Acórdão nº 556/21.4T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução30 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório A Autora, “Withstyle - Indústria de Calçado, Lda.”, propôs ação de processo comum contra a Ré, “Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A,” pedindo a condenação desta a pagar-lhe o valor global de 229.124,87€, acrescido de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; Caso assim não se entenda, deve ser declarada nula e consequentemente excluída a cláusula 26ª, das condições gerais, documento 16 da p.i., mantendo-se o contrato de seguro válido, condenando-se a Ré a pagar a mesma quantia de 229.124,87€ acrescido de juros contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Em qualquer dos casos, deve a Ré ser condenada a pagar à Autora as quantias provenientes dos danos indicados em 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35 da p.i., no valor que se venha a liquidar em execução de sentença.

Alegou que celebrou o contrato de seguro do ramo “multirriscos negócio” com a Ré e que no dia ... de julho de 2020 ocorreu um incêndio, em parte das instalações da Autora, por causa acidental. Sofreu danos patrimoniais. A Ré não comunicou, leu e explicou à Autora o teor das cláusulas contratuais constantes do contrato de seguro, nomeadamente a cláusula 26º e que se a Autora tivesse tido conhecimento dessa cláusula, não teria aceitado celebrar aquele contrato com aqueles capitais.

A Ré, na contestação impugnou os factos alegados pela Autora e refere que a referida cláusula contratual constante do art. 26º, reproduz o disposto no art. 134.º da LCS (DL 72/2008 de 16 de abril), não tendo a mesma de ser comunicada à Autora, já que o seu teor resulta da lei, tendo as cláusulas contratuais gerais sido disponibilizadas à Autora e esta não efetuou qualquer pedido de esclarecimento ou informação acerca do produto ou das condições gerais da apólice. Mais refere que a Autora celebrou o contrato de seguro em nome próprio, no seu interesse, como tomadora e segurada, na qualidade de proprietária dos bens seguros, apesar de não ser a sua proprietária, o que determina a nulidade parcial do contrato de seguro quanto à cobertura do imóvel, nos termos do disposto no art. 286.º e 292.º do C.Civil.

Conclui que a ação deve ser julgada improcedente.

Instruídos os autos foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente condenou a Ré Fidelidade Companhia de Seguros, S.A,” a pagar à Autora, “Withstyle – Indústria de Calçado, Lda.” a quantia de € 125.391,43, acrescida de juros legais, contados desde a citação até integral pagamento.

Absolveu a Ré dos restantes pedidos.

Inconformados com esta decisão dela interpuseram recurso a autora e a ré tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação da autora como parcialmente procedente a apelação da ré e, em consequência, confirmou a decisão recorrida, à exceção da parte relativa à condenação no pagamento dos juros de mora a partir da citação, sendo essa condenação no pagamento de juros integralmente revogada.

Desta decisão interpõe a autora recurso de revista concluindo que: “ 1. Nos casos taxativamente previstos no art. 674.º, n.º 3, do CPC, o STJ pode sindicar a ofensa de disposição legal expressa que exija determinada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de lei de determinado meio de prova, e fiscalizar o cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto do art. 640.º do CPC, que se inscreve nos fundamentos da revista por violação ou errada aplicação das leis de processo e na previsão do art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.

  1. O Tribunal à quo, ao rejeitar o recurso relativo à impugnação da matéria de facto e ao não apreciar sequer a factualidade (porquanto resultava da respetiva prova) que se pretendia ver aditada, por considerar que não foi cumprido o ónus processual a que se refere o artigo 640.º do CPC, fez errada aplicação das leis de processo.

  2. A Recorrente cumpriu o ónus imposto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

  3. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos, ainda que em bloco, não obstaculiza a perceção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação.

  4. A Recorrente indicou concretamente os factos que pretendia impugnar, a prova que impunha decisão diversa (prova gravada com indicação concreta das passagens e prova documental), bem como a decisão a proferir.

  5. O Tribunal da Relação fez errada aplicação das leis de processo, pelo que deve este Tribunal (nos poderes que lhe são conferidos) proferir decisão em conformidade, no sentido de ser admitida e apreciada pelo Tribunal da Relação a impugnação da matéria de facto.

