Acórdão nº 4879/19.4T8ALM.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução30 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A.

, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra AA, alegando, resumidamente, que por força do contrato de seguro celebrado com o Réu procedeu ao pagamento das indemnizações decorrentes do acidente de viação do qual o Réu foi o único responsável em virtude de ter conduzido sob influência do álcool.

Conclui pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 138.677,63 acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal de 4% ao ano a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento.

  1. Devidamente citado, o Réu contestou invocando a prescrição e impugnando parcialmente os factos alegados, asseverando que não teve culpa na produção do acidente, nem a mesma tem relação com a condução sob a influência do álcool, antes o acidente ocorreu por deficiência da sinalização de aviso de basculamento de via, colocada a distância inferior à regulamentar, a qual aliás deu causa a despiste anterior do veículo cuja condutora se encontrava depois na faixa de rodagem, junto com amigos que a foram socorrer, e que acabaram a ser atropelados pelo R. Acresce que por força desse despiste, também a sinalização luminosa do basculamento da via se não encontrava no local em que se deveria encontrar. Invoca assim o R. que através destes factos ilide a presunção de causalidade do acidente e suas consequências ao estado de condução sob o efeito do álcool.

  2. A Autora respondeu à excepção de prescrição, enunciando que só acabou de satisfazer o pagamento das indemnizações aos (a todos os) lesados em data em que ainda faltavam dois anos para se completar a prescrição.

  3. Proferiu-se despacho saneador.

    Elaboraram-se de seguida os temas de prova.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do formalismo legal aplicável.

    A final foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente por provada a acção e, consequentemente: a) condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de € 67.230,78 (…), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, a contar desde a data de citação do Réu e até efectivo e integral pagamento; b) absolver o Réu do restante pedido contra ele deduzido pela Autora; b) Custas a cargo da Autora e Réu na proporção do decaimento”.

  4. Inconformados com o decidido, quer a Autora Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A. quer o Réu AA interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 11 de Maio de 2023 decidido: «acordam conceder provimento ao recurso do Réu e em consequência revogam a sentença recorrida, a qual substituem pelo presente acórdão que julga a acção improcedente por não provada e absolve o Réu dos pedidos contra ele formulados pela Autora, e acordam não conhecer do recurso da Autora por ter ficado prejudicado pela solução dada ao recurso do Réu».

  5. Inconformado veio a Autora interpor recurso de revista formulando as seguintes conclusões: A. O Tribunal “a quo” com a tese defendida no Acórdão proferido e de que ora se recorre, desresponsabilizou o Recorrido pela eclosão do sinistro, face à alteração e aditamento à matéria de facto.

    1. As conclusões retiradas pelo Tribunal a quo, não se coadunam com a prova produzida, nomeadamente, as razões do embate do 1.º sinistro, as quais não se prendem com questões de sinalética ou iluminação, mas tão somente pela distração da condutora.

    2. Não ficou provado que o primeiro sinistro ocorreu por falta ou deficiência da sinalização, ou iluminação, muito menos pela distância da sinalização de mudança de direcção ao início do basculamento ser curta.

    3. A condutora do primeiro sinistro foi responsável pela eclosão do sinistro, recaindo sobre si a culpa do mesmo por violação dos artigos 11.º n.º 2 e 24.º n.º 1 do Código da Estrada.

    4. O aditamento efetuado ao ponto L dos factos provados, em nada altera ou desresponsabiliza o condutor do segundo sinistro, ora Recorrido, sendo irrelevante se circulava com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida para averiguação da culpa.

    5. Objetivamente, nenhum dos condutores conseguiu imobilizar o veículo no espaço disponível à sua frente, por distração quando passaram pelo sinal ST5 ou por excesso de velocidade, ou por ambos.

    6. Se fosse gritante a deficiência da sinalização, teriam outros condutores se despistado por falta de tempo, para descrever a curva à esquerda, por contarem que o basculamento só iria ocorrer dali a 200 metros, o que não ocorreu.

    7. A diferença entre o Recorrido e os demais condutores que ali passaram, viram o sinal ST5 e não se despistaram foi a velocidade a que circulavam.

      I. Os demais condutores conseguiram adequar a velocidade às circunstâncias de tempo e local, ao contrário do Recorrido, razão pela qual, não conseguiu imobilizar o veículo no espaço disponível à sua frente, nem descrever a curva à esquerda, em violação do artigo 24.º n.º 1 do Código da Estrada.

    8. Não só o Recorrido não conseguiu parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, como provocou o embate nos perfis móveis e nos peões, tendo sido o único e exclusivo responsável pela eclosão do sinistro.

