Acórdão nº 4304/16.2T8LRS-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelEMÍDIO SANTOS
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça Obracima- Construções Unipessoal, Ld.ª, instaurou execução contra Sociedade Agrícola Félix Rocha, Ld.ª, para pagamento da quantia de € 104.816,83.

A execução teve por base um cheque emitido pela executada no valor de € 97 404,23 datado de 30-05-2015.

No requerimento executivo alegou o seguinte: “A exequente é uma empresa que se dedica à construção civil e às obras públicas, tendo efectuado estes serviços ao executado em Março 2015. Os serviços prestados pela exequente ao executado ascendem à quantia de € 97.404,23 (noventa e sete mil quatrocentos e quatro euros e vinte e três cêntimos). Para o pagamento dos serviços prestados, o executado entregou à exequente um cheque no valor supra mencionado. Apresentado o cheque a pagamento, foi o mesmo devolvido por falta de provisão, pelo que a exequente tem direito a receber do executado o pagamento do capital em dívida, acrescido dos juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. O Executado, apesar de interpelado para pagar, não pagou a quantia em dívida ao Exequente.” No quadro denominado “declarações complementares” consta: “Até ao dia 28 de Março de 2016, acrescem ao valor em dívida e constante no cheque que serve de base à execução, juros moratórios vencidos e os que se vencerem até efectivo e integral pagamento; Pelo que a dívida ascende, nesta data, aos € 104.816,83 (cento e quatro mil oitocentos e dezasseis euros e oitenta e três cêntimos). A dívida é certa, líquida e exigível.” O requerimento executivo foi ainda instruído com os seguintes documentos: doc. 1, denominado contrato de empreitada celebrado entre as partes; doc. 2, que constitui um cheque emitido pela executada no valor de € 97 404,23; doc. 3, composto por cinco faturas e três autos de medição com os números 2, 3 e 4.

A executada deduziu oposição mediante embargos. Os fundamentos da oposição foram, em síntese, os seguintes: • Prescrição da obrigação cambiária; • O cheque não vale como título por não ter sido alegada a relação subjacente, nem ela constar do título; • A executada contratou a prestação de serviços da exequente, concretamente a execução de vários trabalhos de construção civil, mas a requerente não realizou os trabalhos mencionados na factura que apresenta com o requerimento executivo, o que levou a executada a declarar o extravio do cheque; • Não existe da parte da exequente qualquer intento em cumprir com a execução dos trabalhos, considerando-se o contrato celebrado incumprido; • A executada, atento o lapso de tempo decorrido sem que a exequente tivesse procedido à execução da obra conforme contratado – desde início de 2015 –, não tem qualquer intenção de ver, agora, cumpridas as obras; • Assiste à executada a faculdade de recusar o pagamento do preço da obra; • Não estando a executada em incumprimento também não se encontra em mora, pelo que não são devidos os juros de mora reclamados, os quais não foram alegados, tornando a obrigação ilíquida; • O contrato é de considerar resolvido pelo incumprimento da exequente e pela falta de interesse, da executada, na realização da prestação.

A exequente contestou os embargos. Começou por invocar a excepção de caducidade. Pediu, em consequência, a absolvição do pedido deduzido sob a alínea c) – excepção de não cumprimento do contrao como causa justificativa para não pagamento e facto extintivo do direito alegado pela exequente. Caso assim se não entendesse, que fosse improcedente, por não provada, a oposição quanto aos pedidos das alíneas a) a f).

No despacho saneador, embora se tenha julgado prescrita a obrigação cambiária, entendeu-se que o cheque podia servir como título executivo, ainda que como mero quirógrafo.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos na parte em que a executada/embargante se opunha à cobrança de juros de mora até 22-03-2016. No mais, determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de 97.404,23€ e de juros vencidos e vincendos a partir de 22-03-2016, à taxa comercial – 7,05%, nos termos do artigo 102.º do Código Comercial.

Apelação A executada, embargante, não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 22-06-2023, julgou procedente o recurso e, em consequência, revogou a sentença recorrida e substituiu-a por decisão a julgar procedentes os embargos e a extinguir a execução.

