Acórdão nº 21/16.1ZRFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução21 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., no âmbito dos autos com o NUIPC 21/16...., foram as arguidas AA, BB e CC submetidas a julgamento em Processo Comum e Tribunal Coletivo.

Após audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, por Acórdão de 15 de setembro de 2022, decidiu: - absolver a arguida AA da acusação da prática de sete crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 183º n.º1 e 2 da Lei 23/2007, de 04.07, e de sete crimes de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 e 2 da Lei 23/2007, de 04.07; - absolver a arguida BB da acusação da prática de sete crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 183º n.º1 e 2 da Lei 23/2007, de 04.07; - absolver a arguida CC da acusação da prática de sete crimes de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 183º n.º1 e 2 da Lei 23/2007, de 04.07, sem prejuízo da imputação de um deles sob a forma de participação; - absolver a arguida BB da acusação da prática de quatro crimes de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 e 2 da Lei 23/2007, de 04.07; - absolver a arguida CC da acusação da prática de cinco crimes de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 e 2 da Lei 23/2007, de 04.07; - absolver a arguida BB da acusação da prática de três crimes de angariação de mão de obra ilegal mas apenas por referência ao crime qualificado nos termos do art. 185º n.º2 da Lei 23/2007, de 04.07, e sem prejuízo da sua imputação na forma simples; - absolver a arguida CC da acusação da prática de dois crimes de angariação de mão de obra ilegal mas apenas por referência ao crime qualificado nos termos do art. 185º n.º2 da Lei 23/2007, de 04.07, e sem prejuízo da sua imputação na sua forma simples; - condenar a arguida BB pela prática de: i. um crime de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 da Lei 23/2007, de 04.07, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; ii. um crime de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 da Lei 23/2007, de 04.07, na pena de 2 (dois) anos de prisão; iii. um crime de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 da Lei 23/2007, de 04.07, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, a arguida BB na pena conjunta de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período; - condenar a arguida CC pela prática de: i. um crime de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 da Lei 23/2007, de 04.07, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; ii. um crime de angariação de mão de obra ilegal, p. e p. pelo art. 185º n.º1 da Lei 23/2007, de 04.07, na pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão; iii. um crime de auxílio à imigração ilegal, como cúmplice, p. e p. pelo art. 183º n.º2 da Lei 23/2007, de 04.07, e pelo art. 27º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, a arguida CC na pena conjunta de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período.

*Inconformada com a decisão, a arguida BB interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: 1. O presente Recurso incide sobre a Sentença proferida nos autos à margem identificados, que condenou a Arguida pela prática, em autoria material, de um crime de angariação de mão de obra ilegal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; um crime de angariação de mão de obra ilegal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; e um crime de angariação de mão de obra ilegal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, previstos e puníveis pelo artigo 185º n.º 1 da Lei 23/2007, de 04.07, das quais resultaram, em cúmulo jurídico das penas singulares aplicadas, na pena conjunta de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período.

  1. E versa sobre matéria de facto e de Direito, sendo que, a Arguida discorda da decisão proferida quanto à matéria de facto, assim como não se conforma com a sua condenação, e, ainda que a mesma devesse ser condenada, entende que a determinação da medida da pena por parte do Tribunal de 1º Instância deveria ser outra.

  2. A Recorrente IMPUGNA A MATÉRIA DE FACTO vertida nos pontos 3), 5), 8), 21), 22) e 23) da decisão sobre os Factos Provados, que se encontram nas páginas 2. a 6. do douto Acórdão, os quais devem ser dados como não provados pelo Tribunal ad quem.

  3. Isto porque, decidiu incorrectamente o Tribunal recorrido ao dar como provados os factos descritos nos pontos 3), 5), tendo fundamentado aquela decisão no depoimento da testemunha DD, a qual, com a animosidade que se apresentou para com a arguida BB, deveria merecer um especial cuidado e ponderação por parte do Tribunal recorrido, no momento em conferir ou não credibilidade ao seu depoimento.

  4. De facto, esta Testemunha apresentou-se com um discurso agressivo, imbuído de espírito de “vingança” para com a Arguida ora Recorrente pelo que não se esperaria que a mesma dissesse exactamente o que sabe e o que observou, mas antes que a mesma prestasse um depoimento claramente intencionado no sentido de perturbar, ou prejudicar, a Recorrente.

