Acórdão nº 0117/23.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução22 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório AA e BB, melhor identificados nos autos, notificados da Decisão Arbitral proferida no Processo 71/2023-T, datada de 24-06-2023, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e em que é recorrida a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com o seu conteúdo, vêm dele recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na versão actualizada pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro), com fundamento em o mesmo se encontrar em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral, no Processo n.º 565/2015-T, de 15.02.2016, também do CAAD, estando em causa a divergência no que se reporta à errada interpretação e aplicação da exclusão de incidência de IRS prevista no do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, no que concerne à venda do direito de propriedade, constituído por usucapião.

Inconformados, os recorrentes AA e BB formularam alegações, que terminaram com as seguintes conclusões: (

  1. O presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, admissível à luz do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, tem por objeto o acórdão arbitral proferido em 24.06.2023, no âmbito do processo n.º 71/2023-T, no qual os aqui Recorrentes peticionaram a anulação da liquidação adicional de IRS n.º ...51, relativa ao ano de 2020, tendo o seu pedido arbitral sido julgado (parcialmente) improcedente, pugnando o tribunal arbitral pela manutenção da liquidação em causa.

    (b) O acórdão arbitral de que ora se recorre colide frontalmente com anterior decisão, também proferida em sede arbitral em 15.02.2016, no âmbito do processo n.º 565/2015-T, além de se encontrar irremediavelmente inquinado do ponto de vista substantivo, porquanto consubstancia uma errada interpretação e aplicação do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

    (c) Com efeito, em ambos os processos em análise, se cuidou de julgar a aplicabilidade (ou não) da exclusão de tributação em IRS prevista no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro à alineação onerosa do direito de propriedade sobre imóveis, quando os mesmos sejam adquiridos por usucapião suportado em posse pacífica iniciada antes de 31.12.1989 e concluída após aquela data.

    (d) Sendo a questão factual idêntica: em ambos os casos estava em causa a alienação de imóveis adquiridos por usucapião, na sequência de posso pacífica iniciada antes de 31.12.1989 mas apenas terminada após aquela data.

    (e) E também idêntica a questão fundamental de direito: em ambos os casos, foi analisada a questão essencial de saber se o disposto no artigo 1288.º do Código Civil, - que determina que o direito de propriedade, constituído por usucapião, retroage à data do início da posse - é transponível para o caso em apreço, para efeitos da aplicação do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

    (f) Porém, o entendimento sufragado não podia ter sido mais diferente, já que o tribunal arbitral no acórdão arbitral recorrido entende que o disposto no artigo 1288º do Código Civil, - que determina que o direito de propriedade, constituído por usucapião, retroage à data do início da posse - não é transponível para o caso em apreço, por tal solução resultar manifestamente violadora da ratio da norma fiscal em questão, mas o tribunal arbitral no acórdão fundamento (processo n.º 565/2015- T) defende que à face do direito civil, a aquisição por usucapião considera-se efetuada na data do início da posse usucapião, nos termos dos artigos 1288.º e 1317.º, alínea c), do Código Civil, pelo que é esta a data de aquisição relevante para efeitos de mais-valias em IRS e consequentemente do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.

    (g) Ora, ao entender que a solução civilista é incompatível com a ratio do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, o tribunal arbitral no acórdão arbitral recorrido adota uma interpretação teleológica que não só é perigosa – já que se baseia numa pura adivinhação da intenção do legislador e não num estudo sério de reconstrução histórica do pensamento legislativo – como é frontalmente violadora do disposto no artigo 11.º, n.º 2 da LGT.

    (h) Com efeito, por força daquela regra do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, não havendo qualquer norma em sede de IRS, designadamente para efeitos do artigo 43.º do CIRS ou do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Outubro, de que resulte diretamente que, no caso de usucapião, seja utilizável um conceito próprio do direito fiscal, tem de se fazer aplicação dos conceitos do direito civil, não só quanto ao conceito de aquisição, como ao momento em que ela se considera efetuada, pois não se inclui qualquer indicação de momento diferente no Código do IRS.

    (i) De onde resulta, inequivocamente, que o tribunal arbitral que proferiu o acórdão impugnado incorreu num erro de análise ao desconsiderar a aplicação do normativo civilista e, ao invés, fundamentar a sua decisão puramente numa apreciação teleológica (sem fundamento) daquela que advinha ser a intenção do legislador ao prever a exclusão de incidência de IRS no artigo 5.º, n. 1.º do Decreto-Lei n° 442- A/88, 30 de novembro.

