Acórdão nº 1099/23.7T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Novembro de 2023
Magistrado Responsável | VERA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 23 de Novembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Nos presentes autos de acção especial de impugnação do despedimento que AA propôs contra Santa Casa da Misericórdia ..., pede que se declare a ilicitude do seu despedimento com as consequências legais.
Os autos prosseguiram a sua tramitação normal e aquando da prolação do despacho saneador, a Mma. Juiz a quo apreciou parcialmente do mérito, tendo proferido despacho referente aos vícios atinentes à tramitação e à decisão do procedimento disciplinar, do qual consta o seguinte dispositivo: “Por todas as razões expostas, decide-se, desde já, que o procedimento disciplinar que foi instaurado à autora/trabalhadora não enferma dos vícios que a mesma apontou – pertinentes ao modo como se desenvolveu e à decisão proferida no seu culminar – nem para todos os efeitos, de quaisquer outros com aptidão invalidante.” Inconformada com tal despacho, veio a Autora interpor recurso de apelação, em separado, no qual formula as seguintes conclusões, que depois de aperfeiçoadas, passamos a transcrever: “I.O presente recurso é interposto do despacho saneador proferido pelo Digno Tribunal a quo, que decidiu considerar improcedentes as nulidades do procedimento disciplinar arguidas pela trabalhadora, apreciando, assim, parcialmente o mérito da causa, a saber: “i. Durante a fase instrutória do procedimento disciplinar, não procedeu a ré/empregadora à audição das testemunhas que, na resposta à nota de culpa, arrolou, recusando a produção desse meio de prova com relação a uma delas, com fundamento na circunstância de a mesma ter sido já inquirida, e negando-se a designar nova data para a inquirição da outra ou a permitir que depusesse por escrito, assim a privando, em absoluto, de exercer o direito de defesa que lhe assiste – cfr. artºs 1º a 25º do articulado de contestação; --- ii. Na decisão que proferiu, por via da qual foi aplicada a sanção de despedimento, não cumpriu a ré/empregadora o dever de fundamentação de facto, com exame crítico das provas produzidas, que teria revelado as incongruências e contradições dos relatos produzidos por parte das testemunhas inquiridas – cfr. artºs 64º a 68º do articulado de contestação.” II. As questões que a Recorrente suscita são as seguintes, nos termos do artigo 639.º, n.º 1 do C.P.C.: - invalidade do procedimento disciplinar por recusa de produção de prova testemunhal com relação a uma testemunha, por já ter sido inquirida; - invalidade do procedimento disciplinar por recusa de designação de nova data para inquirição de testemunha arrolada; - violação dos princípios da defesa e do contraditório do arguido em virtude de lhe ter sido coartada a produção de prova em sua defesa; - nulidade do procedimento disciplinar por violação do dever de fundamentação da decisão de despedimento.
DA RECUSA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS III. Em sede de resposta à Nota de culpa proferida no Processo disciplinar, a trabalhadora recorrente requereu a inquirição das testemunhas BB e AA que no registo de ocorrência prévio ao Procedimento disciplinar, depuseram negando factos essenciais para o despedimento da trabalhadora/arguida, a saber: a agressão na boca ao menino CC no dia 22/11/2022(cfr. depoimento da AA); o comportamento violento e impróprio reiterado da trabalhadora para com as crianças da creche (cfr. depoimento da educadora BB e AA).
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Era, portanto, imperiosa para a defesa da arguida, em sede de prova a produzir na resposta à Nota de Culpa, a audição destas testemunhas a fim de fazer prova, no procedimento disciplinar, de factos absolutamente essenciais e que fundamentaram a decisão de despedimento da trabalhadora.
PORÉM, V. A ré/empregadora indeferiu a inquirição da testemunha BB por entender impertinente a renovação desse meio de prova e o Tribunal “a quo” entendeu esta decisão como assertiva e sem qualquer vício de ordem formal, conquanto a testemunha não presenciou quaisquer dos factos imputados e seria inócua a sua reinquirição.
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Com o devido respeito pela interpretação do Tribunal “a quo”, assim não sucede porquanto a trabalhadora, pretendia, tal como resulta do ponto 14 da sua resposta à nota de culpa, contraditar o alegado nos pontos 7, 8 e 9 da nota de culpa – “... falso padrão de comportamento agressivo reiterado da arguida para com as crianças” e, pelo contrário, fazer prova do bom e efectivo serviço da funcionária, da qualidade do serviço prestado, da sua exemplar conduta profissional na sua relação com colegas, entidade patronal e utentes enquanto trabalhadora, conforme o por si alegado no artigo 35 da sua resposta.
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Na verdade, a decisão de despedimento da arguida é alicerçada num comportamento reiterado de agressividade, quer verbal quer física para com as crianças, factualidade acusatória que fundamentou a decisão de despedimento, pelo que, a arguida ficou totalmente privada de produzir qualquer prova no procedimento disciplinar sobre este ponto crucial; sendo este o fito, e não qualquer outro, da (re) inquirição das testemunhas BB e AA.
