Acórdão nº 0176/22.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelLILIANA VIEGAS CALÇADA
Data da Resolução23 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I - RELATÓRIO 1 – ASSOCIAÇÃO ... e AA, identificados nos autos, vêm interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artº 25.º nº 1 al. a) do ETAF, do acórdão proferido em 30/03/2023 pela respectiva secção, o qual indeferiu, por falta do requisito legal de periculum in mora, a adopção da providência cautelar de suspensão de eficácia do acto de extinção da Fundação … – ..., contido no Decreto-Lei n.º 90-D/2022, de 30 de Dezembro.

2 - Os Recorrentes formulam, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1. A decisão recorrida enferma de nulidade, por falta de fundamentação quanto à questão da extinção do comodato, questão amplamente tratada no requerimento inicial e cuja decisão incidental é essencial à decisão do pleito, carecendo a afirmação da extinção do comodato de ser sustentada em termos de facto e de Direito.

  1. A decisão recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia acerca de questões suscitadas no requerimento inicial, como a extinção do comodato e a subsistência do objecto da F… ainda que o comodato se houvesse extinguido, pelo menos enquanto se mantiver o arresto. Estas questões são de conhecimento incidental prévio, imprescindível à solução do pleito, pois constituem parte relevante da causa de pedir.

  2. A carta de 26 de Maio de 2022 não teve por efeito a extinção do comodato, pelo que a decisão recorrida enferma também de ilegalidade por erro neste seu pressuposto essencial.

  3. Na decisão recorrida diz-se que da procedência do procedimento cautelar resultaria apenas a manutenção da existência jurídica da F… e a titularidade do usufruto do Módulo 3 do CCB. Ora, se o usufruto se manteria em caso de procedência da acção, tal significa que o protocolo se mantém em vigor, pois este é a fonte do usufruto. Ou seja, a carta de 26 de Maio de 2022 apenas teve por objecto o comodato, e não a totalidade do protocolo.

  4. Sendo que as partes do contrato de comodato são apenas a A... – comodante – e a F… – comodatária – o Estado, enquanto terceiro, não pode denunciar um contrato de que não é parte.

  5. Pelo que a Carta de 26 de Maio de 2022, em que se pretende fazer a denúncia do comodato, não é apta a produzir qualquer efeito, por falta de legitimidade do declarante.

  6. Independentemente da manutenção do comodato, a F... pode continuar a existir e a prosseguir os seus fins, garantindo a fruição pública da ... na pendência da providência cautelar e da respectiva acção principal, tal como defendido pelo Conselho Consultivo das Fundações.

  7. O arresto das obras que compõem a ... não impediu, nem impedirá, a F... de “utilizar” a Colecção, antes pressupõe tal utilização.

  8. Enquanto se mantiver o arresto, a existência da F... é, não só possível, como necessária.

  9. A não concessão da providência causa danos absolutamente irreparáveis, tornando a decisão contida no acto administrativo impugnado num facto consumado, pois a eventual anulação do acto de extinção da F..., num futuro que se antevê longínquo, já nenhum efeito prático poderá produzir.

  10. A extinção da F... causa danos na esfera jurídica dos seus instituidores, que perdem essa qualidade, em especial na esfera jurídica dos Requerentes, pois estes deixam de ter acesso à única qualidade que lhes permite acompanhar o património que lhes pertence (pelo menos enquanto se mantiver o arresto).

  11. A extinção da F... (com, na prática, o consequente controlo exclusivo da Colecção pelo Estado) possibilita a anunciada diluição da ..., sendo as obras que a integram misturadas com obras provenientes de outras colecções e integradas um futuro Museu ….

  12. Já teve início a desvalorização da colecção e a produção de danos, tendo sido alterada a denominação do Museu e estando anunciada a criação de um novo museu … (desaparecendo a referência à …, e o nome ...), com a integração de várias colecções.

  13. Esta diluição da Colecção é apta a provocar a sua desvalorização, bem como a desvalorização das obras que a compõem, pois uma colecção de arte obedece a critérios próprios, não sendo um mero amontoado de peças.

  14. Os danos invocados, a verificarem-se (completarem-se), serão graves e dificilmente reparáveis.

  15. Tais danos podem ser evitados com o decretamento da providência, pois a manutenção da existência da F... permite a permanência do Museu e da ... no estado em que se encontravam aquando do arresto – manutenção que a própria decisão que decretou o arresto pressupôs, ao determinar “que o arresto ora ordenado não prejudicará a exposição das obras […], nem o uso das mesmas por parte da F...

ao abrigo desse Protocolo” [sublinhado nosso].

