Acórdão nº 234/20.1T8VLN.G1-A de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelCARLA OLIVEIRA
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA instaurou, em 19.03.2019, no Cartório Notarial da Exmª Sra. Dra. BB, em ..., processo especial de inventário para partilha de bens por divórcio, tendo indicado como cabeça de casal o requerido CC.

Entretanto, a requerente pediu, nos termos do disposto no art.º 12º, nº 2, al. b) da Lei 117/2019 de 13.09, a remessa do processo para o tribunal competente, o que veio a ser deferido, passando este a correr sob o nº 234/20.... no Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial ....

Após ter sido apresentada a relação de bens por parte do cabeça de casal CC, foi deduzida reclamação pela interessada AA, acusando a falta de bens móveis e de verbas no passivo (bens e verbas que discrimina e indica os respectivos valores) e pedindo a rectificação do valor da verba nº 2 do activo (indicando igualmente o valor que deve passar a constar) e a exclusão de outras verbas do passivo e activo.

Na sequência foi convocada uma audiência prévia, na qual, para além do mais, se tentou obter a conciliação das partes, sem sucesso.

E posteriormente, em 29.04.2022, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Notifique o cabeça de casal para no prazo de 10 dias completar a relação de bens e corrigir a mesma em conformidade com a oposição apresentada por AA, pois não respondeu à reclamação em causa nos autos – arts. 1105º, nº 1, 574º por aplicação do disposto no art. 587º, nº 1, todos do CPC.”.

Não tendo sido dada resposta, o cabeça de casal foi novamente notificado, nomeadamente, nos dias 10.10.2022, 26.10.2022, 7.12.2022, 13.01.2023 para, no prazo de 10 dias, dar cumprimento ao despacho datado de 29.04.2022, sob pena de condenação em multa por falta de colaboração processual.

Em 16.03.2023, o cabeça de casal, alegando estar impossibilitado de dar cumprimento ao ordenado no despacho proferido em 29.04.2022, requereu que o tribunal a quo procedesse à realização das diligências instrutórias necessárias para decidir a matéria da reclamação de bens e em seguida fosse proferido despacho de saneamento do processo para determinação dos concretos bens do casal a partilhar.

Após ter sido exercido o contraditório, em 19.04.2023, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Reqs. de 16.03.2023 e de 20.03.2023 No nosso ordenamento jurídico está consagrado o princípio do auto-esgotamento do poder jurisdicional no artigo 613º, n.º 1 e 3, do Novo Código de Processo Civil. Desta regra resulta que, uma vez proferida a decisão, fica esgotado imediatamente o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, pelo que em relação ao despacho de 22.04.2022, encontra-se há muito esgotado o poder jurisdicional, pelo que se indefere o requerido por manifesta falta de fundamento legal – art. 613º, nº1 e 3 do CPC.

Uma vez que o cabeça de casal, notificado novamente em 16.01.2023 para cumprir os despachos de 26.10.2022, de 10.10.2022 e de 29.04.2022, e apesar de o ter sido sob cominação por falta de colaboração processual caso persistisse na omissão voltou a não o fazer, vai condenado em multa ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPC, fixando-se a mesma em duas UCs.

Notifique e insista pelo seu cumprimento, no prazo de 10 dias, sob pena de nova condenação em multa por falta de colaboração processual – art. 417º do CPC.”.

Inconformado, por requerimento datado de 12.05.2023, o cabeça de casal apelou do aludido despacho, tendo formulado as seguintes conclusões: “1º Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, datado de 19/04/2023, que indeferiu a reclamação do requerente, datada de 16/3/2023, nos termos da qual foi peticionado, que fosse dado cumprimento aos artigos 1109º e 1110º do CPC: “realização das diligências instrutórias necessárias para decidir a matéria da reclamação de bens e em seguida seja proferido despacho de saneamento do processo para determinação dos concretos bens do casal a partilhar.” 2º Entendeu a Mma. Juiz do Tribunal a quo, no despacho datado de 19/04/2023 que, nos termos do princípio do auto-esgotamento do poder jurisdicional previsto no artigo 613º, n.º 1 e 3, do Novo Código de Processo Civil, “resulta que, uma vez proferida a decisão, fica esgotado imediatamente o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, pelo que em relação ao despacho de 29.04.2022, encontra-se há muito esgotado o poder jurisdicional, pelo que se indefere o requerido por manifesta falta de fundamento legal – art. 613º, nº1 e 3 do CPC.” Isto porque, 3º Por despacho datado de 29 de abril de 2022 foi o cabeça de casal notificado para no prazo de 10 dias completar a relação de bens e corrigir a mesma em conformidade com a oposição apresentada por AA, porquanto não respondeu à reclamação em causa nos autos.

