Acórdão nº 149/23.1GJBJA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023
Magistrado Responsável | FERNANDO PINA |
Data da Resolução | 07 de Novembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos autos de Inquérito que, com o nº 149/23.1GJBJA, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Ourique, por decisão judicial datada de 26 de Julho de 2023, foi decidido aplicar a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido: - AA, melhor identificado nos autos.
Inconformado com esta decisão que determinou a sua sujeição à medida de coacção de prisão preventiva, dela recorreu o arguido extraindo das respectivas motivações de recurso as seguintes anormalmente extensas conclusões, (transcrição): O Recorrente foi detido no âmbito dos presentes autos no passado dia 25 de julho de 2023, e presente a Primeiro Interrogatório Judicial, no dia imediato.
Ao Recorrente foram-lhe imputados os seguintes fatos: O Recorrente e a Ofendida BB, viveram em comunhão de mesa, leito e habitação, cerca de um ano, durante 2021.
Antes do dia 15 de julho de 2023, o Recorrente terá falado com a Ofendida BB, na rua, dirigindo-lhe as seguintes expressões; “és uma puta”, “não vales nada” e “vou dar cabo de ti”.
Na noite do dia 15 de julho de 2023, o Recorrente deslocou-se até à casa da Ofendida BB, no Carregueiro, Aljustrel, tendo feito força na porta da rua e quando a mesma cedeu, entrou no interior da casa.
Quando o Recorrente entrou na casa, deparou com o atual companheiro da BB e desferiu-lhe um número não apurado de socos, chapadas e pontapés, provocando-lhe dor e dificuldades auditivas.
De seguida o Recorrente dirigiu-se à BB que estava no corredor e desferiu-lhe um número não determinado de murros e pontapés pelo tronco, membros e cabeça, até esta perder os sentidos, continuando mesmo depois disso.
Com as agressões que foi alvo a Ofendida BB sofreu um vasto número de hematomas em todo o corpo.
O Recorrente terá dito aos Ofendidos que se fizessem queixa na GNR que matava a BB.
A atuação do Recorrente era motivada por ciúmes e pela não aceitação do fim do seu relacionamento amoroso com a Ofendida BB e o novo relacionamento desta.
O Recorrente é consumidor de cocaína e álcool, embriagando-se semanalmente e é uma pessoa que tem acesso a armas.
O Recorrente tem antecedentes criminais pela prática do crime de homicídio.
O Recorrente entrou no interior da casa da Ofendida, sem autorização desta, sabendo que ao fazê-lo ia contra a vontade daquela.
O Recorrente agrediu o CC, atuando com a intenção de molestar o corpo e a saúde deste, provocando-lhe lhe dor, por este ser o atual companheiro da BB.
Tendo o Recorrente prestado declarações, a Mmª Magistrada do Ministério Público, em sede de promoção, pediu a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, para além do TIR já prestado; e A defesa do Recorrente, entendendo que a medida acima indicada era excessiva e desproporcional, pediu a aplicação de uma medida de coação não privativa da liberdade, mais concretamente a proibição de contactos com as testemunhas e com os ofendidos, bem como o recurso de proteção por teleassistência da ofendida.
A Mmª Magistrada Judicial proferiu a decisão de aplicação ao Recorrente da medida de coação de prisão preventiva porque, na sua opinião “(…) O arguido vem fortemente indiciado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º, nºs 1, alínea a) e nºs 2 al. a), do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão de 2 a 5 anos, um crime de violação de domicilio, previsto e punido pelo artigo 190º, nº1 do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 240 dias; um crime de coação agravada, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, 155 nº 1, a) do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, e um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 145º, nº 1 al. a), todos do Código Penal, tipo de ilícito punido com pena de prisão até 4 anos.”.
O Recorrente não se conforma com a escolha da medida de coação que lhe foi aplicada, bem como com a respetiva fundamentação e pretende ver o despacho que a aplicou alterado, sendo-lhe aplicada outra medida de coação.
Nos presentes autos, o Recorrente está indiciado por vários crimes, sendo, entre eles, o mais gravoso, o de violência doméstica, contudo aquele entende que não estão preenchidos os elementos do tipo do crime.
Nos termos do art. 152ºdo CP, o crime de violência doméstica é praticado por quem, de uma forma reiterada ou não, infligir maus-tratos físicos ou psicológicos a pessoa com quem tenha, ou tenha tido, uma relação familiar. Acontece que, O Recorrente e a Ofendida viveram juntos, como se marido e mulher se tratasse, contudo aquele nunca atentou, ou mesmo tentou, contra a integridade física pu psicológica desta, tal como nunca a ameaçou.