    9. Apesar de as luzes sequências estarem desligadas, as balizas ET5 eram retrorrefletoras, sendo possível identificar o basculamento através das mesmas que descreviam perfeitamente a curva à esquerda.

      L. Considera-se que o Recorrido circulava em excesso de velocidade, desatento à configuração da via, e à sinalização que se lhe apresentava.

    10. O sinistro dos presentes autos não ocorreu em razão da deficiente sinalização temporária, uma vez que, era possível a um condutor prudente e atento evitar o acidente, como se demonstrou que inúmeros outros condutores o fizeram naquela noite perante as mesmas circunstâncias que o Recorrido.

    11. Os peões não estavam num local onde fosse previsível a circulação de qualquer veículo, nem sentiam de facto, a sua segurança em perigo, caso contrário, não teriam permanecido naquele local.

    12. É irrelevante a circunstância dos peões estarem sem coletes refletores para a averiguação da responsabilidade do Recorrido, pois não teriam alterado o resultado.

    13. O Recorrido deu causa ao acidente, não tendo sido demonstrado que a distância a que estava colocado o sinal ST5, e o facto de não haver iluminação, tenham sido determinantes para afastar a culpa do Recorrido na eclosão do sinistro.

    14. Encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, artigo 483.º, n.º 1 do CPC, sujeito, ilicitude, nexo de causalidade, culpa e dano.

    15. O Recorrido circulava sem a devida atenção, não tendo adequado a velocidade às características de tempo e espaço, indo atropelar cinco peões, provocando diversos danos nos mesmos, em clara violação do disposto no artigo 24.º n.º 1 do Código da Estrada.

    16. O Recorrido circulava com uma taxa de álcool superior à legalmente permitida, tendo a mesma influenciado e comprometido o exercício da condução, não lhe permitindo, fazer um correto juízo, adequando a velocidade a que circulava, às características da via.

    17. Caso o Recorrido não tivesse ingerido bebidas alcoólicas, certamente, teria conseguido entender a sinalética, e adequado a velocidade à configuração da via, evitando o embate.

    18. O Recorrido foi o único e exclusivo responsável pelo sinistro, não se verificando qualquer causa de exclusão da sua responsabilidade, tendo dado causa ao mesmo, pelo que, nos termos do art. 27.º, n.º 1, al. c), do DL n.º 291/2007, de 21-07, tem a Recorrente direito a ser ressarcida de todas as despesas por si liquidadas.

      V. Deve a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” ser revogada e alterada por outra na qual seja feita a correcta e devida interpretação dos factos ao direito, concluindo pela violação do artigo 24.º n.º 1 do Código da Estrada e consequentemente, pelo reconhecimento do Direito de Regresso da Recorrente, condenando o Recorrido no pedido.

    19. A MMª Juiz do Tribunal de 1.ª Instância defendeu que os danos em causa nos presentes autos são autonomizáveis não pela sua natureza ou bem jurídico atingido, mas sim consoante o lesado.

      X. A autonomização de danos consoante o lesado não tem reflexo normativo ou jurisprudencial.

    20. No caso dos presentes autos a Recorrente por via do mesmo facto viu-se obrigada a suportar danos de diversos lesados.

    21. O responsável pelo facto gerador da obrigação da Recorrente indemnizar os lesados foi apenas um; AA. Se fosse defensável e juridicamente sustentável que os danos são autonomizáveis consoante o lesado, a Recorrente ver-se-ia obrigada a intentar várias acções de regresso; BB. O prazo de prescrição começa a correr, efectuado que esteja, o último pagamento da obrigação; CC. O art. 306º do CC, estatui que o prazo de prescrição só começa a correr quando a indemnização puder ser exigida; DD. A indemnização pretendida pela Recorrente, no âmbito do Direito de Regresso estatuído no art. 27º, nº1, al. c) do DL 291/2007, só é passível de ser exigida, depois de conhecida toda a dimensão dessa mesma indemnização, o que aconteceu apenas, quando se encontraram todos os lesados ressarcidos; EE. Todos os danos ressarcidos pela Recorrente correspondem ao mesmo núcleo indemnizatório, designadamente por se tratarem de danos normativamente semelhantes, FF. O último pagamento, considerado na sentença “a quo”, efetuado a 17 de novembro de 2016, liquidado a título de indemnização global, à lesada BB, corresponde não só a danos não patrimoniais como patrimoniais; GG. O prazo de prescrição do último pagamento, deve aproveitar aos demais pagamentos efetuados, uma vez que, a sua natureza normativa é a mesma de todos os danos considerados como prescritos pela MMª Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, designadamente os pagamentos constantes no elenco dos factos dados como assentes, como facto R); HH. Todos os pagamentos têm a mesma natureza, não sendo normativamente diferenciados, não havendo por isso qualquer fundamento para juridicamente os...

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