  1. Despacho que o cabeça de casal se encontra impossibilitado de concretizar, porquanto, 5º após a realização da audiência prévia, nos termos do artigo 1109º n.º 3 do CPC, na falta de obtenção de acordo entre as partes, “deveria o Juiz proceder à realização das diligências instrutórias necessárias para decidir as matérias que tenham sido objeto de oposição”.

  2. E, nos termos do artigo 1110º n.º 1 alínea a) do CPC, “Depois de realizadas as diligências instrutórias necessárias, o juiz profere despacho de saneamento do processo em que: a) Resolve todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar.”.

  3. Salvo o devido respeito e opinião contrária, tendo havido extensa e complexa reclamação à relação de bens apresentada pela interessada AA e não tendo havido acordo entre as partes na audiência prévia, deveria ter sido dado cumprimento ao disposto nos referidos artigos 1109º n.º 3 e 1110º n.º 1 alínea a) do CPC, de forma a que o cabeça de casal consiga elaborar a correta relação dos bens comuns do casal.

  4. O que não sucedeu no processo.

  5. Após ter sido apresentada a Relação de Bens nos autos por parte do cabeça de casal e depois de ter sido a mesma reclamada pela interessada AA e de ter sido convocada uma audiência prévia realizada no dia 19/4/2022 na qual não se logrou obter a conciliação das partes, a Meritíssima Juiz à quo proferiu despacho datado de 29/4/2022 em que ordenou a “notificação do cabeça de casal para no prazo de 10 dias completar a relação de bens e corrigir a mesma em conformidade com a oposição apresentada por AA, pois não respondeu à reclamação em causa nos autos.” 10º Posteriormente a essa data, o cabeça de casal foi novamente notificado no dia 10/10/2022, 26/10/2022, 7/12/2022, 13/1/2023 e agora mais recentemente em 19/4/2023, para no prazo de 10 dias, dar cumprimento ao despacho datado de 29 de abril de 2022 sob pena de condenação em multa por falta de colaboração processual – artigo 417º do CPC.

  6. Só agora, o cabeça de casal se apercebeu que a sua dificuldade em dar cumprimento ao despacho datado de 29/4/2022 se deve ao facto de estar em falta a prática de formalidade essencial no processo, a qual foi devidamente reclamada no processo no dia 16/3/2023.

    Na verdade, conforme já referido, 12º A Meritíssima Juiz a quo, salvo o devido respeito e opinião contrária, deveria ter dado cumprimento ao estatuído nos artigos 1109º n.º 3 e 1110º n.º 1 al. c) do CPC, e, não o tendo feito, cometeu a Meritíssima Juiz à quo NULIDADE por preterição de formalidade processual, nos termos do artigo 195º do CPC, sendo essa formalidade essencial para o exame ou decisão da causa, encontrando-se a impedir o correto desenvolvimento do processo, porquanto impede o cabeça de casal de corrigir a relação de bens em conformidade com a reclamação apresentada.

    Na verdade, 13º Na reclamação apresentada pela interessada AA, foram apresentados documentos e alegados factos que urge apreciar e decidir da sua admissibilidade, trabalho que compete à Meritíssima Juiz à quo executar e não ao cabeça de casal, que não tem poderes nem conhecimentos para esse efeito.

  7. E que impedem o cabeça de casal de proceder à correta elaboração da relação de bens em conformidade com a dita reclamação apresentada.

  8. Nulidade que se deixa invocada para todos os efeitos legais e que já foi reclamada no processo.

  9. E que, contrariamente ao doutamente alegado no douto despacho recorrido de 19/4/2023, o cabeça de casal está em tempo para suscitar, não se encontrando esgotado o poder jurisdicional, quanto ao despacho de 29.04.2022, nos termos alegados do art. 613º, nº1 e 3 do CPC, porquanto o despacho enferma de nulidade também nos termos do artigo 615º do CPC já que, conforme anteriormente se referiu, não contém quaisquer fundamentos de facto ou de direito quanto à reclamação apresentada no processo pela interessada AA.

    Acresce que, 17º Na sequência dos despachos proferidos em 29/4/2022, 10/10/2022, 26/10/2022, 7/12/2022, 13/1/2023 e agora mais recentemente em 19/4/2023, mais foi o cabeça de casal condenado em multa, por falta de colaboração processual, o que se requer seja devidamente corrigido e anulado, em consequência da nulidade agora detetada e reclamada no processo.

  10. Deve pois: 1- o despacho proferido em 29/4/2022 ser anulado e substituído por outro que dê cumprimento ao estatuído nos artigos 1109º e 1110º do CPC, sendo proferido em conformidade despacho saneador do processo e consequentemente, 2- serem anulados também os despachos datados de 29/4/2022...

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