Revista A exequente/embargada não se conformou com a decisão e interpôs recurso de revista, que designou de excepcional, nos termos dos artigos 638.º, 671.º, n.ºs 1 e 3, e 672.º, n.º 3, todos do CPC, pedindo: 1. Se revogasse o acórdão recorrido e se substituísse o mesmo por decisão que mantivesse a decisão do tribunal da 1.ª instância; 2. Caso assim se não entendesse, se ordenasse a remessa dos autos para o tribunal de 1.ª instância com o intuito de apurar que trabalhos da factura n.º 1500/000010, no valor de € 97 404,23 foram efectivamente realizados pela recorrente, condenando-se a executada/recorrida de acordo com o que se viesse a apurar.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. O presente recurso tem como objecto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente o recurso interposto pela embargante, revogando a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos e consequentemente extinguindo a execução.

  1. Deve o presente recurso ser admitido por incidir sobre acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheceu do mérito da causa, violando normas de direito adjetivo ou processual; 3. Deve ser o presente recurso admitido porque o acórdão recorrido reduziu a matéria de facto, pela eliminação do ponto 1 dos factos não provados, por considerar que está em contradição com o ponto H dos factos provados, modificando os factos não provados, sem que o recurso interposto pela ora recorrida tivesse impugnado a matéria de facto, mas apenas a decisão de direito; 4. Por se traduzir num novo julgamento e numa decisão nova, com fundamentação de facto diversa da fundamentação de facto da decisão proferida pela 1.ª instância, sem que só esses artigos consentem; 5. Deve ser admitido porque procedeu a uma modificação essencial da motivação jurídica ao acrescentar um argumento jurídico novo que se revelou crucial para sustentar a revogação da sentença proferida pela 1.ª instância, designadamente, na fundamentação que o acórdão do Tribunal da Relação faz à “da (in)exigibilidade do pagamento reclamado”; 6. Deve ser admitido por ocorrer, no acórdão recorrido, excesso de pronúncia proibida por lei e por constituir uma violação ao contraditório; 7. É admissível porque também interposto nos termos do artigo 682.º, n.º 2, e artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por a decisão em causa, apesar de todos os vícios apontados, ter ofendido disposição expressa de lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto objeto da decisão de mérito da ação, o que vale por dizer que invoca erro de direito na medida em que, contrariando toda a prova carreada aos autos, assume que, “tendo a Executada/Embargante preenchido e entregue nessa mesma data um cheque de € 97.404,23, resultando efetivamente provado que não foram prestados na totalidade os trabalhos a que alude tal factura, pode a executada recusar o seu pagamento enquanto tais trabalhos na forem realizados, nos termos do art.º 428.º n.º 1 do C. Civil, ainda que possam existir outros trabalhos que foram realizados e que não se encontram pagos, o que não importa aqui avaliar por excederem o âmbito da causa de pedir e do título executivo apresentado.”; 8. Por outro lado, é nosso humilde entendimento que mal decidiu o Tribunal da Relação ao considerar procedente o recurso interposto pela aqui recorrida, pois, por mais respeito que o tribunal recorrido nos mereça, entendemos que nos presentes autos não se decidiu bem, uma vez que este tribunal da Relação fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do direito, designadamente na aplicação das normas da lei do processo sobre a reapreciação da matéria de facto; 9. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não se pode extrair a conclusão que “na decisão proferida sobre a matéria de facto o Tribunal a quo contradiz-se manifestamente no que faz constar do ponto H) dos factos provados e no ponto 1 dos factos não provados.”, como faz o douto Tribunal da Relação, de facto; 10. Não foi feita prova segura pela ora recorrida de que os trabalhos que constam da fatura 1500/000010 que o cheque dado à execução se destinou a pagar não foram todos realizados; 11. O tribunal de 1.ª instância, na sua motivação à decisão sobre a matéria de facto, fundamentou cuidadosamente a sua resposta a todos os factos com base em suporte documental e testemunhal; 12. A decisão da 1ª instância não deveria ter sido revogada, ou, caso se entendesse que devia ser alterada, então, devia sê-lo parcialmente e a ora recorrida igualmente condenada nos autos; 13. Houve flagrante violação do princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador e regras gerais sobre a prova, previstos no artigo 341º e 342º do Código Civil; 14. Os factos descritos e elencados na sentença de 1ª instância, bem como a prova carreada para os autos, foram apreciados de forma detalhada pela Meritíssima Juíza de Direito, com uma avaliação dos meios de prova produzidos feita a partir de uma perspectiva crítica, global e objectiva; 15. O Tribunal de 1.ª instância foi claro ao referir que “Relativamente à execução da empreitada, ficou demonstrado que, de facto, os trabalhos...

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