Acórdão nº 826/20.9T8OAZ-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023
Magistrado Responsável | EMÍDIO SANTOS |
Data da Resolução | 07 de Dezembro de 2023 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça AA, residente na rua ... nº 88 – 1º dto, ...,..., requereu, por apenso ao processo de inventário instaurado por óbito de BB e CC, a prestação de contas pelo cabeça-de-casal da herança, DD, residente na rua... nº 145-7º esqº, em ..., ....
Citado, o requerido apresentou contas relativas ao período de tempo em que exerceu as funções de cabeça-de-casal, ou seja, de 2014 a 2021.
A requerente contestou, pedindo se julgassem parcialmente improcedentes as contas apresentadas e se adicionasse ao saldo apresentado as receitas supervenientes, eliminando-se todas as despesas não aceites e condenando-se o apresentante no saldo final.
Entretanto, a instância sofreu a seguinte modificação subjectiva: foi admitida a intervir nos autos, ao lado da requerente, EE.
Citada, declarou que concordava com as contas apresentadas pelo cabeça-de-casal.
O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou as contas apresentadas pelo requerido DD (a 04.05.2021 com a rectificação de 10.09.2021) devida e adequadamente prestadas e apuradas e, em consequência, julgou aprovadas as receitas obtidas e despesas realizadas por aquele, condenando as partes a respeitar esse apuramento, com distribuição do remanescente do saldo, caso não tivesse sido efectuado até ao momento.
Apelação A requerente não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo se revogasse a sentença na parte em que considerou justificadas todas as despesas, decidindo-se que as impugnadas pela autora não deviam ser aprovadas.
As despesas em questão eram as inseridas sob as seguintes rubricas: a) partilhas, despesas de herança; advogado; taxas de justiça; b) reparação, obras, manutenção (excepto condomínio).
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 12-07-2023, julgou parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência, alterou a sentença recorrida, não aprovando as verbas da despesa relativas a taxas de justiça, a advogados, a obras no apartamento de ..., no montante de 12 915 euros, ao Couto ...
e alterando, em conformidade, o saldo das contas apresentadas.
Revista A requerente não se conformou com o acórdão da Relação do Porto e interpôs recurso de revista, pedindo se revogasse o acórdão em conformidade com as conclusões do recurso, nas quais se encontravam referidas as normas interpretadas de forma inexacta no acórdão.
As conclusões do recurso foram as seguintes: 1. O Acórdão recorrido cita quatro doutrinadores, dois Acórdãos deste Supremo e vários do Tribunal da Relação que uniformemente se pronunciaram no sentido de que, na acção de prestação de contas, não há lugar jurisdicional à crítica interna de boa ou má administração dos gastos e das receitas nas contas prestadas pelo cabeça-de-casal.
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Muitos outros Acórdãos decidiram no mesmo sentido – cfr. os deste Supremo de 2003.06.20, consultável em w..........
, de 2003.07.01 (Revista n.º 1913/03 - 6.ª Secção) e de 2006.02.09, Proc. nº 05B4061; Acórdão RP de 1978.06.20, in BMJ 279-254; Acórdão RL de 2017.04.06, consultável em w.......... – todos parcialmente citados na presente alegação.
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Basicamente, e em resumo, foi uniformemente entendido que a obrigação de prestar contas é, sobretudo, uma obrigação de informar, constante do artigo 573.º do Código Civil, não sendo a respectiva acção a sede para apurar se houve boa ou má administração, mas, apenas, se as receitas e despesas efectivamente ocorreram.
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E que para aquilatar da diligência da administração o meio adequado será o processo comum, que não o processo especial de prestação de contas 5ª- O Acórdão recorrido, afirmando que «na acção de prestação de contas não podem ser aprovadas receitas que (…) podia e devia ter obtido se tivesse exercido uma administração zelosa e cuidada (…)», situação que, a verificar-se, «terá de ser objecto de uma acção de responsabilidade que seguirá a forma do processo comum (…)», mais afirmou (cremos que em desconformidade) que não deverá consolidar-se o que classifica de «uma ideia que peca certamente por excesso»; 5. não obstante o que antes dissera, mais considerou o Acórdão que «(…) isso não invalida que a acção especial de prestação de contas tenha por objecto, conforme expressamente indicado no artigo (sic) 941º, 943º nº 2 e 945º nº 5, do Código de Processo Civil, não só o apuramento, mas também a aprovação, das receitas obtidas e das despesas realizadas».
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Antes de abordar cada item suscitado no Acórdão recorrido, cujo referido raciocínio conduziu à alteração da sentença da 1ª Instância, impõe-se ter presentes três considerandos prévios: O primeiro: refere o Acórdão que a decisão da 1ª Instância não fez a enunciação dos factos provados e não provados; porém – dizemos nós – ao julgar «prestadas as contas», aceitou como boas, quer as receitas, quer as despesas apresentadas.
