Acórdão nº 01145/23.4BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelANIBAL FERRAZ
Data da Resolução29 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; 1.

A..., Lda., …, recorre de sentença, emitida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, em 16 de agosto de 2023, que julgou improcedente reclamação de decisão (“despacho do Diretor de Finanças de Viana do Castelo, datado de 13 de abril de 2023, que indeferiu o pedido de reconhecimento da caducidade da garantia constituída no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...19, instaurado para cobrança coerciva de dívida reportada a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2015, e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 1.497.342,81”.) do órgão da execução fiscal.

A recorrente (rte) produz alegação, onde conclui: « 1.º A douta sentença recorrida julgou improcedente a Reclamação deduzida contra a decisão do Despacho do Diretor de Finanças de Viana do Castelo que indeferiu o pedido de reconhecimento da caducidade da garantia constituída no âmbito do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de dívida reportada ao IRC do exercício de 2015, e respetivos juros compensatórios.

  1. Este indeferimento teve exclusivamente por base a interpretação de normas de direito, razão pela qual vem a Recorrente, ao abrigo do artigo 678.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 2.º al. e) do CPPT, requerer que o presente recurso suba diretamente para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA).

  2. Quanto à sentença recorrida, a Recorrente não concorda com o decidido, pelas razões que se expõem.

  3. Em primeiro lugar, a Recorrente entende que a sentença recorrida padece, desde logo, de erro de julgamento da matéria de direito o qual, com o devido respeito, é de alguma forma patente na interpretação que é feita sobre as normas que regulam o regime da caducidade das garantias em sede de processo de execução fiscal.

  4. O regime da caducidade da garantia foi sofrendo diversas alterações à sua redação, ainda assim, e conforme se verifica na evolução da letra da lei, em traços gerais, o regime da caducidade de garantia assenta no cumprimento dos objetivos previstos na Proposta de Lei n.º 53/VIII, a qual visou reforçar as garantias do Contribuinte e a simplificação processual, reformular a organização judiciária tributária e estabelecer um novo regime geral para as infrações tributárias.

  5. O objetivo que se visa alcançar com o regime da caducidade da garantia é, portanto, evitar a imposição ao contribuinte de um encargo oculto por razões que lhe são alheias, um encargo decorrente da passividade e da omissão no cumprimento das suas obrigações por parte da Autoridade Tributária. Passividade essa que efetivamente se verifica no presente caso.

  6. Com efeito, o incumprimento do dever de decisão por parte da Recorrida, o qual resulta no facto de o procedimento administrativo se encontrar parado há mais de dois anos, dever-lhe-á ser exclusivamente imputável.

  7. No entanto, entendeu o Tribunal a quo que a previsão constante no artigo 183.º-A, n.º 1 do CPPT não visou abranger os bens objeto de medida coerciva como seja a penhora por não se mostrar plausível que o legislador tenha querido que a Administração Tributária ficasse sem qualquer garantia de cobrança da dívida dada à execução. Entendeu assim que, mantendo-se pendente o processo executivo sem que houvesse qualquer decisão que determinasse a sua extinção, sempre seria de manter a penhora em causa.

  8. A atual redação do n.º 2 do artigo 235.º CPPT entrou em vigor a 1 de janeiro de 2007. A Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de dezembro, para além da alteração ao n.º 2 do artigo 235.º do CPPT, revogou na íntegra o regime da caducidade das garantias. Ora, o artigo 183.º-A do CPPT foi aditado ao mencionado Código pela Lei n.º 40/2008, de 11 de agosto, tendo entrado em vigor em 1 de janeiro de 2009. Nesse momento, o artigo 183.º-A mencionava que o regime da caducidade da garantia se aplicava apenas “A garantia prestada para suspender o processo de execução fiscal (…).

    ” 10.º Acontece que, com a entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, o artigo 183.º-A do CPPT beneficiou de uma alteração substancial do seu regime de caducidade das garantias. Com efeito, o seu n.º 2 veio expressamente alargar o regime a todas as garantias, independentemente de terem sido prestadas pelo contribuinte ou constituídas pela Autoridade Tributária.

  9. Isto é, o referido artigo, na sua redação aplicável à data dos factos em questão nos presentes autos, prevê expressamente que o regime da caducidade da garantia se aplica também às constituídas pela Autoridade Tributária. Como facilmente se denota, não existe uma correspondência entre os pressupostos de aplicação de ambas as normas. Quer isto dizer que, conforme o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 183.º-A do CPPT, a aplicação do regime da caducidade é independente do estado da execução, operando a caducidade consoante o estado da reclamação graciosa e sobre todas as garantias que suspendam o processo executivo.