OUTROSSIM, VIII. A trabalhadora requereu a inquirição da testemunha AA – auxiliar de sala da arguida e presente no refeitório no dia 22/11 de 2022, lugar da alegada agressão violenta ao menino CC - porquanto esta testemunha, em sede de registo de ocorrência negou a ocorrência da agressão da arguida no dia 22/11/2023 e, bem assim, a existência de um comportamento violento e incorrecto reiterado por parte desta para com as crianças.
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Cabendo à trabalhadora, nos termos do art.º 356.º, n.º 4 do C.T., a apresentação das suas testemunhas, esta, através do email do seu mandatário, datado de 10 de Janeiro de 2023, pelas 18:00h, comunicou a impossibilidade da apresentação da testemunha, em virtude de a mesma não se poder deslocar, nem à arguida ser possível a fazer comparecer, propondo como solução alternativa o depoimento escrito da mesma.
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A entidade patronal recusou liminarmente o depoimento por escrito por falta de cabimento legal, no que não tem razão, desde logo, porque nos termos do disposto no artigo 518º CPC existe cabimento legal para o depoimento escrito, cerceando totalmente a possibilidade de inquirição da testemunha no procedimento disciplinar.
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Existiu sim, uma vez mais, uma postura de total inflexibilidade por parte da entidade patronal, em promover, como era seu dever de colaboração, a inquirição da testemunha noutra data, no local de trabalho da testemunha nas suas instalações em ... - para inquirição da testemunha indicada – ainda que discordasse da apresentação de depoimento escrito.
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“O princípio da boa fé, consagrado no nº 2 do art.º 762.º do Cód. Civil, impunha ao instrutor do processo que não pusesse entraves nem impedisse o cumprimento da obrigação que sobre o requerente impendia de assegurar a comparência da testemunha e que procedesse às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador como era normal lógico e razoável (Ac. desta Relação de 6.06.2005, www.dgsi.pt).
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Pelo exposto, dúvidas não restam que os Direitos de Defesa e exercício do contraditório da trabalhadora foram pura e simplesmente obliterados pela inflexibilidade da entidade patronal em rejeitar a inquirição das testemunhas por si arroladas, devendo reconhecer-se a invalidade em virtude das graves irregularidades do procedimento disciplinar, nos termos e para os feitos do disposto nos artigos 356º, seu nº 1 e 389º, seu nº 2 do Código do Trabalho.
POR ÚLTIMO, XIV. Entende a recorrente que a decisão proferida é nula por nela não ter sido cumprido o dever de fundamentação de facto - com exame crítico das provas produzidas - da decisão de despedimento da arguida.
XV. O Tribunal “a quo” pugnou que a decisão disciplinar não tem o valor, nem é equiparável, a uma sentença, não estando, por conseguinte, subordinada aos mesmos requisitos de forma, pelo que entendeu que a mesma está devidamente fundamentada de facto e de direito.
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“Do art.º 351.º, n.º 3 do C.T em conjugação com o que se prescreve no n.º 4 do art.º 357.º do CT emerge que a decisão a ser proferida, no culminar do procedimento disciplinar, não há-de quedar-se pelos factos comunicados ao trabalhador através da nota de culpa, que tenham resultado apurados, impondo-se, outrossim, à entidade empregadora que, enquadrada na previsão do n.º 3 do art.º 351º, motive a sua decisão, entre o que se inclui a ponderação das circunstâncias que, no caso, se apresentem relevantes.
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Efectivamente, a decisão proferida limita-se sem qualquer exame crítico da prova produzida a dar como integralmente provados os factos da nota de culpa, sendo certo que se fosse esse o escopo legislativo - dar como provados os factos da nota de culpa – podia-se dispensar o direito de resposta e requerimento de produção de prova pelo trabalhador.
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A decisão de despedimento da AA dá como provado no seu ponto 1. que: “No dia 22 de novembro de 2022, no período da manhã e em contexto de sala, a trabalhadora deu duas “sapatadas” ao menino CC, nascido a .../.../2022, utente da valência Creche.”, inexistindo qualquer depoimento ou qualquer outra prova que consubstancie tal conclusão.
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Por outro lado, os testemunhos absolutórios da Testemunha AA, quanto à alegada agressão ao menino CC em 22/11/2022 e BB quanto ao comportamento e atitude profissional da auxiliar AA ao longo de anos de serviço à sua entidade patronal, foram pura e simplesmente omitidos e ignorados em toda a instrução do processo e na Decisão final proferida! XX. Pelo que, a decisão disciplinar estriba-se unicamente nas “declarações” de duas colegas de trabalho, cuja isenção, objectividade e idoneidade é apenas aparente e ilusória porquanto não confrontada com outros depoimentos com elas contraditórios e objecto do Registo de ocorrência! XXI. A decisão proferida limita-se à mera indicação dos meios dos meios de prova que suportam a decisão de despedimento, omitindo por completo o exame crítico da prova porquanto dá como provada factualidade sem qualquer elemento de prova que a sustente, ignora, em...
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