Acórdão nº 01482/05.0BELSB 0415/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A Fundação A... (FA...), com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul dele vem recorrer, concluindo como segue: A. A apreciação sumária a levar a cabo para decidir sobre a admissibilidade do recurso de revista implica o preenchimento de conceitos indeterminados - relevância jurídica ou social e melhor aplicação do direito (art. 150°, n° 1 do CPTA) - que obriga a uma análise fundamentada, como reconhecido pelo próprio STA, sob pena de ser posto em causa o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20°, n° 5 da CRP; B. A questão fundamental que se pretende submeter à apreciação deste Venerando Tribunal é a de saber se, no caso em apreço, o despacho do Gestor do POSI, datado de 04/02/2005, que aprovou o Relatório Final da Ação de Controlo de 1º nível, com o n° 005/2004 - Projeto n° 263-2.2-C-LVT, conjugado com a notificação de 15/03/2005, que ordenou à FA... a devolução da quantia de € 201.907,08 relativa à ajuda comunitária já recebida, constitui ou não um ato de revogação e, caso afirmativo, se está ou não viciado por incompetência por não ter sido proferido pelo Ministro da Ciência e da Tecnologia, sob proposta do Gestor do POSI; C. No caso dos autos, está em causa a Fundação A..., instituída pelo próprio Estado como Fundação ... através do DL n° 361/91, de 3 de Outubro, cujos Estatutos foram alterados pelo D.L. n° 391/99, de 30 de Setembro, competindo ao membro do Governo responsável pela área da Cultura a designação dos membros do seu Conselho de Administração, a qual tem ainda a natureza de instituição de direito privado e utilidade pública.

D. Uma tal natureza e estatuto não se compadecem certamente com “manobras” habilidosas tendo como objetivo o aproveitamento, mais ou menos fraudulento, dos fundos comunitários; E. Ficaram claras, na matéria de facto dada como assente, as circunstâncias em que foi apresentado o Projeto “A... Digital”, qual a finalidade do mesmo, e ainda a forma transparente como ficou dito que o mesmo iria ser executado; F. Os serviços do POSI que se encontravam a instruir o processo deveriam ter alertado em tempo útil a FA... para a obrigatoriedade de cumprir o disposto no DL n° 197/99, de 08 de Junho, sobre contratação pública, sob pena de não serem elegíveis as despesas que viessem a ser efetuadas, para que esta tivesse imediatamente modificado o tipo de contratação previsto;  G. Não foi, pois, a FA... que induziu a Administração em erro, antes foi a Administração que não observou o dever de informar e de atuar de acordo com os ditames da boa-fé e aprovou a comparticipação financeira de um projeto que sabia de antemão que iria gerar despesas não elegíveis; H. Ainda que desde há muito venha a ser reconhecida a chamada revogação implícita de atos administrativos, certo é que a questão é nova no que respeita à sua aplicação a um ato de intimação de devolução de ajudas comunitárias após declaração de não elegibilidade de despesas já efetuadas pelo beneficiário; I. Dado tratar-se de questão ainda não tratada pela doutrina e jurisprudência de forma direta, envolve necessariamente alguma complexidade jurídica que necessita de ser abordada pelo STA por forma a dissipar dúvidas que possam subsistir; J. Trata-se ainda de problema que tem relevância social na medida em que diz respeito a aspetos relacionados com o reembolso de verbas comunitárias que não pode ser decidido de modo arbitrário, pondo em causa projetos em curso relevantes para a economia nacional; K. Por outro lado, não está em causa apenas o caso sub judice mas todos aqueles em que foram atribuídas verbas comunitárias, cujo reembolso foi determinado sem observância das regras sobre competência para a prática do ato; L. A intervenção do STA é ainda necessária para se conseguir uma melhor aplicação do Direito, não apenas neste caso concreto em que duas instâncias adotam soluções distintas e contraditórias, mas, sobretudo, com o objetivo de poder contribuir para a correção no futuro de erros judiciários; M. Assim sendo, forçoso é concluir que se encontram reunidos todos os requisitos previstos no artigo 150°, n° 1 de CPTA para a admissão da revista; N. É de salientar que o Tribunal recorrido enfatizou desnecessariamente a questão da primazia do princípio da “repetição do indevido” sobre o disposto, quanto ao prazo, no artº 141° do CPA, sem que tal problema tenha sido suscitado por qualquer das partes; O. A questão havia já sido decidida, no mesmo sentido, pelo Tribunal de 1a instância e nenhum dos Recorrentes a levou às conclusões das respetivas alegações de recurso; P. O Relatório Final da Ação de Controlo do 1° nível era bem claro ao concluir que toda a despesa auditada não era elegível porque o contrato A.../B... não cumpria o disposto no DL n° 197/99, de 8 de Junho, relativo às regras da contratação pública, o que equivalia a dizer que todas as despesas futuras, efetuadas no decurso da execução do mesmo contrato, seriam necessariamente afetadas pelo mesmo vício e, por conseguinte, seriam consideradas pela autoridade de gestão como “não elegíveis”; Q. A conclusão de que todas as despesas efetuadas pela FA... - ao abrigo de um contrato que a autoridade de gestão do programa operacional considerava inquinado por vício originário - eram despesas não elegíveis para efeitos de comparticipação financeira nacional e comunitária, arrasta consigo necessariamente a conclusão de que se verificou a revogação implícita do despacho de aprovação do Projeto “A... Digital”, proferido pelo Ministro da Ciência e da Tecnologia em 03/04/2002; R. A revogação implícita, a revogação indireta, de um ato constitutivo de direitos, porque carece em absoluto de fundamentação expressa, de facto ou de direito é de todo ilegal, por violação do artº 124°, n° 1, al. e) do CPA e do artº 268°, n° 3 da CRP; S. Acresce ainda que a revogação implícita foi praticada pela autoridade de gestão do programa operacional que não detinha poderes delegados do Ministro da Ciência e da Tecnologia, autor do ato anterior que foi revogado; T. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o ato de revogação implícita, que resulta da conjugação do despacho do Gestor do POSI de 04/02/2005, que aprovou o Relatório Final da Ação de Controlo de 1º nível, com a notificação de 15/03/2005, que ordenou a devolução da quantia já recebida pela FA..., é ilegal por violar o disposto no artigo 142° do CPA, encontrando-se ferido de incompetência; U. Na verdade, nos termos do disposto no artigo 12° do Regulamento de Acesso à Medida 2.2 do POSI, era obrigatória a obtenção despacho ministerial que homologasse as conclusões do Relatório do POSI, ou qualquer outra proposta apresentada pelo seu Gestor, que conduzisse à revogação da anterior aprovação do Projeto “A... Digital”; V. Atendendo a que já foram apresentados, e constam dos autos os pedidos de pagamento n°s 5 e 6, bem como a totalidade do pedido n° 4 e parte do pedido n° 3, acompanhados das respetivas faturas, devem ainda os Recorridos ser condenados a pagar à aqui Recorrente o remanescente ainda não liquidado da comparticipação atribuída pelo despacho retificado do Ministro da Ciência e da Tecnologia, no montante global de €497.316,00; W. O pedido de pagamento do remanescente da comparticipação havia sido formulado logo na petição inicial; X. A Recorrente beneficia da isenção subjetiva prevista na alínea f) do n° 1 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais por se tratar de uma pessoa coletiva privada sem fins lucrativos; Y. De acordo com os seus Estatutos, aprovados pelo DL 391/99, de 30 de Setembro, a Recorrente é uma instituição de direito privado e utilidade pública (art. 1º) que tem por finalidade (art. 3º, n° 1) “a promoção da cultura, em particular da portuguesa, desenvolvendo a criação e a difusão, em todas as suas modalidades, bem como o apoio a acções de formação com relevância na área da cultura, promovendo a formação técnica especializada dos agentes e profissionais deste domínio ou domínios afins.

