Acórdão nº 1413/21.0T8LLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelANA PESSOA
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Real Vida Seguros, S.A.

pedindo a condenação da Ré a pagar ao Montepio Crédito, S.A. o valor em dívida no âmbito do contrato de mútuo e a pagar-lhe (a si Autora) a quantia correspondente a todos os valores pagos ao Montepio, S.A., desde .../.../2019, em cumprimento desse contrato de mútuo.

Alegou, em síntese, que ela e o falecido marido BB celebraram um contrato de mútuo com o Montepio Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. e, por ser exigido, o marido subscreveu a adesão a um contrato de seguro com a Ré, no qual figurou como beneficiário o Montepio, através do qual a seguradora assumiu a obrigação de liquidar o montante em dívida no caso de morte e que o marido da Autora faleceu em .../.../2019 de causa natural, por enfarte do miocárdio.

Referiu que o sinistro foi participado que se recusou a pagar o montante em dívida por conta daquele crédito sustentando terem sido omitidas informações relevantes aquando da subscrição do contrato de seguro, cujo prévio conhecimento teria sido razão para não aceitação do risco, que o marido não estava contratualmente obrigado a informar os antecedentes patológicos conhecidos e que, apesar de se tratar de um contrato de adesão, não lhe foram comunicadas quaisquer cláusulas pela Ré.

* A Ré contestou, excecionando a incompetência territorial, bem como a ilegitimidade ativa da Autora por preterição de litisconsórcio necessário ativo, uma vez que intentou a ação desacompanhada dos demais herdeiros do falecido.

No mais, aceitou a factualidade inerente aos termos e condições do contrato, bem como à participação do sinistro, mas sustentou que o marido da Autora, ali segurado, aquando da subscrição do contrato de seguro omitiu voluntariamente as patologias que padecia, sabendo que o conhecimento das mesmas era determinante para a Ré avaliar o risco e, com esse fundamento, invocou a anulabilidade do contrato, porquanto se tivesse tido conhecimento de tais factos não teria aceitado celebrar o mesmo.

Concluiu pugnando pela absolvição da instância e, subsidiariamente, pela absolvição do pedido.

* A Autora respondeu às exceções, pugnando pela respetiva improcedência e alegando que aquando da subscrição do contrato não foram explicadas quaisquer cláusulas contratuais, bem como não foi apresentado qualquer questionário clínico ou pedidos exames médicos, sendo que as patologias não foram a causa da morte e referindo que ainda que tivesse existido omissão de informação, a mesma foi negligente e já não lhe pode ser oposta, invocando a cláusula de incontestabilidade contida no contrato e no artigo 188.º do RJCS.

* Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de incompetência territorial e de ilegitimidade ativa, e procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

* Realizou-se Audiência Final, vindo a ser proferido sentença com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julgo a acção totalmente improcedente, por não provada, e, por conseguinte, absolvo a Ré dos pedidos.(…)” * Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso, extraindo das respetivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: “91. Os argumentos da Recorrente são, em suma, os seguintes: a. A Recorrente requer a alteração da matéria de facto nos seguintes termos: i. Deve ser aditado o seguinte facto: “Finibanco- Vida, Companhia de Seguros de Vida S.A. não realizou um procedimento de avaliação de risco”, ii. O facto provado n.º 22 deve passar a ter a seguinte redação: “Aquando da adesão ao contrato de seguro referida em 4) BB omitiu as patologias e o acompanhamento clínico”, iii. Deve ser aditado aos factos não provados: “BB sabia que as patologias e o acompanhamento clínico eram determinantes para a Ré proceder à avaliação do grau de risco a cobrir” iv. O facto provado n.º 25 deve ser dado como não provado.

  1. Os meios probatórios e demais ónus previstos no art. 640.º do Cód. Proc. Civil, que permitem concluir pela reforma da decisão de facto no sentido indicado, estão indicados detalhadamente supra nos §§ 45.º a 47.º.

    c. Em face da procedência da impugnação de facto requerida, a Recorrida deve ser condenada nos exatos termos peticionados, pelos seguintes motivos: i. O marido da Recorrente (segurado) não tinha o dever de declarar as patologias pré-existentes porque a seguradora demonstrou, no caso concreto, que as mesmas não eram significativas, pelo que não houve uma violação do art. 24.º, n.º 1 do RJCS.

    ii. Ainda que tivesse existido uma violação desse dever, a omissão não pode ser tida como dolosa, mas meramente negligente.

    iii. Apenas se verifica uma omissão dolosa do dever referido no n.º 1 do art. 24.º da RCJS quando o segurado, na declaração inicial de risco, utiliza qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou a consciência de induzir em erro o segurador - Art. 253.º do Cód. Civil.