Desde a separação, quer o Recorrente, quer a Ofendida BB refizeram a sua vida amorosa com outras pessoas. Mas, A Ofendida BB, tem difamado o Recorrente, dizendo que este, quando se separou desta, a deixou cheia de dívidas, devido a créditos que esta fez em seu nome e que ele beneficiou.
Por causa destas afirmações da Ofendida, o Recorrente tem tentado falar com ela para que ela deixe de dizer estas coisas, as quais não são verdade.
Na noite do dia 15 de julho de 2023, o Recorrente foi à porta da casa da ofendida, para lhe pedir, mais uma vez, que ela acabasse com este tipo de conversas.
O Recorrente, quando se deslocou a casa da BB, para falar com ela, sabia que o seu atual companheiro estava em casa com ela.
O CC e atual companheiro da BB, abriu a porta da casa e começou imediatamente a agredir o Recorrente, tendo este se defendido.
As agressões mútuas entre o Recorrente e o CC ocorreram no exterior da porta da rua da casa da Ofendida, tendo esta ficado sempre no interior da casa, junto à porta.
A deslocação do Recorrente à casa da ofendida poderia indiciar que estaríamos perante o crime de violência doméstica, se tivesse havido, da parte deste, maus-tratos físicos ou psicológicos aquela, o que não aconteceu.
O despacho que aplicou a medida de coação de prisão preventiva ao Recorrente fundamentou-se na existência de um perigo na continuação da atividade criminal por parte daquele, atenta à sua personalidade, uma vez que ele já tinha antecedentes criminais pelo crime de homicídio.
Segundo o despacho em recurso, a manutenção do Recorrente em liberdade, podendo permitir a continuação da atividade criminal por parte deste, perturba gravemente a ordem e a tranquilidade publicas (art. 204º, al.c) do CPP). E, A personalidade do Recorrente foi descrita como sendo de uma pessoa conflituosa, impulsiva e perigosa.
Os antecedentes criminais do Recorrente serviram de base para a “classificação” da sua personalidade, de modo a permitir a justificação da aplicação da medida de coação da prisão preventiva.
Esta fundamentação do despacho em recurso vai contra o que a jurisprudência e a doutrina nos diz, de que o perigo da continuação da atividade criminal prende-se apenas com o ou os crimes pelos quais os arguidos estiverem indiciados e não por todo ou qualquer ilícito que este venha a praticar.
Nos termos da alínea c) do art. 204º do CPP, a medida de coação da prisão preventiva só deve ser aplicada se houver perigo concreto de os arguidos voltarem a praticar factos integradores do mesmo tipo de ilícito, havendo assim a necessária conformação prático-normativa da medida de coação de prisão preventiva com os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193º nº 1 do CPP).
O artigo 193º nº 1 do CPP dispõe que “(…) as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requere e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas. (….)” E, Dispõe a CRP, no seu art. 27º nº 1, que “(…) Todos têm direito à liberdade e à segurança (…)” e no art. 18º nº 2 que “(…) A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…)”.
Assim sendo, para ser aplicada esta medida de coação o decisor deve concluir que a medida é adequada à prossecução do fim a que se propõe; que para atingir o fim que se pretende (evitar a fuga, a perturbação do inquérito, continuação da atividade criminosa) não é possível adotar outra medida de coação; e a privação da liberdade é a “justa medida” para evitar a sua fuga, a continuação da atividade criminosa e a perturbação do inquérito.
Numa primeira fase, só excluindo todas as demais medidas de coação, não privativas da liberdade, é possível decidir pela aplicação de uma privativa da liberdade, respeitando os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. E, Numa fase seguinte, decidir pela aplicação da prisão preventiva após excluir a viabilidade, a necessidade, adequação e proporcionalidade da OPHVE.
A escolha da medida de coação a aplicar, caso seja, privativa de liberdade, deve ser devidamente fundamentada através de factos ou indícios fortes e no caso da prisão preventiva carece de invocar os motivos concretos para que não se aplique a OPHVE.
No despacho em recurso, a Mmª Juiz remeteu a fundamentação para os antecedentes criminais do Recorrente e daí justificou que estes atestavam a personalidade deste, como sendo de uma pessoa impulsiva, conflituosa e agressiva.
Quanto ao perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, nada consta nos autos que nos permita concluir que a liberdade do Recorrente poderia pô-las em causa. E O mesmo se diga quanto ao perigo do Recorrente perturbar o bom andamento dos presentes autos de inquérito e condicionar as testemunhas e os ofendidos, encontrando-se em liberdade a aguardar os trâmites do processo. Aliás, Essa finalidade poderia ser alcançada com a proibição de contatos entre o Recorrente, ofendidos e testemunhas, ou em última...
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