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Tanto assim que o Tribunal da Relação não ordenou a baixa do processo à 1ª Instância, designadamente para que esta eventualmente fizesse a enumeração desses factos, como oficiosamente poderia, nos termos do art. 662º nº 2 al. d) do CPC.
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O segundo: quando o Acórdão afirma que o Tribunal deve «fazer recair sobre as receitas e despesas um juízo positivo de pertinência, adequação e justificação face aos objectivos da administração», com essa atitude, o Tribunal está obviamente a fazer um juízo de valor sobre se houve boa ou má administração.
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Pois que dessa forma pronuncia-se sobre os rendimentos eventualmente deixados de auferir ou sobre as despesas realizadas em consequência de má administração – o que está em contradição com o entendimento das decisões e considerações doutrinais citadas nas 1ª a 3ª conclusões supra (que, estas, se afiguram correctas).
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Por outro lado, ao contrário do entendimento propugnado no Acórdão recorrido, e salvo melhor opinião, não se vislumbra que os art.s 941.º, 943.º, n.º 2, e 945.º, n.º 5, do CPC, nele citados, permitam ao Tribunal, num processo da natureza do presente, apurar se houve boa ou má administração.
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O terceiro: como refere o Acórdão na sua pág. 4, os considerandos, apreciações e conclusões que explana versam sobre «Matéria de Direito» (aliás já também o dissera a sentença da 1ª Instância logo no início da parte «Da Motivação»).
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E afigura-se que efectivamente assim é, pois que, desde logo, a interpretação dada aos art.s 941.º, 943.º, nº 2, e 945.º, n.º 5, do CPC, a amplitude de poderes que o Acórdão afirma que tais preceitos atribuem ao Tribunal, é, ostensivamente, questão de Direito, consubstanciada em saber se nessa interpretação ocorre ou não ofensa dessas mesmas disposições legais.
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O Acórdão recorrido, ao considerar que determinadas despesas não são, a seu ver, de aceitar, no fundo, procede a alterações da matéria de facto, com base nos preceitos atrás citados.
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Ora, como refere o Acórdão deste Supremo de 2019.11.20 (Proc. nº 62/07.0TBCSC.L3.S1), citado na presente alegação: «III. O Supremo Tribunal de Justiça (..) apenas pode intervir nos casos em que seja invocado erro de direito, por violação de lei adjectiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei (…)». (Destaque, nosso).
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O Acórdão, também deste Supremo, de 2017.01.19 (Proc. nº 841/12.6TBMGR.C1.S ), embora refira como residual «(…) a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes».
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Ou seja, este Supremo pode conhecer do presente recurso, uma vez que nele é invocado erro de direito, por violação de lei adjectiva civil, o que redunda em erro de julgamento [caso não determine dever ser ampliada a matéria de facto – no mesmo sentido, o Acórdão, também deste Supremo, de 2009.10.21 (Proc. nº 474/04.0TTVIS.C1.S1 - 4.ª Secção), parcialmente citado nesta alegação].
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Isto posto, passa-se a abordar os vários pontos postos em causa no Acórdão recorrido e que levaram à não-aceitação de várias despesas: 18. O recorrido deixou já frisado que houve receitas que cobrou e despesas que realizou, não tendo documentos justificativos para as mesmas; pela razão de se tratarem de situações em que não é habitual cobrar recibo (p. ex.: limpeza de terrenos); o Acórdão recorrido, referindo-se às receitas e às despesas não documentadas, afirmou concordar com a aqui recorrida, quando afirma que «O que a autora aceitou está assente e pode ser aprovado; o que não aceitou não está assente e por isso carece de julgamento para que o tribunal possa decidir se aprova ou não as demais verbas das contas apresentadas».
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Sem prejuízo de as receitas não documentadas serem significativamente superiores às despesas em iguais circunstâncias, mostra-se ser uma dualidade de critérios em termos de sã coerência aceitar aquelas e rejeitar estas – o que se afigura não ser de admitir, pois embora lei refira que as contas devem ser instruídas «com os documentos justificativos» (art. 944º nº 3 do CPC), a ora recorrida não rejeitou as receitas indocumentadas com base no «incumprimento» desse normativo… 20. A propósito, refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 2015.12.16 (Processo nº 423/08.7TBLMG.C1) que, nas acções de prestação de contas, o Juiz «deverá valorar a prova trazida para os autos em termos bastante mais flexíveis do que numa mera análise estrita da prova, segundo os critérios de certeza judicial», «atender...
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