  10. Acresce que, sendo até mais relevante, o disposto no n.º 2 do artigo 235.º do CPPT, redação dada pela Lei n.º 53.º-A/2006, na interpretação conferida pelo Tribunal a quo e pela Autoridade Tributária, tem uma redação incompatível com os n.ºs 1 e 2 do artigo 183.º-A, na redação conferida pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro. Assim sendo, não podem restar quaisquer dúvidas de que a Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, visando o reforço das garantias dos contribuintes e a simplificação processual, revogou (ainda que tacitamente) o n.º 2 do artigo 235.º do CPPT ao conferir ao n.º 2 do artigo 183.º-A do CPPT uma redação incompatível com a proibição do levantamento da penhora.

  11. Em face do exposto, estando revogado o n.º 2 do artigo 235.º do CPPT, por força da entrada em vigor da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, resulta inequívoco que o regime da caducidade das garantias se aplica às garantias constituídas pela Autoridade Tributária “para garantia das dívidas tituladas pelo processo de execução fiscal n.º ...19” (ver ponto 9 da sentença recorrida).

  12. Entendimento contrário destitui totalmente de qualquer sentido a norma do n.º 2 do artigo 183.º-A, porquanto a penhora é a garantia constituída pela Autoridade Tributária por excelência.

  13. Aliás, qualquer garantia constituída pela Autoridade Tributária serve naturalmente, como refere o Tribunal a quo, para garantir a efetiva cobrança do crédito, mas também as garantias prestadas pelos contribuintes servem para tal, pois serão acionadas em caso de decaimento do contribuinte na ação em que contesta a legalidade da dívida tributária. E ambas (as prestadas pelo contribuinte e as constituídas pela AT) têm o efeito de suspender a execução fiscal, nisso em nada diferem.

  14. Mais razão, aliás, existe, para proteger o contribuinte da inércia da AT num caso destes porquanto a AT pode, na ausência de pagamento da dívida ou de garantia prestada pelo contribuinte, proceder de imediato à penhora de bens (esta não carece de qualquer intervenção judicial). Tal penhora causa, como é óbvio, prejuízo ao contribuinte. Se a penhora se puder manter indefinidamente, perante a total inércia da AT em cumprir o seu dever de decisão em prazo razoável de pedidos ou reclamações que lhe sejam dirigidos, frustra-se por completo o objetivo pretendido pelo legislador com a reintrodução do artigo 183.º-A do CPPT.

  15. Assim sendo, pelos motivos acima expostos, temos que a decisão do Tribunal “a quo” padece de erro de julgamento da matéria de direito, pelo que o presente recurso deverá ser julgado como procedente e, consequentemente, ser anulada a sentença recorrida, com as devidas e legais consequências.

  16. Caso se entenda que a Lei n.º 7/2021, afinal, não revogou o n.º 2 do artigo 235.º do CPPT, então impõe-se identificar uma interpretação que permita a convivência entre aquele artigo e os n.ºs 1 e 2 do artigo 183.º-A do CPPT.

  17. Não podendo subsistir qualquer dúvida de que o regime da caducidade das garantias se aplica às garantias constituídas pela Autoridade Tributária para suspender processos de execução fiscal [mera interpretação literal do n.º 2 do artigo 183.º-A do CPPT] e, também não havendo dúvidas de que o arresto foi convertido em penhora, para garantia do processo de execução fiscal em questão nos presentes autos [facto dado como provado no ponto 9 da sentença recorrida], cabe agora analisar as situações em que o levantamento na penhora não opera.

  18. Por via de regra, o levantamento da penhora é uma consequência da extinção da execução, a qual decorrerá do pagamento integral da quantia em dívida, sendo que casos há em que, de forma a garantir o pagamento da dívida tributária, se revela necessário assegurar o não levantamento da penhora, designadamente: pedido de substituição da penhora por garantia não idónea.

  19. O n.º 2 do artigo 235.º do CPPT refere-se (expressamente) às situações de paragem da execução fiscal, não mencionando direta ou indiretamente a sua aplicação às situações de suspensão de um processo de execução fiscal.

  20. Ora, paragem de processos de execução fiscal é completamente distinto de suspensão de um processo de execução fiscal.

  21. O CPPT menciona o regime da suspensão nos artigos 169.º e seguintes do CPPT, conferindo-lhe um âmbito relacionado com situações em que o Contribuinte contesta a legalidade do ato tributário que sustenta a execução fiscal ou em que está em causa a própria legalidade do processo de execução fiscal. De igual modo, o legislador prevê a suspensão do processo de execução fiscal, nos casos em que o contribuinte está a realizar o pagamento em prestações da dívida tributária. Nestes casos, o legislador refere que os processos de execução fiscal permanecerão (dependendo do preenchimento de requisitos) suspensos.

  22. Ao contrário da paragem da execução, a suspensão de um processo de execução fiscal permite ao executado, por força do artigo 177.º do CPPT, ter a sua situação tributária regularizada.

  23. O regime da paragem dos processos...

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