  6. Quanto à questão dos juros de mora, de acordo com o texto da lei, o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação (artigo 813º do Código Civil).

  7. A norma estabelece dois requisitos para a mora do credor: a recusa da prestação ou não realização da colaboração necessária para que o devedor possa cumprir e a ausência de motivo justificado para essa recusa ou falta de colaboração.

  8. O credor pode ter motivo justificado para recusar a prestação, como sucede quando esta não coincida plenamente com a obrigação a que o devedor se vinculou.

  9. Acresce que, para haver mora do credor não basta qualquer recusa de colaboração deste.

  10. Estando provado, in casu, que a Ré emitiu três recibos com valores parciais e que comunicou ao mediador a disponibilidade dos valores (cfr. factos provados 36 e 37), não pode considerar-se simplesmente que houve recusa injustificada por parte da A., porquanto a comunicação foi feita ao mediador e ainda que a A. não aceitasse os valores (por considerar que os valores – como considerou ao intentar a presente ação e não aceitar a decisão proferida – eram muito inferiores aos valores que efetivamente tinha direito), a Ré sempre poderia ter-se livrado da sua obrigação mediante a consignação em depósito – artº 841º, nº 1 do CC.

  11. De facto, em caso de verificação de uma situação de mora do credor, a lei faculta ao devedor um meio de se exonerar da obrigação que quer cumprir, a saber, a consignação em depósito, processo especial previsto no art.º 916.º e ss. do CPC, através do qual o devedor deposita a quantia que entende ser devida ao credor.

  12. O que não aconteceu.

  13. Como tal, não existiu mora credendi.

  14. Por outro lado, não obstante, se considerar que a mora do credor, ao invés da do devedor, não pressupõe a culpa daquele, é requisito da mora credendi que os actos não praticados pelo credor, ou por ele voluntariamente omitidos, sejam atos de cooperação essenciais; de outro modo, cair-se-ia num campo movediço pela falta de critério objetivo pelo qual se aferisse se o seu comportamento era essencial para o cumprimento pelo devedor.

  15. No caso concreto, nunca o devedor (Ré) ficou impedido de realizar a prestação, porquanto sempre teve ao seu alcance todos os meios legais de se exonerar da obrigação que queria cumprir.

  16. E, assim, efetivamente, do conspecto factual não se respiga qualquer ato material ou jurídico, positivo ou negativo, da responsabilidade do credor que, à luz de qualquer cláusula contratual ou da lei, tenha impossibilitado ou dificultado, sem motivo justificado, o não cumprimento da obrigação por parte dos devedores e que seja passível de ser integrado na zona de atuação da mora do credor.

  17. A falta de pagamento da prestação principal e dos juros respetivos não pode ser assim imputável ao credor, que não manteve qualquer atuação axiologicamente negativa que violasse um direito subjetivo do devedor.

  18. Pelo que, tendo a Ré se constituído na obrigação de reparar os danos causados à A., além da satisfação da indemnização, deverá também ser condenada no pagamento dos juros de mora, devendo revogar-se a decisão do Tribunal da Relação por ausência de fundamento legal.

  19. Quanto ao contrato de seguro em crise nestes autos, apenas resulta que as clausulas apenas estavam disponíveis on-line no link da internet (factos provados 9 e 10).

  20. O art. 5º, nº 1 e nº 2 do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, dispõe que as «cláusulas contratuais gerais, devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las», sendo que «a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência», o que não aconteceu no presente caso.

  21. Logo, neste dever de comunicação «não está em causa tão só a exigência de transmitir ao aderente as condições gerais, pois essa exigência vai funcionalizada ao propósito de tornar possível o real conhecimento das cláusulas pelo parceiro contratual do utilizador. (...) E ao dever de comunicação acresce um dever de informação, isto é, «o contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique», devendo ainda «ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados» (art. 6º, nº 1 do do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de outubro).

  22. Estes deveres de comunicação e de informação devem estar cumpridos no momento da celebração do contrato, isto é, no momento da emissão pela contraparte da declaração que a vincula (sendo...

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