Acórdão nº 2054/19.7T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução23 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO Frustrada a tentativa de conciliação AA, residente na Rua ..., freguesia ..., concelho ... (... ...), veio intentar a presente ação especial emergente de acidente de trabalho, contra EMP01..., LDA, com sede na Zona Industrial ... – ... – ... (... ...) e EMP02... – COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A., com sede na rua ... da cidade ... (... ...), pedindo a condenação das Rés nos seguintes termos:

  1. Aceitar a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho; b) Aceitar o nexo causal entre as lesões e o acidente de trabalho; c) Assumir a responsabilidade pela indemnização emergente do acidente de trabalho; d) Aceitar a retribuição anual de €13.083,30 (770,00x14m+53,72x14m+6,41x22(dias) x 11; e) Aceitar um período de ITA de 562 dias desde 5.06.2018 a 18.12.2019; f) Pagar a pensão anual e vitalícia no montante de € 8.958,97 com início em 19/12/2019, dia a seguir ao da alta; g) Pagar o subsídio de elevada incapacidade no montante de € 5.532,09; h) Pagar a quantia de € 3.060,15 pelos períodos de ITA de 5/06/2018 a 18/12/2019; i) Pagar a quantia de € 3.124,73 a título de prestações de pensão provisória desde 19/12/2019; j) Pagar a quantia de € 2.654,78 pela adaptação da casa de banho da casa de habitação; k) Pagar as ajudas técnicas nomeadamente, uma canadiana, uma prótese do membro inferior direito com joelho electrónico, meia adequada bem como toda a assistência que for necessária; l) Pagar a quantia de € 30,00 a título de despesas pelas deslocações a tribunal e ao G.M.L; m) Pagar juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada uma das referidas quantias até integral pagamento.

    E, ainda, a 1ª ré ser condenada a: n) Pagar a quantia de € 618,16 pelos períodos de ITA de 5/06/2018 a 18/12/2019; o) Pagar a quantia de € 10.087,19 a título de prestações de pensão provisória desde 19/12/2019; p) Pagar juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada uma das referidas quantias até integral pagamento.

    Alega em síntese que sofreu um acidente de trabalho, no dia 4 de Junho de 2018, quando exercia as funções de motorista, auferindo a retribuição anual ilíquida de Euros 12.672,82 (sendo retribuição mensal base €770,00; diuturnidades €24,40 e subsídio de alimentação €6,41). Na altura trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de “EMP01..., LDA”, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a seguradora. Em consequência do acidente sofreu lesões e sequelas a que corresponde uma IPP de 90,60% e com IPATH, desde a data da alta que ocorreu em 18/12/2019.

    *Regularmente citadas as Rés vieram contestar.

    A Ré Seguradora invocou a descaracterização do acidente e refere que o autor violou, sem qualquer justificação as regras de segurança impostas pela entidade empregadora ou previstas na lei, agindo com dolo, ainda que eventual (cf. art. 14º, da LAT). Mais alega que o empregador ao não ter implantado grades de protecção na máquina onde se deu o acidente incumpriu as regras de segurança (cfr. art. 18º da LAT). A Ré empregadora, defende-se por excepção, arguiu a ineptidão da p.i. e a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir. Refere que o acidente não ocorreu da forma como foi descrito pelo autor na p.i. e que sempre lhe foram transmitidas instruções, de forma prática, de como deveria executar a extração de paletes e o consequente uso do empilhador bem como transmitidas as regras de segurança que deveria ter. Mais alega que cumpriu com todas as obrigações a que estava adstrita em matéria de segurança e saúde no trabalho, ministrou formações em contexto laboral e em higiene e segurança no trabalho, foi objecto de vistorias anuais por parte de empresa certificada de serviços de higiene e segurança no trabalho, que elaborou relatórios sobre focos de perigo, indicando as situações a corrigir para evitar acidentes de trabalho.

    O A. apresentou articulado de resposta.

    *Foi proferido despacho saneador, que conheceu das excepções de ineptidão e de falta de interesse de agir, foram fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

    No apenso de fixação da incapacidade foi decidido que o A. se encontra curado, com uma IPP de 90,60% e com IPATH e que esteve com ITA desde 05 de Junho de 2018 a 18 de Dezembro de 2019 (365+207).

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, tal como resulta do teor da respectiva acta.