    iv. No caso concreto, não resulta da matéria dada como provada que o marido da Recorrente tenha tido a intenção de induzir a seguradora em erro.

    v. Ao abrigo do art. 188.º, n.º 1 do RJCS (cláusula de incontestabilidade), por estar em causa um seguro de vida, a Recorrida não se pode prevalecer de uma alegada omissão negligente, na medida em que já passaram mais de dois anos sobre a celebração do contrato, que ocorreu em 10/02/2015.

    vi. Caso V. Exas. entendam que a cláusula de incontestabilidade não deve operar neste caso, ainda assim a Recorrida deverá assumir totalmente a responsabilidade do sinistro por aplicação do art. 26.º, n.º 4 a contrario do RJCS, na medida em que não resulta da matéria provada que as patologias pré-existentes influenciaram a ocorrência do óbito.

    vii. Se, por outro lado, V. Exas. considerarem que a alegada omissão foi dolosa, não poderá, ainda assim, o contrato de seguro ser anulado, tal como excecionado pela Recorrida.

    viii. Sendo o dolo do art. 25.º, n.º 1 do RJCS aquele que está previsto no art. 253.º, isso tem como consequência a necessidade da verificação da dupla causalidade exigida nos artigos 253.º e 254.º do Código Civil: o dolo tem de ser causa do erro do segurador e o erro tem de ser essencial, sendo a causa da anulabilidade.

    ix. Assim, para anular o contrato de seguro, a Recorrida teria que ter demonstrado que a seguradora contratante não teria celebrado o contrato, se conhecesse o erro, o que não foi alegado nem provado.

    x. O contrato objeto deste processo foi celebrado pela Finibanco-Vida (factos provados n.º 4 a 6), Companhia de Seguros de Vida S.A. que foi, mais tarde, incorporada pela Recorrida (facto provado n.º 9), mas não por esta.

    XI. Não importa, neste caso, saber se a Recorrida teria celebrado ou não o contrato de seguro se soubesse do erro, porque, não tendo sido ela a celebrar o contrato aqui em causa, não foi ela que foi, alegadamente, induzida em erro.

    xii. No entanto, não ficou provado que a Finibanco - Vida, Companhia de Seguros de Vida S.A. não teria celebrado o contrato se soubesse das patologias pré-existentes.

    xiii. A entidade Finibanco - Vida, Companhia de Seguros de Vida S.A. era, até ser incorporada na Recorrida, autónoma e com procedimentos internos próprios de avaliação do risco, que não se podem ter como idênticos aos da Recorrida, por isso não ter ficado provado.

    xiv. Ainda que o relevante fosse apurar a essencialidade do erro para a Recorrida, a mesma tem que se ter por não demonstrada, face à procedência da impugnação do facto provado n.º 25.

    xv. Por fim, se não existiu um procedimento de avaliação do risco, a Recorrida não se pode prevalecer de uma alegada violação do dever previsto no art. 24.º, n.º 1 do RJCS, que tem como principal intuito dotar as seguradoras de todas as informações para uma cabal avaliação do risco, por isso consubstanciar uma clara atuação em abuso do direito.

  2. A douta sentença recorrida violou as normas jurídicas referidas ao longo da presente peça, em especial os artigos 24.º a 26.º do RJCS e o art. 253.º do Cód. Civil.

    92. Por tudo o exposto, requer-se a V. Exas. a reforma da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação totalmente procedente.

    * A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência da impugnação da matéria de facto e concluindo que atenta a matéria produzida nos autos, com a qual referiu concordar, assiste à Ré o direito à anulação do contrato de seguro, nos termos do disposto no artigo 25.º da Lei do Contrato de Seguro, e, por conseguinte, à exclusão da sua responsabilidade no pagamento à Autora dos valores peticionados nos autos, devendo a sentença manter-se na íntegra.

    * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    * II. QUESTÕES A DECIDIR.

    Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2 (aplicável “ex vi” do artº. 663º, n.º 2 in fine), 635º, nº. 4, 637º, nº. 2 e 639º, nºs 1 e 2 todos do Código de Processo Civil, nos presentes autos, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões: - Impugnação da matéria de facto; - Da validade do contrato de seguro e da responsabilidade da Ré pelo pagamento das quantias peticionadas pela Autora.

    * III.

    FUNDAMENTAÇÃO III.1. Na sentença recorrida foram considerados provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos [transcrição]: 1) No dia 19.02.2015 a Autora e o marido BB celebraram com o Montepio Crédito - Instituição Financeira de Crédito, S.A., por escrito particular, um contrato de mútuo com o n.º..., nos termos do qual esta lhes emprestou a quantia de 22.094,08€ para aquisição do veículo automóvel Ford C-Max com a matrícula ..-OR-..; 2) Na cláusula 20.1 das Condições Gerais do contrato referido em 1)...

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