    (j) Sendo que é a própria AT-RAM que, de forma absolutamente incoerente e arbitrária, por um lado, nega a aplicação do artigo 5.º, n. 1.º do Decreto-Lei n° 442-A/88, 30 de novembro ao caso dos Recorrentes por, no fundo, não considerar que os prédios rústicos foram adquiridos até 31/12/1988, mas que, por outro lado, conta e aceita o início da posse declarada pelos Recorrentes (datas todas elas anteriores a 1989) como data de aquisição – no respeito do Código Civil como reconhece a AT-RAM – a ter em conta na determinação dos valores das mais-valias (Categoria – G), materializando-se na atualização do valor de aquisição através da correção monetária nos termos do artigo 50.º do Código IRS, considerando os coeficientes do ano de aquisição (ano da posse) fixado na Portaria n.º 317/2018 de 11 de dezembro.

    (k) Ora, não se compreende, nem certamente se desvenda base legal, para tal diferenciação. Antes, pelo contrário, se a data de aquisição dos prédios rústicos aceite pela AT-RAM e por si utilizada no apuramento de mais-valias (Categoria – G) tem em conta as datas de início da posse – declaradas pelos Recorrentes na Declaração de Rendimentos Modelo 3 de IRS submetida por referência ao ano de 2020 -, todas elas anteriores a 1989, não se compreende, nem se aceita, que as mesmas datas de aquisição não sejam consideradas para efeitos do artigo 5.º, n. 1.º do Decreto-Lei n° 442-A/88, 30 de novembro.

    (l) O tribunal arbitral que proferiu o acórdão recorrido incorreu num gritante erro judiciário ao ignorar por completo esta absoluta incoerência, a qual impõe necessariamente – desde logo por imperiosa e elementar coerência – a aplicação da solução civilista prevista no artigo 1288.º do Código Civil, não só ao cálculo da correção monetária nos termos do artigo 50.º do Código IRS, mas também à aplicação do artigo 5.º, n. 1.º do Decreto-Lei n° 442-A/88, 30 de novembro.

    (m) Isto porque não há dois conceitos de data de aquisição para efeitos de apuramentos de mais-valias imobiliária em IRS, mas apenas um.

    (n) Sendo certo que a AT já se pronunciou neste sentido em diversas Fichas Doutrinárias (e.g. emitidas no âmbito do Processo n.º 4468/2017, de 09/01/2018 e no âmbito do Processo n.º 3894/2018, de 11/04/2019) está vinculada a estas orientações, por via do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT.

    (o) Deve, pois, o acórdão impugnado ser revogado por este Supremo Tribunal Administrativo, sendo substituído por outro, nos termos legalmente devidos, que atenda à pretensão dos Recorrentes, porquanto é forçoso concluir pela aplicabilidade da exclusão de tributação em IRS prevista no artigo 5.º, n. 1.º do Decreto-Lei n° 442- A/88, 30 de novembro, porquanto se verifica, atendendo a toda a prova produzida e por força da data de aquisição utilizada pela própria AT-RAM no cálculo das mais-valias, os requisitos nele previstos.

    Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser anulada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a ilegalidade da decisão perfilhada pelo tribunal arbitral no âmbito do processo n.º 71/2013-T, dando-se provimento ao peticionado pelos ora Recorrentes, uniformizando-se a Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido do acórdão-fundamento ora invocado, tudo com as legais consequências.

    A recorrida Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, que concluiu conforme se segue:

  2. Vem interposto o presente recurso para uniformização de jurisprudência com fundamento no facto da decisão proferida no processo arbitral nº 71/2023-T (decisão recorrida) estar em oposição com a decisão proferida no processo arbitral nº 565/2015- T (decisão fundamento), ambas do CAAD, porquanto, alegadamente, em ambas as decisões ter sido apreciada a mesma questão fundamental de direito, ou seja, a interpretação e aplicação da exclusão de incidência de IRS prevista no artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de novembro no que concerne à venda do direito de propriedade, constituído por usucapião; b) A questão controvertida prende-se com saber, para efeitos de aplicação da exclusão de tributação a que alude o nº 1 do art. 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88 (norma transitória da vigência do CIRS), qual o momento da aquisição do prédio cuja alienação gerou mais-valias, adquirido por usucapião – se a data em que estão reunidas as...

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