Acórdão nº 152/22.9T8PNH-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução21 de Novembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação 152/22.9T8PNH-A.C1 Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Luís Cravo Fernando Monteiro * (…) * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. AA requereu inventário, para partilha dos bens subsequente a divórcio, contra BB (cabeça de casal).

Os autos, instaurados no Cartório Notarial, depois de vicissitudes várias e transcorridos mais de cinco anos, foram remetidos ao Juízo Local Cível ... – Comarca ....

Neste Tribunal, a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho (de 15.5.2023): «I. / Tomei conhecimento de todo o processado. / Consigna-se que, notificados nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º, n.º 2, da Lei 117/2019, de 13/9, não foram deduzidas impugnações contra decisões proferidas pela Sr.ª Notária.

II.

/ Através de requerimento datado de 01/03/2018 veio a cabeça-de-casal apresentar a reclamação[1] de bens. / Nos termos e para os efeitos previstos do artigo 32º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, o interessado AA apresentou reclamação contra a relação de bens na data de 14/08/2018. / Na data de 27/09/2018, veio a cabeça-de-casal responder à reclamação contra a relação de bens apresentada. / Por requerimento de 24/10/2018, veio o interessado exercer o contraditório quanto à resposta apresentada. / Através de requerimento datado de 07/10/2021, veio o interessado AA apresentar nova reclamação contra a relação de bens apresentada.

Cumpre regularizar o processado de acordo com a tramitação legal.

Pelo exposto: a) por intempestiva e legalmente inadmissível, rejeita-se a (segunda) reclamação de bens apresentada através de requerimento datado de 07/10/2021 e determina-se o seu desentranhamento dos autos, mantendo-se a reclamação contra a relação de bens apresentada a 14/08/2018, sem prejuízo do que as partes venham a acordar quanto a tal propósito; b) por não ter previsão legal o articulado de “resposta à resposta”, determino o desentranhamento do requerimento apresentado pelo interessado AA a 24/10/2018.

Sem custas, apenas atenta a simplicidade do incidente, advertindo-se as partes que a futura apresentação de requerimentos anómalos e sem previsão legal será adequadamente tributada.

(...) III. / Por considerar conveniente e por se afigurar possível a obtenção de um acordo sobre reclamação contra a relação de bens apresentada, revelando-se útil a audição do ex-casal e de forma a procurar promover o célere andamento dos autos, pendentes há quase seis anos (!) decido convocar uma audiência prévia subordinada a tais fins, nos termos do disposto no artigo 1109º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. / Em face do exposto, designo o dia (...), para a realização da audiência prévia. / Notifique (...).» Dizendo-se inconformado, o requerente apelou[2] formulando as seguintes conclusões: 1ª - Em 07/10/2021, o Recorrente, ao abrigo do disposto no art.º 32º, n.ºs 1 e 5, do Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), junto do Cartório Notarial onde os presentes autos de Inventário corriam termos àquela data, apresentou uma reclamação à relação de bens, tempestivamente, na justa medida em que àquela data ainda não fora iniciada a conferência preparatória a que aludem os art.ºs 47º e 48º do RJPI.

2ª - Encontrando-se os referidos autos parados, sem realização de diligências úteis por período superior a seis meses - nomeadamente despacho de admissão da reclamação apresentada pelo Exmo. Senhor Notário - em 23.8.2022, o Recorrente requereu a sua remessa para o Tribunal competente, nos termos conjugados dos art.ºs 13º e 12º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 117/2019, de 13.9, o que veio a suceder em 06.3.2023.

3ª - Nos termos conjugados dos art.ºs 11º, n.º 2, e 13º, n.º 3, da Lei n.º 117/2019, de 13.9, o RJPI, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 05.3, continua a aplicar-se aos presentes autos no que concerne à tramitação anterior à sua remessa a juízo, ou seja 06.3.2023, apenas lhes sendo aplicável o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil (CPC) após aquela.

4ª - O Tribunal a quo ao não admitir a reclamação à relação de bens apresentada pelo Recorrente em 07.10.2021 junto do Cartório Notarial fundamentou-se exclusivamente na sua intempestividade, alicerçando-se, erroneamente, no atual CPC, apenas aplicável aos presentes autos, reitera-se, após 06.3.2023.

5ª - Quanto à aplicação sucessiva no tempo de distintas leis processuais, a regra é a de que a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroativa, presumindo-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular – vide art.º 12º, n.º 1, do Código Civil (CC).

6ª - Sendo aplicável o atual CPC aos presentes autos apenas após 06.3.2023 não se poderá ajuizar quanto à (in)tempestividade de uma reclamação à relação de bens apresentada em momento anterior com base naquele, mas sim considerando a legislação aplicável àquela data, ou seja, o RJPI, aprovado em anexo à Lei n.º 23/2013, de 05.3, segundo o qual aquela foi tempestivamente apresentada.

7ª - Entendimento diverso, como aquele sufragado pelo Tribunal a quo, sempre se mostraria violador das legítimas expetativas do Reclamante em processo de Inventário, fundadas na Lei, o qual, atenta a legislação aplicável àquela data, confiava que poderia apresentar reclamações à relação de bens até ao início da conferência preparatória a que aludem os art.ºs 47º e 48º do RJPI, adotando uma estratégia processual condizente.

8ª - A interpretação do Tribunal a quo do art.º 13º, n.º 3, da Lei n.º 117/2019, de 13.9, no sentido de aplicar retroativamente o atual CPC a uma reclamação deduzida sob a alçada do RJPI, ofende o princípio constitucional da proteção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio do Estado de Direito que se encontra consagrado no art.º 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

9ª - A decisão proferida pela Tribunal a quo não respeitou a necessidade de contradição a que alude o art.º 3º, n.º 3, do CPC, proferindo uma verdadeira “decisão surpresa” - em momento algum foi o Recorrente notificado para se pronunciar quanto à (in)admissibilidade da reclamação à relação de bens apresentada junto do Cartório Notarial em 07.10.2021.

10ª - Tal violação do contraditório é ainda mais gritante no caso sob apreciação, na justa medida em que nos termos do especificamente preceituado no n.º 4 do art.º 13º da Lei n.º 117/2019, de 13.9, determinada que seja a remessa do processo ao Tribunal, o Juiz, ouvidas as partes, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial com o ulterior processamento do inventário judicial.

11ª - Tal “prévio contraditório” assume especial relevo em casos como o vertente em que a tramitação do processo de inventário se processou junto do Cartório Notarial ao longo de quase seis anos, com audição de testemunhas e dedução de duas reclamações, em momento anterior ao início da audiência preparatória e, assim, admissíveis nos termos do preceituado no art.º 32º, n.ºs 1 e 5 do RJPI.

12ª - O legislador pretendeu privilegiar, na eventualidade de remessa de inventário notarial para o Tribunal, não só o contraditório das partes quanto à tramitação subsequente, mas também a validade dos atos anteriormente praticados ao abrigo do RJPI.

13ª - A sentença em crise violou, de entre outras, as seguintes disposições legais: art.ºs...

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