Acórdão nº 8349/18.0T8CBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução21 de Novembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Cristina Neves Sílvia Pires Proc. n.º 8349/18.0T8CBR-B.C1 Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

AA propôs contra o seu cônjuge, BB, acção declarativa constitutiva de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, com processo especial – que corre termos no Juízo de Família e Menores ..., do Tribunal Judicial da Comarca ... – pedindo o decretamento do divórcio entre ambos.

A ré contestou e reconveio, pedindo, além do decretamento do divórcio, a condenação do autor a pagar-lhe alimentos no valor mensal de € 400,00.

Falecida a ré na pendência da causa, foi habilitada, por sentença transitada em julgado, para, em sua substituição, com ela prosseguir, a acção para efeitos patrimoniais, a sua irmã, CC, que, por sua vez, faleceu também na constância da mesma causa.

DD e EE deduziram, contra o autor, o incidente da sua habilitação, pedindo que sejam declarados únicos herdeiros de CC, e o prosseguimento da causa.

Fundamentaram esta pretensão no facto de, como resulta da habilitação notarial, outorgada no dia 1 de Julho de 2022, serem os únicos sucessores de CC, na qualidade de herdeiros legitimários, situação que lhes confere legitimidade para que a causa possa prosseguir contra o autor, pelo que, como seus únicos representantes, devem os autos prosseguir contra aquele, face ao pedido reconvencional admitido nos autos.

O autor, requerido, contestou alegando a excepção dilatória do caso julgado, formal e material, uma vez que a substituição da primitiva ré já se operou através do incidente de habilitação já decidido e transitado em julgado, não podendo ser contrariado por outro, sendo que a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensa a identidade de pedido e causa de pedir, e a excepção peremptória do abuso de direito, pois a conceder-se provimento à pretensão dos requerentes se iria permitir que, em última instância, até o Estado na sequência de habilitações sobre habilitações, poderia vir a ocupar a posição da primitiva ré, BB.

Porém, a Sra. Juíza de Direito, oferecidos dois outros articulados, depois de, como questão prévia, concluir que não se verifica a invocada excepção do caso julgado, que julgou improcedente, com fundamento, designadamente, em que resultando da lei a possibilidade de a acção de divórcio poder prosseguir nos termos do art.º 1795º, n.º 3, do CC, não se pode falar em abuso do direito por parte dos requerentes, decidiu julgar procedente o presente incidente de habilitação de herdeiros, julgando DD e EE, como sucessores e representantes da falecida CC e consequentemente como habilitados para prosseguir a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

É esta sentença que o autor, requerido, impugna no recurso – no qual pede a sua revogação e se julgue improcedente o incidente de habilitação – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões: I. Resulta da contestação apresentada que o Recorrente invocou expressamente o caso julgado formal, material e a autoridade do caso julgado, sem que o tribunal se tenha pronunciado sobre a questão. Padece de nulidade a decisão em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, como dispõe o artigo 615º n.º 1 d) do C.P.C. Pelo que a decisão ora proferida é nula nos termos da norma citada, já que não foi apreciada a questão indicada. O que se invoca. Sem prejuízo, e reproduzindo-se na íntegra a matéria de direito, invocada na contestação, uma vez que não foi apreciada e a que foi padece de errada interpretação, II. A habilitação incidental tem por finalidade permitir o andamento de um processo - evitando a sua suspensão indefinida -, colocando no lugar da parte primitiva o seu sucessor, operando em relação àqueles que, no momento, se apresentam como os sucessores do falecido, ainda que estes percam posteriormente esta qualidade.

  1. In casu, a relação processual primitiva estabeleceu-se entre o aqui Autor e a falecida Ré, BB, sendo que, por falecimento desta, foi habilitada sua irmã CC, que nesse momento, com excepção do Autor, se apresentou como sucessora, substituindo assim a parte primitiva e estabilizando a relação processual. Por outro, a habilitação de herdeiros visa apenas o prosseguimento da lide e não torna as habilitadas em titulares da relação material controvertida.

  2. O incidente de habilitação, como se disse, visa a substituição da parte primitiva falecida, não adquirindo o habilitado, a titularidade da relação material controvertida, ou seja, a habilitada CC não adquiriu qualquer direito na relação material controvertida entre A e primitiva R, e como tal, essa relação não se transmite aos seus herdeiros.

  3. Nessa medida, não podem os mesmos suceder-lhe, numa relação jurídica que não adquiriu, não operando sequer aqui qualquer direito de representação. Os Requerentes, relativamente à primitiva relação processual são terceiros, sem legitimidade de serem nela habilitados, não operando a habilitação em relação ao habilitado falecido, por contra legem. Por outro, ao abrigo do artigo 620º do Código de Processo Civil: «1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força, obrigatória dentro do processo.

  4. Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida, seja objecto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão».

  5. Por outro lado, o caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas.

    1. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão).

    2. O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). Sucede ainda, que a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir.

  6. Tendo em conta a pretensão dos Requerentes, prossecução dos autos em substituição da parte primitiva, opera a exceção de caso julgado, não só formal como material. O que expressamente se invoca.

  7. Ou seja, a pretensão jurídica dos requerentes, já foi decidida nestes autos, com força obrigatória geral intra e extra processualmente, na medida, no que a este processo diz respeito, não pode a parte BB, ser substituída por outra, que à data do seu falecimento não era seu sucessor ou tivesse sido habilitado para o efeito. Pois, se assim não fosse, até o Estado Português poderia em última instância ser habilitado a prosseguir os presentes autos. O que obviamente não tem merecimento de tutela legal. E nem é o escopo da lei.

  8. O artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, estipula que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, que é o caso, e o que se invoca.

  9. Esta situação, contraria claramente os princípios da boa-fé, da proporcionalidade e dos bons costumes, não merecendo qualquer tutela legal, pois a conceder provimento à pretensão dos requerentes era permitir a eternização de um processo de divórcio, em que em última instância, até o Estado, na sequência de sucessivas habilitações sobre habilitações, poderia vir a ocupar a posição primitiva da Ré BB.

  10. Há por isso erro na interpretação e aplicação do Direito.

  11. Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou os artigos 581º, 615º n.º 1 d), 619º, 620º n.º 1, 628º do C.P.C, e 334º, 1785 n.º 3 e 2133 º n.º 2 do C.C, artigo 20º da C.R.P, entre outros.

    Na resposta, os apelados concluíram, naturalmente, pela improcedência do recurso.

    2.

    Factos provados.

    O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: 1. Em .../.../2018 FF instaurou ação de divórcio contra BB e em 30/4/2019 a ré contestou, tendo deduzido pedido reconvencional contra o autor, pedindo que fosse decretado o divórcio e que este fosse condenado a pagar-lhe a título de alimentos o valor mensal de €400,00.

    1. GG faleceu no dia .../.../2019, no estado de casada com o autor, tendo-se habilitado por sentença proferida em 24/3/2020 no apenso A, transitada em julgado, para prosseguir com os autos para efeitos patrimoniais, em sua representação, CC, sua irmã.

    2. A habilitada CC faleceu em .../.../2022 no estado de divorciada na pendência da presente ação.

    3. Como únicos herdeiros de CC, sucederam-lhe os filhos DD e EE.

      3.

      Fundamentos.

      3.1.

      Delimitação do âmbito objectivo do recurso.

      O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que...

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