1 e 2 e 619º, nº 1...

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