Nestes termos, - Requerem seja julgado procedente o presente recurso e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que, conhecendo a argumentação dos Recorrentes, decrete a providência requerida.” 3 – A requerida Presidência do Conselho de Ministros apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões: “A. Os Recorrentes incorrem em manifesto erro sobre aquilo que foi decidido, já que, ao contrário do que parece estar subjacente às suas alegações, o Acórdão recorrido incidiu sobre o periculum in mora e não sobre o fumus boni iuris, pelo que se centrou exclusivamente sobre aquele requisito de apreciação das providências cautelares e, uma vez que entendeu que não estava verificado, nem sequer às ilegalidades imputadas ao ato suspendendo.

  1. Inexistiu qualquer nulidade por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação: o Acórdão recorrido não se pronunciou, nem tinha de se pronunciar, sobre as ilegalidades suscitadas – onde se inclui a suposta ilegalidade do ato impugnado por, alegadamente, o objeto da F...-... não se ter tornado impossível –, mas antes expôs e fundamentou as razões pelas quais entendia que não se verificava o requisito do periculum in mora.

  2. Os Recorrentes podem discordar do que foi decidido, mas é inequívoco que a decisão não incorre em qualquer omissão, está devidamente fundamentada e que o Acórdão recorrido evidenciou que entendia que a suspensão requerida não afetaria a situação da ... e por isso os interesses invocados pela A... e por AA sobre esta última não sairiam afetados pelo decretamento ou não decretamento da providência.

  3. Quanto à denúncia do acordo de comodato da ..., os Recorrentes procuram invocar uma miríade de argumentos e supostas explicações, mas o facto claro e inequívoco, que consta da alínea e) da matéria de facto considerada provada nos autos, é o de que em 26.05.2022, o Ministro da Cultura, em representação do Estado Português, comunicou àqueles a denúncia do acordo de comodato relativo às obras da ... em termos que impediam a sua renovação em 1.01.2023.

  4. Embora os Recorrentes aleguem (sem razão) que essa denúncia não seria válida, ou que não lhes seria oponível ou que não teria sido feita por quem teria legitimidade, a verdade é que a denúncia foi efetivada e operou, como consta da matéria de facto provada, donde resulta claro que, para efeitos da apreciação do periculum in mora, o Acórdão recorrido considerou e bem a denúncia que foi operada.

  5. Mesmo que a suspensão da eficácia requerida fosse decretada, o que apenas a benefício de raciocínio se equaciona, sem conceder, tal em nada influenciaria a situação da ... ou a denúncia do acordo de comodato que foi efetuada, já que são realidades exteriores e que não estão em causa neste processo cautelar ou na ação principal.

  6. Por outro lado, a ... encontra-se arrestada em favor de um de Bancos no âmbito de um processo cautelar por estes intentado, em que é fiel depositária a FCCB, na pessoa do seu Presidente, pelo que também nessa perspetiva não teria a F...-... qualquer possibilidade de interferir na respetiva utilização.

  7. É manifesto que bem andou a sentença recorrida ao reconhecer que a providência requerida em nada poderia afetar a situação da ..., seja devido à denúncia do acordo de comodato dessa Coleção, seja devido ao arresto que foi decretado sobre a mesma, pelo que improcede o alegado pelos Recorrentes.

    I. Mesmo que se considere que se teria de analisar juridicamente a denúncia do acordo de comodato que foi efetuada pelo Estado português – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sem conceder – ter-se-á de chegar à mesma conclusão, isto é, conforme ficou evidenciado na oposição apresentada nos autos, que aquela denúncia operou e foi efetuada em termos válidos e, por conseguinte, a F...-... não dispõe de qualquer título sobre a ... que lhe permita invocar algum tipo de risco de periculum in mora no caso dos autos.

  8. A alegação dos Recorrentes de que o acordo de comodato apenas poderia ser denunciado pela A... ou pela F...-... e que por isso a denúncia efetuada pelo Estado não teria operado (i) não é correta nem tem qualquer apoio na Cláusula Primeira da Adenda ao Protocolo, (ii) é contrária ao que já foi decidido pelo TAC de Lisboa noutro processo cautelar intentado pelos Recorrentes, (iii) é absolutamente contraditória com o que estes aí (e noutras sedes) defenderam e (iv) não tem qualquer lógica nem correspondência com a vontade das partes.

  9. Tudo isto demonstrando, de forma inapelável, a absoluta improcedência da alegação pelos Recorrentes de que o comodato ainda estaria em vigor e que a F...-... poderia intervir sobre a Coleção ao abrigo do mesmo, antes cabendo concluir, como fez o Acórdão recorrido, que o acordo de comodato foi efetivamente denunciado, com todas as consequências associadas.

    L. A alegação pelos Recorrentes de que ainda que o comodato se houvesse extinguido a F...-... continuaria a ter objeto não é procedente e não afeta o que se concluiu no Acórdão recorrido, no qual se decidiu, em sede de análise do periculum in mora e de forma correta, que o arresto da ... sempre impedia que F...-... pudesse dispor da Coleção, em acréscimo ao facto de a denúncia do comodato ter operado.

  10. Não decorre de ponto algum...

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