Z. Face ao exposto, deve ser reformado o Acórdão do TCA Sul de 09/05/2013, no que diz respeito à condenação em custas, já que a Recorrente beneficia, neste caso, da isenção conferida pelo art. 4º, n° 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais; * A Autoridade de Gestão do Programa Operacional da Sociedade do Conhecimento, ora Recorrida, contra-alegou, concluindo como segue: A. O presente recurso tem por objeto a apreciação sobre se o despacho do Gestor do POSI, datado de 04/02/2005, que aprovou o Relatório Final da Ação de Controlo de 1º nível, com o nº 005/2004 - Projeto nº 263-2.2-C-LVT, conjugado com a notificação de 15/03/2005, que ordenou à FA... a devolução da quantia de € 201.907,08 relativa à ajuda comunitária já recebida, constitui ou não um ato de revogação e, em caso afirmativo, se está ou não viciado por incompetência por não ter sido proferido pelo Ministro da Ciência e da Tecnologia, sob proposta do Gestor do POSI; B. Por sentença datada de 09 de maio de 2013, o Tribunal Central Administrativo Sul considerou que "Não há, pois, qualquer revogação no sentido técnico da palavra, reconhecendo o próprio aresto recorrido a existência de incumprimento das disposições legais comunitárias, o que torna inviáveis os pedidos de condenação efetuados. Em conclusão, não subsistem quaisquer dúvidas sobre a correta absolvição dos R.R: relativamente aos pedidos condenatórios formulados, vem como é inquestionável a existência de erro de julgamento no tocante à anulação do ato da Administração de 5 de janeiro de 2005, supra apreciada.".

C. Porém, a aqui Recorrente, Fundação A..., por não se conformar com o conteúdo daquela sentença, interpôs, nos termos do artº 150º do CPTA, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo. Em suma, alega a Recorrente que o Recorrido, ao declarar a despesa total de € 201.907,08 não elegível, procede a uma revogação implícita de um ato constitutivo de direitos, porque carece em absoluto de...

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