    Por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “ Assim, e face a tudo o exposto, decide-se: I. Condenar a R. EMP02... – Companhia de Seguros ..., S.A.: - a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia no montante de Euros 8.632,50, com início no dia seguinte ao da alta (19/12/2019), actualizada em 2020 para o valor de €8.692,93, em 2021 para €8.799,86, em 2022 para €8.887,66 e em 2023 para €9.634,26; - a pagar ao A. o subsidio de elevada incapacidade no montante de €5.329,06; - a pagar ao A. o subsídio de readaptação da habitação no valor de €2.571,42; - a pagar ao A. a quantia de €318,28, de diferença pela incapacidade temporária; - a pagar ao A. a quantia de €100,00 de despesas com deslocações; - a prestar ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais – nomeadamente, uma canadiana, uma prótese do membro inferior direito com joelho electrónico, meia adequada bem como toda a assistência que for necessária -, que sejam prescritas no âmbito do seguimento clinico obrigatoriamente conferido pela ré.

    - a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.

    *II. Condenar a R. EMP01..., Ldª: - a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia no montante de Euros €279,85, actualizado em 2020 para o valor de €281,81, em 2021 para €283,78, em 2022 para €286,62 e em 2023 para €310,70; - a pagar ao A. o subsidio de elevada incapacidade no montante de €172,76; - a pagar ao A. o subsídio de readaptação da habitação no valor de €83,36; - a pagar ao A. a quantia de €454,07, a título de incapacidade temporária; - a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.

    *Decide-se ainda absolver as RR. do mais contra as mesmas peticionado.

    Custa pelas RR. na proporção da respectiva responsabilidade.

    Valor da acção: €126.228,14 (cento e vinte e seis mil, duzentos e vinte e oito euros e catorze cêntimos).

    Proceda ao cálculo.

    Registe e notifique.” Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré “EMP02... – COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A.” interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1.ª - Vem o presente recurso impugnar a decisão proferida que, apurando a responsabilidade da seguradora, julgou parcialmente procedente a ação, condenando a seguradora nas quantias referidas na sentença; 2.ª - Da culpa do trabalhador e da descaracterização do acidente, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.

    1. – Atenta a matéria de facto provada, é claro que é de imputar ao sinistrado uma atitude altamente reprovável porque se abeirou do tapete, sem o imobilizar previamente, o que evidentemente se impunha.

    2. - Essa atitude é tanto mais reprovável pois, aquando do sinistro, o A. já havia retirado do referido tapete rolante a primeira palete de blocos, sem imobilizar o referido tapete, conforme se impunha.

      E, com não imobilizou o tapete, o A. caiu para cima do tapete rolante, quando nesse preciso momento se aproximava uma outra palete de blocos, sendo que a sua proximidade impediu-o de se erguer do tapete antes da mesma passar.

    3. - Ora, o Sinistrado bem sabia o risco que corria ao não imobilizar o tapete rolante; 6.ª - E, assim sendo, é enorme o grau de descuido e negligência com que o Sinistrado actuou, atingindo, na nossa opinião, o nível pressuposto pelo art. 14º n.º 3, al. b), de negligência grosseira, traduzida num comportamento temerário em alto e relevante grau, não reconduzível a acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

    4. - É evidente e muito criticável e merecedor de juízo de censura, a negligência e descuido patentes na atuação do sinistrado, ao retirar as paletes de cima do tapete rolante com o mesmo em movimento; 8.ª - Assim sendo, é firme convicção da Ré, que o acidente resultou exclusivamente da falta de cuidado, grave e indesculpável do aqui sinistrado; 9.ª - Entende a ora Recorrente que o acidente encontra-se descaraterizado devido à violação das normas de segurança por parte do Sinistrado, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4de Setembro: 10.ª - Caso o Sinistrado tivesse imobilizado o tapete, o acidente não teria ocorrido.

    5. - O sinistrado era uma pessoa experiente e com formação para este tipo de trabalhos, bem sabendo do perigo e da ilicitude da sua atuação, expondo-se, assim, a um risco acrescido e desnecessário. Tal comportamento e conduta de violar as regras e condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora, exclusiva do Sinistrado, foi a causa direta e necessária para a ocorrência do sinistro.

    6. - Ora, nos termos do art. 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, não dá direito a reparação o acidente que provier de ato ou omissão do sinistrado, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei, ou quando provier de negligencia grosseira do sinistrado.

    7. - Pelo que deverá ser descaracterizado o acidente, uma vez que o sinistrador agiu intencionalmente e com dolo, ainda que eventual.

    8. - Estando preenchidos os requisitos para a descaracterização do acidente de trabalho no art. 14.o da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro: - Existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou pela lei; - Verificação, por parte do sinistrado, de ato ou omissão que as viole; - voluntariedade desse comportamento, ainda que não...

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