  5. Além de que, o seu depoimento situou-se num período temporal diferente daquele que está em discussão nos autos - disse ter trabalhado para a empresa D.... entre Janeiro a Junho de 2016 - e nem sequer soube identificar qualquer dos trabalhadores estrangeiros mencionados neste processo – nenhum dos nomes que referiu coincidiu com os dos cidadãos identificados nos autos 7. De modo que, ainda que se conferisse credibilidade absoluta àquele depoimento (como o Tribunal a quo decidiu conferir), o mesmo apenas poderia relevar para o período em que a Testemunha afirmou estar associada à empresa - Janeiro a Junho de 2016 -, e não para o período que se encontra mencionado na Acusação, e agora plasmado nos pontos dados como provados que constam do Acórdão - Julho a Outubro de 2016.

  6. Quanto ao outro fundamento em que o Tribunal recorrido alicerçou a sua decisão quanto àquela matéria de facto dada como provada, nomeadamente, as declarações para memória futura, esta não deveriam ser valoradas, para demonstrar ou não aquela factualidade.

  7. Isto porque, é compreensível que aquelas testemunhas, apenas ouvidas em declarações para memória futura, não reconheçam a outra Arguida, AA, porque nunca estiveram presencialmente com ela.

  8. E aceita-se que os mesmos tenham considerado a Recorrente como a “patroa” da empresa, porque foi esta que se relacionou com eles (embora através da Arguida CC, que procedia às traduções), foi esta que lhes transmitiu o valor dos salários, que os transportava, e a quem contactavam, caso fosse necessário tratar de alguma situação.

  9. A circunstância de aquelas testemunhas se relacionarem com a Arguida ora Recorrente e de esta lhes dar instruções de trabalho, não leva a concluir, com a certeza necessária que o processo penal exige, que a mesma seja gerente de facto da sociedade (factualidade esta que se revela preponderante no momento da aplicação do Direito aos factos).

  10. Note-se que, a sociedade D... dedicava-se à disponibilização de trabalhadores (pág. 27 do douto Acórdão), tinha já alguma dimensão (a sede era em ... e angariava trabalho por todo o país, inclusive ...), e já havia trabalhadores estrangeiros associados à sociedade inscritos na segurança social desde Março de 2016 (pág. 21 do douto Acórdão).

  11. Ou seja, de uma sociedade com estas características não é razoável concluir que o “patrão” lidasse directamente com os trabalhadores, e que ocupassse o seu tempo a angariar e a transportar trabalhadores pelo país (antes se ocupando com tarefas de gestão, contactos com clientes, planeamento, entre outros).

  12. Ademais, não subsiste qualquer prova documental da responsabilidade (ou co-responsabilidade) pela gerência daquela sociedade por parte da Recorrente; os contratos de trabalho, inscrições na segurança social, entre outros documentos que constam dos autos, não estão assinados pela Recorrente.

  13. Era a Arguida AA quem, de facto e de direito, geria todos os negócios societários e decidia em que termos eram afetadas as receitas às despesas e encargos da sociedade.

  14. Aliás, foi dado como facto provado que esta arguida é sócia e gerente da mencionada sociedade (ponto 1) dos factos provados).

  15. Já a arguida ora Recorrente efectuava a gestão de recursos humanos, conforme confessou na Contestação por si apresentada.

    Fazia, portanto, parte do núcleo das suas funções, o acompanhamento de todas as necessidades de alimentação e habitação dos trabalhadores contratados, e, bem assim, a supervisão do respetivo trabalho, mais tais actos eram exercidos à ordem e sob instruções prévias da gerente da sociedade.

  16. Em suma, nunca a arguida ora Recorrente praticou qualquer acto de que resultasse o exercício efetivo de funções de gerente da D... – LDA., nem interferiu no processo decisório, designadamente no que concerne à contratação de trabalhadores em situação ilegal.

  17. Cumpre ainda esclarecer esta Tribunal que a eventual gerência de facto da Recorrente foi já apreciada pelo Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., no Processo-crime com o nº 124/18.... (acessível por este Tribunal, pelo que não se junta ao presente Recurso, atento o Príncipio da economia processual).

  18. De facto, resulta da douta Sentença proferida naquele processo, transitada em julgado, que a Recorrente não foi gerente de facto da sociedade D... – LDA., desde a constituição da sociedade.

  19. Ora, se a Recorrente não foi considerada gerente de facto, não se concebe como pode agora ser decidido que era esta “quem definia as contratações de funcionários da D..., geria os dinheiros da sociedade, dava ordens e instruções sobre o dia-a-dia da sociedade e tomava as decisões dentro da sociedade.”, como o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT